Estevam
Ângelo de Souza
O
que aprendi com a vida de um servo
Pr. Battista Soarez
(escritor,
teólogo e jornalista)
ONTEM, dia 2 de agosto de 2022, participei do
culto em ações de graças pelo centenário de nascimento do pastor Estevam Ângelo
de Souza. Na oportunidade, fui agraciado como ocupante da Cadeira Nº 21, da Academia Ateniense de Letras Ciências e Artes,
cujo patrono é o pastor Estevam Ângelo
de Souza. A indicação foi do presidente da academia Dr. João Bentivi. Sinto-me
ricamente honrado. Durante todo o
culto passou um filme na minha cabeça. Não parava de olhar para a família
daquele que foi meu pastor de 1983 — ano em que me converti ao Senhor Jesus
Cristo — até o dia 14 de fevereiro de 1996, ano em que o servo do Senhor partiu
para a glória entrando no descanso eterno. Aliás, até a expressão “servo do
Senhor” nos foi ensinada pelo pastor Estevam, e nesta expressão está impressa a
imagem do único homem que conheci no qual eu, de fato, vi humildade.
Culto no Templo Central da AD em São Luís em homenagem ao Pr. Estevam |
A família do pastor Estevam é a minha família. Porque por esta família eu sempre fui acolhido e bem tratado. Todas as vezes que visito a irmã Giseuda, a viúva, o dia se torna pequeno para tanta conversa. Os relatos acerca de sua experiência ao lado de um dos maiores líderes cristãos de todos os tempos são verdadeiros conselhos ao nosso crescimento espiritual. O pastor e jornalista Benjamin Lima de Souza, filho do pastor Estevam, sempre fala comigo ao telefone. E, então, relembramos os anos de aprendizado e crescimento espiritual durante o pastorado do seu pai e pastor exemplar. Éramos todos jovens. Jovens, mas sempre atuantes na oração e na evangelização.
Pr. Estevam Ângelo de Souza e esposa Giseuda Lima de Souza |
No culto de
ontem, Benjamin destacou alguns pontos importantes sobre a vida do seu pai,
externando algo bastante pertinente e necessário que fosse falado:
— Não adianta
querer apagar a memória do meu pai. Não se pode apagar a memória de um homem
que foi chamado por Deus para fazer a sua obra e que deixou o seu legado.
De fato. Não tem
como apagar o brilho que ele deixou com seu exemplo e sua dedicação ao
evangelho de Jesus. Todas as autoridades no Maranhão e no Brasil o respeitavam.
Lembro de quando fui morar no Rio de Janeiro, levei uma carta de recomendação
assinada pelo pastor Estevam. Chegando lá, fui congregar na Assembleia de Deus
em Cordovil onde apresentei a referida carta numa noite de domingo. O pastor da
igreja apresentou muita gente, vinda de vários estados do Brasil, deixando a
minha carta por último. Igreja lotada. E ele, então, destacou:
— Agora, irmãos —
disse o pastor segurando a carta aberta ao lado do microfone — temos uma carta
aqui assinada pelo pastor Estevam Ângelo de Souza, do Maranhão, a maior
referência eclesiástica do Brasil, recomendando o irmão João Batista Pestana
Soares. Onde está o irmão João Batista? Fique em pé e levante a mão para que a igreja o conheça.
Eu estava na
galeria e, claro, fiquei de pé e levantei a mão.
— Peço que toda a
igreja fique de pé, por favor — continuou o pastor. — O irmão ao lado dê um
abraço no irmão João Batista em nome de toda a igreja aqui em Cordovil.
Recebi, então, o
abraço do irmão e o pastor continuou:
— A igreja quer
receber o irmão João Batista Pestana Soares como usam fazer os santos em nome de Jesus?
Todos, de mãos
levantadas, disseram “amém”.
— Irmãos —
concluiu o pastor — um crente recomendado pelo pastor Estevam a gente pode
receber sem receio. São pessoas que nunca dão trabalho.
Exemplos como este justificam perfeitamente as palavras do pastor Benjamin. “Não se pode apagar a memória de um homem a quem Deus chamou para a sua obra e que deixou o seu legado”.
Lembro-me de
quando cheguei em São Luís, em 1983, e fui ao culto de mocidade no Templo
Central. Era uma noite de quarta-feira. E a primeira pessoa que veio falar
comigo foi Ezequias, filho do pastor Estevam. Com ele vieram, também, os jovens
Elizeu, Eudes Alencar e outros jovens da época, muito atuantes na obra de Deus.
Naquele dia começou a minha trajetória na Assembleia de Deus em São Luís. Então,
passei a ouvir e a absorver um aprendizado que, honestamente, nunca consegui em
qualquer outro lugar.
As vezes em que
sentei com o pastor Estevam, ouvi dele grandes lições, grandes conselhos e
palavras de aprendizado que nunca esquecerei. Ele foi o meu primeiro crítico
literário. Pois foi ele o primeiro intelectual que leu um texto escrito por mim
e fez as devidas observações. Isso foi em 1987. Eu entreguei nas mãos dele os
manuscritos do meu primeiro livro. Ele os leu e, num certo dia, me chamou à sua
sala no Templo Central, e entregou-me de volta os originais, com uma carta
anexada que dizia o seguinte:
— Prezado irmão João Batista Pestana. Li e apreciei com
carinho os originais da sua obra literária. Sem sombras de dúvida, creio que está
provada a sua vocação para o ofício de escritor. Contudo, tenho algumas
observações a fazer. Seu texto é de natureza histórica e não inspirativa. Isso
requer alguns cuidados. Sugiro que o irmão deva continuar
estudando, pesquisando e se aperfeiçoando em redação. Não se esqueça de fazer
as devidas citações da fonte pesquisada (bibliografia) para não incorrer em
plágio. Pois isto costuma criar problema muito sério. Fui informado de que
Olavo Bilac passava seis meses burilando um soneto. Isso significa que quando
escrevemos e publicamos estamos sujeitos às observações críticas dos sábios. E,
por vezes, são críticas impiedosas. Oro para que o irmão tenha pleno êxito na
sua vocação.... Do seu pastor e servo Estevam
Ângelo de Souza.
Recebi a pasta
com os originais de volta e fui para casa triste, lendo e relendo aquela carta,
imaginando que tinha sido reprovado quanto ao ofício de escritor. Chegando em
casa, engavetei os originais e não peguei mais naquele texto, desistindo da
ideia de publicar aquele livro.
Dias depois,
cruzei com o pastor Estevam no final de um culto. Ele segurou no meu ombro e
disse-me, olhando no meu rosto e expressando meio riso:
— Cadê o livro?
Já corrigiu?
— Ah, pastor! —
disse eu, meio acabrunhado. — Eu desisti depois da sua carta. Acho que o meu
talento para escrever não passa de reportagens e artigos para jornais.
Foi quando ele
fixou bem firme nos meus olhos e asseverou:
— Não, meu
irmão! Não faça isso. Não desista nunca. O que escrevi para o irmão foi apenas
para ajudá-lo. O que eu disse para o irmão foi o mesmo que falei para o pastor
Raimundo de Oliveira, uma certa vez em que ele me entregou uns originais exatamente
como o senhor fez. Ele entendeu e não desistiu. Continuou escrevendo e hoje é
um grande escritor da CPAD.
Fui para casa reanimado. Voltei a escrever e, tempos depois, pastor Estevam estava redigindo uma carta a próprio punho me recomendando para fazer parte da equipe de jornalismo da CPAD, no Rio de Janeiro, onde exerci a função de revisor de livros e, depois, jornalista-correspondente da editora no norte e nordeste do Brasil. A partir daí, passei a escrever livros e, hoje, minha obra literária está presente nas vitrines de todo o país e também no exterior. Os conselhos do pastor Estevam eram palavras proféticas e de bênçãos para nós.
Quando da minha
viagem ao Rio de Janeiro para trabalhar na CPAD, ele deu-me alguns
conselhos. Dentre os quais, ele me disse:
— Não diga a
ninguém que você está trabalhando na CPAD. Deixe que, com o tempo, as pessoas
aos poucos vão sabendo que você está lá. Mas, aí, você já criou raízes. Nunca
se deve falar a outrem nossos planos e conquistas. Sabe por que, irmão João
Batista? Inveja é o único feitiço que pega em crente.
Outra vez, numa
palestra para jovens, na qual eu estava presente, ele lecionou:
— Não confunda
poder de Deus com barulho. Pois lata vazia faz mais zoada do que uma cheia.
Das lições que
aprendi com o meu pastor Estevam Ângelo de Souza, posso destacar o fato de que
a igreja de Cristo poderia ter aprendido mais dele, aproveitado mais seus ensinos.
Pastor Estevam me ensinou que a igreja de Jesus não é o único instrumento por
meio do qual Deus age no mundo. A igreja é apenas uma parte do mundo, aquela
que reconhece o Senhorio de Jesus Cristo, Filho unigênito do Deus Altíssimo.
Hoje compreendo
perfeitamente que a igreja é a casa de Deus. Mas ela é a casa de Deus somente
enquanto existe para os outros (o próximo), em busca de viver para os outros,
isto é, para ajudar as pessoas a se encontrar consigo mesmas, a se encontrar
com Deus e a se deixar encontrar por Ele. Pastor Estevam vivia todos os dias em
causa dos outros e nunca usava o pronome pessoal “eu”, mas sempre o pronominal “nós”,
totalmente desprovido de egoísmo e/ou de absolutismo individualista e ensobesmático.
Se, hoje, alguns dos seus discípulos são voltados para dentro de si mesmos não aprenderam
com Estevam Ângelo, nem absorveram nada deste homem de Deus.
Com o pastor
Estevam eu aprendi aquilo que Dietrich Bonhoeffer sempre dizia nas suas
exposições sermonárias: é necessário que
a igreja possa dizer às pessoas de todos os tempos e de todas as profissões o
que significa “viver com Cristo e estar disponível para outros”.
Baseado nisso,
hoje me pego a pensar: será que ainda em nossos dias é a hierarquia
eclesiástica que nos garante a perenidade da igreja de Jesus? Ou a perenidade é
garantida por sua origem divina?
Acho que a
resposta para isto poderá ser extraída dos ensinamentos que o pastor Estevam
Ângelo de Souza nos dava — para os jovens da época — nas tardes do último
domingo de cada mês: sem excluir esta ou
aquela afirmação, hoje somos mais inclinados a afirmar que a vitalidade e a
perenidade da igreja são provenientes do Espírito Santo, que vive e vivifica os
que crêem, esperam e amam. É o Espírito quem suscita, vivifica e revitaliza as
comunidades, as quais sustentam a presença da Igreja do Senhor no mundo, de
modo sempre novo, como se fosse uma nova realidade.
Nosso pastor
Estevam Ângelo de Souza deixou claro que esta verdade cristã, bíblica e
neotestamentária nos fala mais alto do que a organização e a estrutura da
igreja, embora ele tenha construído 1051 igrejas no Maranhão. Aliás, este foi um
dos assuntos que ele falou comigo no último encontro que tivemos antes de eu ir
para o Rio de Janeiro. Posso dizer que com o pastor Estevam Ângelo aprendi,
ainda, que a igreja de hoje necessita atrair a atenção do mundo inteiro porque ela
está nele como “sinal”. É ao mundo moderno — ao mundo da comunicação sem
fronteiras e sem limites — que ela, a igreja de Jesus, necessita se dirigir,
expressando-se na linguagem de hoje para
o hoje, com os meios de hoje.
Com base nisto,
posso acrescentar que a igreja usa, emprega, serve-se dos meios de comunicação,
mas deverá ainda aprofundar a espiritualidade da comunicação na cultura
hodierna. A igreja corpo-de-Cristo, sem espiritualidade, é apenas corpo-social
e mera instituição.
Sempre que viajo
pelo interior do Maranhão e tenho a oportunidade de pregar numa igreja
Assembleia de Deus, ou de conversar com algum pastor que conviveu ou foi
instruído pelo pastor Estevam Ângelo de Souza, ouço que o pastor Estevam era um
homem durão e legalista. O que certamente não procede. Pastor Estevam era
conservador das doutrinas bíblicas, as quais ele chamava de “sã doutrina”. Mas
ele não era legalista. Ser conservador
é uma coisa. Ser legalista é outra
coisa bem diferente.
Legalismo, do ponto
de vista religioso, é fanatismo, é fixação de ideias imperialistas. Portanto,
todo legalista é fanático. E todo fanático tem um zelo religioso obsessivo,
exagerado, doentio que pode levar a extremismos de intolerância. Ao passo que
ser conservador é ter convicção dos princípios bíblicos e deveres cristãos espirituais. E ter
convicção dos princípios bíblicos e deveres espirituais é viver a vida
abundante em Cristo Jesus, o Senhor. E é exatamente isto que define a pessoa do
pastor Estevam na sua relação com Deus e sua vida ministerial.
Portanto, com
base no que o pastor Estevam nos ensinou, hoje entendemos que, como líder
cristão, sua maior preocupação era fazer com que todos fossem discípulos do
Senhor Jesus, dedicados à unidade do Corpo de Cristo e ao serviço de comunicar
as boas novas do Evangelho. Sua vontade era que a igreja Assembleia de Deus no
Maranhão testemunhasse a martyria,
que abrisse suas portas para que seus filhos e suas filhas entrassem em casa e
nela trabalhassem a diakonia e,
fazendo-se irmãos e irmãs uns dos outros, vivessem harmoniosamente a koinonia (a comunhão e a partilha). E,
enfim, com seu jeito simples, conservador e íntegro, o pastor Estevam Ângelo de
Souza nos ensinou que o elemento decisivo da Igreja de Jesus Cristo é o
Espírito Santo que nela habita e age mediante a entrega total e generosa de todas as
pessoas crentes que lhes são dóceis.
Desta maneira, o pastor Estevam foi quem mais nos ensinou acerca do Espírito Santo, sua presença e seu agir no mundo.