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quarta-feira, 20 de maio de 2020

POR QUE PESSOAS BOAS SOFREM?

POR QUE PESSOAS BOAS SOFREM?

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Pr. Battista Soarez
Escritor, jornalista, teólogo, psicoterapeuta e professor universitário.
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Anos atrás, lá por volta de 1986, eu estava numa antiga livraria na rua Grande, centro comercial de São Luís, como era de costume fazê-lo todos os dias no intervalo do expediente do Jornal de Hoje, onde trabalhava como revisor de texto. Percorrendo prateleira por prateleira, procurando curiosamente os novos títulos do mercado editorial, quando, de repente, meus olhos se depararam com a obra “Por que sofrem os escritores”. Não lembro mais o nome do autor, mas parece-me que era um psicanalista. Lembro também de ter comentado, sobre o livro, com a minha namorada da época, chamada Tânia. Ela também gostava muito de ler e me deu vários livros de presente. Então, tudo o que eu via de novidade literária, comentava com ela, obviamente.
O livro falava da história de vida de grandes nomes da literatura mundial, dentre eles Leon Tolstói e Thomas Mann, considerados entre os maiores escritores de todos os tempos. Tanto Tolstói quanto Mann sofreram perseguição e descasos nas suas próprias famílias. Tolstói, inclusive, teve tantos problemas com familiares que, em vida, doou toda a sua riqueza — adquirida com o ofício de escritor, claro — aos trabalhadores camponeses aos quais dedicou sua vida fazendo obras sociais. Aos 82 anos de idade, após uma briga familiar, Tolstói saiu de casa com apenas uma maleta. Dias depois, o famoso escritor foi reconhecido pelo diretor da estação ferroviária de Astapovo, na província de Riaz, na Rússia. Ao vê-lo doente, com febre e tossindo muito, o diretor se aproximou e exclamou: “Doutor Tolstói!”. Então, o generoso diretor da estação levou o escritor para sua própria casa dando-lhe os devidos cuidados. Ali, Tolstói morreu dias depois de pneumonia.
Bem, uma das questões abordadas no livro “Por que sofrem os escritores” é a espiritualidade. O ofício de escritor tem a ver com inspiração. E inspiração envolve a espiritualidade. Há um jogo de energias cósmicas propulsoras: positivas e negativas. As energias cósmicas positivas são do bem, enquanto as negativas são do mal. Na positiva está Deus e os princípios da sua justiça. Na energia cósmica negativa estão as forças demoníacas que lutam contra o bem. Portanto, qualquer pessoa que promove o bem é perseguida.
Outra questão é que o escritor trabalha para transformar o mundo com suas ideias de ética e moralidade na construção do bem, e as forças demoníacas lutam para que isso não aconteça. De fato, os escritores sofrem porque há uma retaliação das forças do mal contra eles. E não só contra os escritores, mas contra qualquer uma pessoa de coração bom e que trabalha para o bem da sociedade.
Isso não acontece só com os escritores clássicos. Aliás, a gente imagina que por serem ricos e famosos, isso não pudesse acontecer com eles. Mas aconteceu com eles e pode acontecer com escritores que não são clássicos, ainda nos dias de hoje. Normalmente, os escritores são pessoas sérias, responsáveis e éticas. Porque acabam limando o seu caráter na educação que recebem baseada naquilo que leem. E o primeiro impacto no coração de um escritor ou de uma pessoa boa, é o não-reconhecimento e o não-respeito da própria família. Nisso, o nosso Senhor Jesus Cristo sabia muito bem o que estava dizendo quando asseverou: “Não há profeta sem honra, senão na sua terra e na sua casa” (Mt 13.57). Também em Mateus 10.36, ele diz: “Assim, os inimigos do homem serão os da sua própria casa”.
E este pensamento bíblico não era novo nos dias de Jesus. O profeta Miquéias, sete séculos antes de Cristo (séc. VIII a.C.), já alertava: “Porque o filho despreza o pai, a filha se levanta contra a mãe, a nora contra a sogra; os inimigos do homem são os da sua própria casa” (Mq 7.6). Esses males fazem parte do amplo conjunto de males do nosso tempo. Nossa sociedade está exatamente assim, impregnada dessas mazelas na família e nas relações sociais.
Vários homens de Deus, hoje em dia, trabalham para o bem da igreja, trabalham para o bem da família e depois descobrem que a sua família os odeia, é a sua primeira inimiga. Muitos pais de família sacrificam suas vidas dia e noite, trabalhando para ver os da sua casa vivendo confortavelmente. Todavia, nem sabiam que, ao fazer isto, estavam construindo inimigos debaixo do seu próprio teto. Na época de Jesus, ele mesmo previu esses desencontros no meio das instituições familiares. Em nossos dias, a estabilidade familiar deixou de existir. E o respeito dos filhos pelos pais sucumbiu-se no lamaçal de pecados e injustiças humanas de toda sorte. Por isso e com isso, as pessoas boas sofrem. Elas lutam pelo bem de todos, e recebem como paga o ódio, a perseguição, a falta de respeito e a ingratidão por parte da própria família.
Face a isto, Jesus ensinou, em Mateus 10.34-36, que não devemos ser coniventes com patifarias de gente ingrata e rebelde da nossa família. Eles são os nossos verdadeiros inimigos. E não só nosso, mas também de Deus. Porque, ao serem ingratos e rebeldes, estão se levantando como inimigos de Deus e da sua justiça. Por isso não devemos passar mão na cabeça de familiares rebeldes e ingratos. Eles não merecem nosso carinho. Eles são a causa da nossa vergonha e do nosso sofrimento. Isso não quer dizer que não devemos amá-los e orar por eles. Mas amar e orar não significa ser conivente com o pecado deles.
No livro de Samuel, a Bíblia relata a triste história do profeta Eli. Ele era o tempo todo conivente com o pecado intencional dos filhos. E pagou caro por isso. Meu pai sempre dizia: “Meu filho, se você fizer alguma coisa errada por aí e for preso, não conte comigo para nada. Não vou gastar um centavo, não vou mover um dedo para tirar você da cadeia”.
Em 2013, após dar uma entrevista na Rádio 92, de São Luís, sobre o lançamento do meu livro "E assim o amor acontece" (Arte Editorial, SP, 2013), uma jovem mulher me ligou. Ela disse que o seu marido acabara de deixá-la e estava vivendo com uma moça de dezoito anos. A coisa mais difícil de entender é que ela não tinha feito nada. Segundo ela, foram 13 anos de casamento equilibrado e feliz. O casal teve uma filha, que ficou com a mãe. Ela me disse que, ao perguntar ao marido o porquê da decisão, ele respondeu: “É que essa menina era virgem”.
O que eu aprendi com esse casal de jovens é que não há mais compromisso em nossas instituições modernas. Além de inimigos familiares, são irresponsáveis. Não têm a quem responder por seus atos. Não se importam.
Dizem que o credo do narcisista é: “Não tenho nada a ver com você. Nem você comigo. Eu cuido de mim e você cuida de você. Cada um por si”. O problema é que esse credo não é novo. É tão antigo quanto a história de Caim e seu irmão. Na história da humanidade, foi Caim o primeiro a dizer para Deus com desdém: “Não sei. Acaso sou guardião do meu irmão?”.
Caim não disse isso para justificar o assassinato de seu irmão Abel, mas sim para justificar sua falta de interesse pelo bem-estar do seu irmão. “Eu cuido dos meus interesses, e ele que cuide dos seus”. E qual foi a punição de Caim por isso? Por não se importar? Caim foi condenado a vagar sozinho pela face da terra, sem nenhum lugar que pudesse chamar de: "este é o meu lar". Sem nenhuma comunidade de pessoas que pudesse dizer: “estes são meus irmãos”. Caim foi condenado a caminhar na escuridão, isolado do mundo. Porque quem não se importa, quem é estúpido, quem é rebelde e ingrato e faz os outros sofrer com as suas injustiças, caminha na escuridão.
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Pr. Battista Soarez
 



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