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sábado, 29 de maio de 2021

ENTREVISTA: DR. JOMAR CÂMARA — Subprocurador-geral do Estado do Maranhão

 

ENTREVISTA: DR. JOMAR CÂMARA

“Faltam planejamento e gestão”

Subprocurador-geral do Maranhão fala das ações da Procuradoria Geral do Estado e diz qual deve ser o caminho do desenvolvimento

  

Por Battista Soarez
(De São Luís MA)

 



Depois de 35 anos de carreira defendendo ações de interesse do Estado, o subprocurador-geral do Maranhão, Dr. Jomar Câmara, 62 anos, soma experiência suficiente para apontar o que deve ser feito para que o Estado, tido como o mais pobre do Brasil, entre no cenário do desenvolvimento e mude essa imagem perante o país. “O que está faltando é simplesmente planejamento e gestão”, ressalta ele, indicando que tudo deve começar com a elaboração de um plano com diretrizes que orientem os gestores públicos sobre o que fazer com tanta riqueza que se tem em todas as regiões do Estado. Câmara explica que muita coisa deve ser ajustada no Maranhão, inclusive com relação à política fundiária e aos municípios que estão inadimplentes por falta de prestação de contas dos recursos oriundos de convênios que lhes são repassados. Nesta entrevista, concedida na sua casa em São Luís onde mora com a família, ele diz, ainda, que não acredita que no Brasil exista ideologia comunista ou marxista. O que existe, segundo explica, são interesses pessoais, apoiados em pensamentos políticos antagônicos, de esquerda ou direita, que nunca se entendem em prol de um projeto social coletivo, que beneficie a todos igualitariamente. Segue a entrevista.

LEITURA LIVRE — Qual é, de fato, o papel da Procuradoria Geral do Estado? O que faz um procurador?

JOMAR CÂMARA — A Procuradoria Geral é um ente maior. É a instituição constitucional que representa o próprio Estado. Porque é isso que está no texto da Constituição Federal. Cada estado da federação tem que organizar as suas procuradorias gerais. Por que? Porque são elas que cuidam do próprio Estado, que é um ente de direito público interno. Por que direito público? Porque a estrutura organizacional, dentro do organismo ou do universo jurídico, existe para cuidar da “coisa” pública. Nessa estrutura, vamos encontrar a figura dos procuradores, que são pessoas formadas em direito, devidamente habilitadas para participar de um certame em concurso público e, uma vez aprovadas, mediante também títulos e notas, são ingressas no serviço público, com nomeação, dentro dos critérios que norteiam os princípios da administração pública que estão inseridos no artigo 37 da Constituição Federal/88, bem como na Constituição Estadual. Cada estado, claro, tem a sua própria constituição. Então, somos operários do direito que patrocinamos a defesa do Estado.

L. LIVRE — Se a Procuradoria representa o próprio Estado, basicamente quais as matérias de que ela cuida?

JC — Antes de tudo, é importante dizer que os procuradores são os representantes judiciais e extrajudiciais do Estado. Mas, também, deve-se esclarecer que os procuradores não têm o poder de transigir e firmar acordos, porque isso é matéria governamental, do chefe do executivo. Todavia, em defesa do Estado, nós podemos patrocinar todos os atos inerentes aos interesses e direitos do próprio Estado, indo até aos interesses da dívida pública. Nós, portanto, defendemos o Estado na esfera penal, na esfera judicial, propriamente dita, em quaisquer ações. Ofertamos pareceres e defesas até nas ações de usucapião, na matéria trabalhista, na matéria tributária (que é a fiscal), no contencioso fiscal, na administrativa, judicial, documentação, na defesa do patrimônio e do meio-ambiente. Só que todas essas questões têm uma infinidade de ações de interesse do cidadão e do Estado em todas as matérias do Direito nas quais se defende e se ajuíza ações, passando, inclusive, por mandados de segurança.


L. LIVRE — Como assim?

JC — Todas as ações que, enfim, são digitadas ou nomenclaturadas no Código de Processo Civil (CPC) nós temos o direito de, uma vez o Estado sendo acionado, patrocinar a defesa do próprio Estado. Agora, em cada Procuradoria, há determinada competência. Porque a Procuradoria Geral é dividida por procuradorias especializadas. A minha, por exemplo, é de patrimônio e meio-ambiente. Logo, as matérias relativas a patrimônio e meio-ambiente do Estado, como um todo, vão para o meu setor. A procuradoria fiscal, por sua vez, trata das questões fiscais. A trabalhista trata das questões trabalhistas e, assim, sucessivamente.

L. LIVRE — Isso significa que a Procuradoria advoga em causas de interesse público que pode beneficiar toda a população?

JC — Esse é o mister da Procuradoria. É defender o Estado em benefício do próprio Estado. Como dito anteriormente, na esfera judicial, na extrajudicial e no assessoramento. Para que? Para que a população do Estado do Maranhão tenha, a rigor, melhores condições de vida, seguindo os padrões norteados pela Constituição Federal de 1988, que é uma constituição cidadã. Em regra, essa estrutura organizacional está definida no artigo 3º da lei que organiza a Procuradoria, que é a Lei Complementar 020/94. E a atuação de cada procurador é especificada no artigo 10 dessa mesma lei.

L. LIVRE — Então, nessa relação, o senhor, como subprocurador do Estado, tem muita dor de cabeça com os municípios?

JC — Demais (risos...). Porque existe uma coisa, na administração pública, chamada CEI (Cadastro Estadual de Inadimplentes). Ou seja, praticamente, todos os municípios do Estado do Maranhão estão inadimplentes por falta de prestação de contas relacionada aos recursos dos convênios que lhes são repassados, voluntariamente, isto é, recursos públicos, depois de celebrados esses ditos convênios. Resultado: sempre eles dizem que não é deles a obrigação de pagar, atribuindo a omissão sempre a um ex-gestor.

L. LIVRE — E aí...? Fica por isso mesmo?

JC — De fato, eles nos dão muito trabalho. Mas, desde 2017, o atual governador, Flávio Dino, por orientação da Procuradoria Geral do Estado, emitiu um Parecer Normativo em que não é preciso que os prefeitos — uma vez os municípios estando inadimplentes nas áreas prioritárias básicas para a vida humana, como saúde, assistência social, educação — possam celebrar convênio sem que seus municípios estejam regularmente..., o seja, que o seu município não esteja inscrito no Cadastro Estadual de Inadimplentes. Isto é, no meu setor. Eu costumo dizer que se a gestão da administração pública do Maranhão, independente de quem seja o governador, fosse mais eficaz, o estado arrecadaria, das dívidas dos municípios, um volume de dinheiro muito grande que poderia somar no sentindo de ser reinvestido em políticas públicas. Asfalto, estradas vicinais, escolas, posto de saúde, unidade mista para os municípios (principalmente para a população da zona rural que tem uma carência muito grande nessa área), contratação de pessoal e uma série de outros fatores. Essa é a minha opinião. Porém, na verdade, o que a gente vê é a omissão dos gestores quanto à prestação de contas em qualquer época da vida pública no Estado.

L. LIVRE — Nesse caso, o que pode ser feito?

JC — É meio difícil. Porque têm as ações competentes para serem ajuizadas contra os municípios. Vejamos: por falta de não pagamento de precatório ao Estado, tem uma ação específica que os procuradores podem promover. Eu, de vez em quando, lanço a mão nesse instituto jurídico e promovo ação em face dos prefeitos devedores no Tribunal de Justiça, que resulta em intervenção. Nos casos de não prestação de conta, de convênio recebido junto ao Estado, uma vez o Estado informado através de suas secretarias, a procuradoria pode acionar o município e cobrar essa dívida. Pode ser cobrada, também, até junto a determinado órgão de classe como, por exemplo, uma associação de moradores, de uma comunidade “X”, de qualquer povoado, que recebeu determinado recurso, digamos, para fazer um poço, e o presidente dessa associação não prestou conta do dinheiro recebido. Uma vez sendo-nos informado, nós vamos adotar, junto à autoridade judiciária competente, a ação para que o Estado seja ressarcido. Também tem o Ministério Público, em seu favor, os institutos da ação civil pública e da improbidade administrativa contra esses gestores. E o procurador, se entender que deva representar contra qualquer mau gestor, pode assim o fazer.

L. LIVRE — Como o senhor vê as relações políticas no Maranhão, nos últimos anos, com um governo neoliberal no âmbito federal e a gestão Flávio Dino, que tem um viés ideológico de esquerda, costurando sempre uma política de tendência socialista? Isso não tem atrapalhado, de certa forma, o desenvolvimento do Estado?

JC — Na verdade, eu não acredito, segundo o que é de fato o marxismo, que exista no Maranhão ou no Brasil alguém que se diga eminentemente marxista ou comunista. Não acredito. O que eu acredito é que haja grupos ou pessoas que defendem interesses pessoais ou particulares em detrimento de uma determinada linha de pensamento. Então, com isso, trazendo esse comparativo para a estrutura do Estado, enquanto ente federado, o que ocorre, segundo minha visão? Ocorre que o Maranhão, ao longo dos anos, foi pautado a defender uma bandeira. Mais recentemente, por oito ou mais anos, se pautou a defender outra bandeira, dizendo-se tendenciosa, segundo a mídia, a ser de esquerda. Mas será que existe mesmo essa bandeira de esquerda a ser defendida? Eu, particularmente, não acredito nisso. Nesse viés, contextualizando a história política do Maranhão, e trazendo isso para a realidade social e política de hoje, nós vamos encontrar um Estado em que a sua economia, se sofreu alguma modificação, algum superávit, não significa dizer que retornou esse superávit em capital de giro para ser resguardado à sociedade como um todo.

L. LIVRE — Por que?

JC  Porque, se assim o fosse, não estaríamos enfrentando o problema da pandemia da maneira como estamos enfrentando. Não estaríamos enfrentando o problema da educação como estamos enfrentando. Não estaríamos enfrentando o problema da segurança como estamos enfrentando. O da educação como estamos enfrentando. Assim, o que é fazer política neoliberal?  É isso que se apresenta no presente? Não sou economista de formação. Mas, como sou formado em Direito e procurador do Estado, tenho a obrigação de, pelo menos, aprender o que é política, o que é administração pública e o que é economia. Diante de tudo isto, somos obrigados a conceber a ideia de que a política econômica, adotada hoje em nosso Estado, é nociva ao povo maranhense. Logo, não se vislumbra nada de desenvolvimento.

L. LIVRE — Subprocurador, o Maranhão é um Estado muito rico. Por que? Porque é um Estado que tem muita água, muita terra, muito minério e uma biodiversidade invejável. Por que, com tudo isso, ainda é visto como o Estado mais pobre da federação? Na sua visão, como um homem que faz parte da estrutura do Estado, o que realmente está faltando para que a gente encontre o caminho do desenvolvimento?

JC — Na verdade, ele não é visto como o Estado mais pobre. Ele é o mais pobre. E isso por falta de política pública governamental. Falta de gestão. Quando eu falo de política pública, não é querendo buscar dinheiro. Não. Não é isso. Eu falo de gestão pública voltada a direcionar um plano diretor. Plano esse que estabeleça diretrizes em que o maranhense e aqueles que vêm buscar recursos, ou celebrar convênios, ou efetuar trabalhos, ou residir aqui, ou seja, que venha fazer aquele feedback na economia — sendo empresa multinacional ou estadual, ou privada, não importa, fomentando a economia — possam se sentir valorizados e ter fruto ao final de cada período, sem esquecer de que o Estado tributa tudo aquilo que lhe é permitido através de lei. Por conseguinte, na minha concepção, a falta de uma política estruturada e de um planejamento técnico abalizado, em todas as questões públicas, é o nosso maior problema.

L. LIVRE — Como seria feito isso, então? Falta que tipo de iniciativa?

JC — Para se ter uma ideia, o Maranhão, se fosse dividido por regiões, como já o é geograficamente, mas se fosse dividido por no mínimo cinco regiões, saindo dos Cocais à Baixada, ou da região Tocantina ou à região Metropolitana, você encontra muita riqueza, inclusive em termos de biodiversidade, como você falou. Só que essa riqueza você não sente ou não percebe. Porque não há um fomento. Só que, se você andar o Maranhão de ponta a ponta, como eu já andei e ando, o que que ocorre? Ocorre que, se você chegar na região de Maracaçumé a Godofredo Viana, você encontra ali muito ouro. Para onde vai essa riqueza? Para grupo de pessoas? Ou para uma pessoa específica? Será que as empresas que operam extraindo ouro por aquela região estão trazendo algum retorno para o Maranhão? Como está ocorrendo essa relação? Você tem ideia?

L. LIVRE — Entendi. Mas...

JC — Será que isso está trazendo algum retorno para a fazenda pública estadual, que tem uma conta específica, a conta do tesouro? Por certo não. E mais: será que os órgãos públicos estaduais e federais habilitam (fornecendo legalmente as licenças) para pessoas ou empresas extraírem essa riqueza mineral? E fazer com que essa riqueza volte legalizada para os cofres públicos, ou seja, tributada? Se você for mais adiante, na região de Carutapera, você encontrará riqueza e, por lá, você acha também a empresa Aurizona explorando nossas riquezas. Isso vem acontecendo há décadas. Indo por dentro de Turiaçu, você vai sair em Cândido Mendes. Aquela região toda é aurífera. Por que não se faz um plano diretor para explorar e se comercializar esse minério, gerando riqueza para o povo do próprio Estado, garantindo a vida sadia do meio-ambiente, sem aquela sequela de impacto ambiental como aconteceu em Brumadinho e em outras localidades do país? Outra coisa: por que a ponte que liga São Luís aos municípios da baixada e litoral maranhense, em Bequimão, não saiu? O que que está faltando? Será que é preciso o governo federal vir e fazer como fez no rio São Francisco?

L. LIVRE — São questões bastante pertinentes. O que fazer? Por onde começar? Quem dará o pontapé inicial?

JC — Pois é. Você mitiga tudo isso e vê que está faltando interesse público. Porque, se não há interesse, o cidadão vai ficar sempre à mingua, dependendo de migalhas, porque não há desenvolvimento. Se não mudar isso, o pobre vai sempre continuar pobre e sem escola. O empresário vai ser sempre o privilegiado da vez. O agronegócio sempre vai atender a um grupo minoritário. E o meio-ambiente sempre será afetado, quer na baixada, quer no sul do Maranhão. Porque o instituto que trata da questão da terra no Maranhão, o ITERMA, não tem o poder de assegurar a legitimação do próprio território. O que que ocorre? Ocorre que, se você chegar em Tarso Fragoso, que é sul do Maranhão, você vai encontrar uma gleba muito grande, que é Data Babilônia, na Serra do Penitente. Ali já fizeram grilagem, sob argumento de prática de agronegócio. Até aqui na região metropolitana existe grilagem urbana. Tudo isso sempre nos dando muito trabalho. Então, a situação é mais complexa do que imaginamos.

L. LIVRE — Parece estar claro, na sua fala, que o senhor acredita que está faltando investidores sérios. Que pensem no desenvolvimento de todo o estado e não apenas nos seus interesses particulares. Estou certo?

JC — Falta para o Maranhão uma política fundiária adequada. E dentro dessa política fundiária, falta uma política de gestão. Olha a região onde se encontra o município de Santo Antônio dos Lopes. Ali, hoje, é possível trabalhar um desenvolvimento local que pode beneficiar toda a população dos municípios do entorno. Contudo, não vemos trabalho e desenvolvimento nos municípios da região, mesmo sabendo que eles recebem royalties pela produção de gás natural que existe por lá. Existe, ainda, o consórcio intermunicipal e intermodal, composto por 25 municípios ao corredor da Vale S.A., constando aqui o de São Luís. Eu pontuo aqui, também, São Pedro dos Crentes, onde foi descoberta uma reserva muito grande que pode ser explorada. E aí? Não está faltando uma política de gestão para tudo isso? Só que, para trabalhar essas questões, você tem que envolver na discussão o governo federal e municipal, passando pelo estadual. Tem que ser legitimado e não contrariar o direito de posse ou o de propriedade extraídos do direito à terra previsto no Código Civil e na Constituição Federal, uma vez que se tem o Estatuto da Terra. Quer dizer, além da Constituição Federal, tem uma lei infraconstitucional chamada Estatuto da Terra.

L. LIVRE — Na prática, isso quer dizer o que?

JC — Que é necessário que haja uma política voltada para assegurar o potencial de reserva que nós temos. Porque só esse potencial nos assegura melhores condições de vida. Para isso, temos que ter uma visão profunda, técnica, científica, para extrair e arrecadar. E aí, sim, o Maranhão passaria a ser desenvolvido como foi, na época colonial, um dos primeiros estados da federação.

L. LIVRE — O senhor falou, ainda há pouco, de consórcio intermunicipal e intermodal. Qual o retorno disso para o Maranhão?

JC — Para ser honesto, nenhum maranhense vê. Porque diz que tem como princípio proporcionar desenvolvimento e indenização para todos os municípios. Sou procurador há 35 anos, hoje já sou subprocurador-geral, em vias de me aposentar, e nunca vi, durante a existência desse consórcio, nenhum retorno. Para onde vai a riqueza explorada, ou por explorar, ou transportada pela Vale S.A.? O que os municípios do corredor da Vale recebem pelo Consórcio Intermodal? A menos que alguém da fazenda pública do estado mande uma planilha informando a Procuradoria, especificamente para o meu setor, já que se trata de patrimônio, nada se sabe. Então, é inócuo. Não há uma rentabilidade para o Estado. Por que que o Ministério Público não investiga e não procura saber? Tem que ser provocado? Não. Não precisa ser provocado. Quem precisa ser provocado é o magistrado, que não pode agir de ofício. Mas o Ministério Público não precisa, porque se trata de ação pública. Há muita riqueza explorada e nada para o Maranhão. A rigor, temos os mais diversos crimes contra o meio ambiente, continuadamente praticados, a começar pela região do Itaqui, na qual não se pode mais respirar ar puro, por conta da poeira dos minérios, sem falar na falta de arrecadação sobre bens e serviços etc. E mais: têm crimes por parte das diversas empresas, dos navios que ancoram para o transporte de cargas que sequer tratam a água do lastro. Tudo isso pode gerar tributação. Mas o governo brasileiro é muito maleável com as coisas. Tudo, por aqui, é muito fácil.

L. LIVRE — No início desta entrevista, o senhor disse que o procurador do Estado, de meio-ambiente e patrimônio, oficia nas ações de usucapião. Por que?

JC — Vamos por parte. A ação de usucapião é uma ação prevista no Código de Processo Civil. Para que serve? Serve para que alguém que detém uma certa posse, desde que seja pequena, e aí tem o tamanho especificado na lei, ele vai a juízo e diz, através de advogado devidamente constituído, que ocupa uma posse de uma área “X”, mansa e pacificamente, e com caráter ininterrupto, com animus domini, por determinada quantidade de anos. Feito isso, ele junta um memorial descritivo da área, planta da situação do imóvel e os documentos indispensáveis para requerer e promover a ação. Sendo casado, certidão de casamento, identidade, CPF e, enfim, os documentos pessoais, certidão negativa de débito, cadeia dominial ou certidão centenária. Recebida essa ação no Fórum onde é proposta, o juiz dá um despacho e manda oficiar a fazenda pública estadual, a federal e a municipal, para saber se aquela área é do município, do estado ou da União. Com isso, esses três entes públicos de direito interno têm que ser oficiados no processo.

L. LIVRE — E depois disso?

JC — Tem que dizer se tem ou não interesse e motivo no qual reside o interesse. Existe a usucapião ordinária, a extraordinária, a urbana, a rural, a tabular e, enfim, uma série de nomes que se podem dar, dependendo da situação da área onde ela esteja encravada, e do ano de posse. E hoje, com a reforma processual, você pode ir direto ao Tabelionato de Notas — os Cartórios de Serventia Extrajudicial — e de posse daqueles documentos mencionados, em vez de ser resolvido na justiça, o Registrador Tabelião envia para a Procuradoria. E a Procuradoria emite um parecer dizendo se tem ou não interesse. Existem alguns casos em que o procurador formula uma diligência ao INTERMA e este nos condiciona sobre o teor daquela área. Aí o procurador informa para o juiz se o Estado tem ou não interesse. Porque tem que saber se aquela questão é propriedade pública ou privada, ou se é terra devoluta. O Maranhão é um Estado que tem um grande índice de ações de usucapião. Mas tudo isso acontece por falta de uma política fundiária adequada para assegurar a detenção da posse. Porque ninguém pode deter a propriedade por via clandestina, violenta, precária e indireta. Seguimos sempre a Constituição Federal que reza que todo cidadão tem direito à vida, à liberdade e à propriedade. Isso quer dizer que mesmo a pessoa menos favorecida tem direito à moradia.

L. LIVRE — Nesse caso, o que está faltando para que haja diálogo entre os três entes? A SPU/MA, por parte do governo federal, o município e o executivo estadual para resolver essas demandas? Como em São Luís, por exemplo?

JC — Tendo participado de audiências, defendendo os interesses do Estado, na justiça federal e na justiça comum, na Vara de Interesses Difusos e Coletivos, em São Luís, nos últimos dois anos, vejo que sempre se fez presente o Superintendente do Patrimônio da União (SPU/MA), Coronel Monteiro. E o que eu tenho notado e sempre fiquei satisfeito, é que ele chega nas audiências é para resolver. E é difícil você encontrar isso em um homem público, que chega com a vontade de querer resolver. Eu vejo isso no Coronel Monteiro e fico analisando isso como algo bom para o Estado do Maranhão. Vou mencionar um caso bem específico: o da Chácara Itapiracó, que é uma emblemacia muito grande, bem ali no Turú. O Coronel Monteiro chegou para resolver. Quanto ao atual prefeito, Eduardo Braide, está muito recente. Vamos esperar um pouco mais de tempo para ver até que ponto ele vai se preocupar com essa questão. Com relação ao executivo estadual, eu, como procurador, tenho o direito e a obrigação de defender o Estado em tudo o que ele for chamado. Mas, em 35 anos como procurador, repito, não vejo uma política fundiária voltada a assegurar a legitimação da terra. Então, falta interesse de dois entes aí na situação, que é o ente municipal e o ente estadual. Para que, unidos ao ente federal, possamos dirimir essas questões e resolver a problemática institucional que nos assola, como essa da posse e da propriedade. Só com a união e a força desses três entes poderemos sanar os problemas fundiários existentes na Ilha de São Luís, Raposa, Paço do Lumiar e São José de Ribamar, municípios metropolitanos. Eu espero que o governador possa unir forças, juntamente ao chefe da SPU/MA, e resolva as questões basilares que estamos tentando equacionar há anos, relativas ao sistema fundiário do nosso querido Estado do Maranhão.

– Fim –

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