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domingo, 1 de outubro de 2023

Opinião | MARCO TEMPORAL PARA DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS | Por Battista Soarez | Coluna Leitura Livre | Jornal Itaqui-Bacanga


C O L U N A
LEITURA LIVRE
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Por Battista Soarez 
(Jornalista, escritor e professor universitário)
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MARCO TEMPORAL PARA DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS
A disputa dos homens pela terra. Mas a terra não pertence aos homens. Os homens é que pertencem à terra.

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HOJE, 27 DE SETEMBRO, assisti à aprovação do Marco Temporal para Demarcação de Terras Indígenas, no Senado Federal. Foi um debate muito grande entre esquerda e direita, entre situação e oposição. A senadora Eliziane Gama, ensaiada por Flávio Dino e motivada por interesses que só ela e Deus sabem, fez um discurso raso, repetitivo, com frases mal construídas e com um certo atrevimento em se meter a dizer que a matéria do projeto de lei do Marco Temporal é, nas suas palavras, anticonstitucional. Poucos senadores foram maduros e imparciais nos seus discursos.

P U B L I C I D A D E
Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão 

Face a isto, vou tecer, neste artigo, um comentário colaborativo, na tentativa de refletir sobre a questão indígena como política de interesse natural da vida. Para o indígena mesoamericano, por exemplo, a terra não nos pertence. Pelo contrário, nós é que pertencemos à terra. Nós, seres viventes, vivemos por causa dela, dependemos dela, terminamos nela e seremos absorvidos por ela.

Todos os seres vivos são produtos da terra e dela dependem para sua sobrevivência. Por isso, a terra não pode ser vendida sob hipótese alguma. No entanto, os habitantes da terra brigam por espaços que não lhes pertencem. E, enquanto se degladeiam, esquecem de semear o bem da vida em prol da justiça contemplativa que abraça universalmente a todos os habitantes do planeta. Na política, situação e oposição se inflamam, cada um defendendo os interesses do seu grupo político.

P U B L I C I D A D E
Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão

Os índios têm absoluta convicção de que são eles que pertencem à terra e que, portanto, dela dependem. Aliás, para os indígenas, a utopia da terra-mãe é Xochitlalpan, isto é, a terra da flor, que é a verdadeira terra, ou seja, o lugar da sabedoria, da beleza, da harmonia. Por outro lado, os índios têm certeza, em meio a tantas incertezas, de que a terra é Tonacatlalpan, isto é, a terra de nossa carne e de nosso sustento. Um lugar de abundância. Um lugar do bem-estar, do direito à vida para todos os filhos da terra.

Ouvindo os debates acalorados dos políticos sobre o Marco Temporal ---- cada senador dizendo o que seu partido político mandou dizer ---- fiquei imaginando que, enquanto brigamos por demarcação de terra, deveríamos estar buscando construir esta utopia a partir do aqui e do agora. Fiquei pensando, também, que os políticos e a política deveriam estar a serviço da natureza, compreendida por seres humanos, por animais e vegetais, respeitando os fenômenos da obra da criação. Respeitando, acima de tudo, o Deus Criador, que formou uma única "comunidade-mundo", que, infelizmente, se dividiu completamente. Os índios, em algumas regiões do continente sul-americano, clamam por esta utopia de "terra sem males".

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Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão

Fui informado de que, entre os zapatecas do Istmo de Tehuantepec, quando alguém chega a uma festa e deposita sua oferta na mesa do mordomo ou dono da casa, ele lhe dá um cigarro e um copinho de aguardente. Então, as demais pessoas presentes no ambiente gritam: "parente!". Algo semelhante é feito entre os amazônicos. Quando recebem um visitante, chamam-no de "parente".

É preciso que os políticos brasileiros se eduquem. Que deixem de ser animalescos. Precisariam observar que, na cosmovisão mesoamericana, todo ser humano tem um irmão ou uma irmã dentro da natureza que compartilha com ele a mesma vida e o mesmo destino. É nosso nagual, por assim dizer. Se algo acontece com esse nagual, o mesmo acontece conosco. E se algo acontece conosco, o mesmo acontece com esse nagual.

P U B L I C I D A D E
Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão

Essa mesma mentalidade ecológica os políticos deveriam ter. Porque é essa mentalidade que nos leva a respeitar e a viver em harmonia com toda a natureza, da qual fazemos parte, não sendo superiores e nem melhores que qualquer outro habitante da terra. Os índios, enfim, têm os mesmos direitos que os outros seres humanos. Perante a natureza e o universo, eles não são inferiores a nós, homens brancos. E nós em nada somos melhores que eles.

Que o Marco Temporal, finalmente, coloque a justiça jusnaturalista acima do determinismo egoístico dos homens e dê de volva aos índios o seu direito natural. E que os políticos possam entender que todos nós estamos no mesmo universo, fazendo parte de toda a criação. Os índios são ligados à natureza e sempre estiveram no caminho do genuíno respeito à natureza. Para os índios, toda a criação pertence à terra. Por isso, todos os seus habitantes têm direito integral ao grande espaço natural para sua sobrevivência. Ninguém é dono da terra. Tudo o que ela produz é para absoluta e exclusiva sobrevivência da criação, isto é, dos seus habitantes.

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Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão


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