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quarta-feira, 21 de abril de 2021

TURIAÇÚ-MA: CEL. MONTEIRO (SPU-MA) DISTRIBUI KITS DE HIGIÊNICOS PARA QUILOMBOLAS

E X C L U S I V O

Comunidade quilombola de Campo Grande recebe ação solidária da SPU/MA

Depois de distribuir cestas básicas em Serrano, o superintendente Coronel Monteiro contempla sessenta famílias com kits de higiênicos em zona rural de Turiaçú.

 

Por BATTISTA SOAREZ
(De Turiaçú-MA)
Série: Reportagem especial
Fotos: Battista Soarez

 

 

Comunidade quilombola Campo Grande, Turiaçu-MA, recebe kits de higiênicos

A comunidade quilombola Campo Grande — cravada na zona rural de Turiaçú e distada 69 quilômetros da sede do município, a 230 km da capital maranhense — recebeu 60 kits de higiênicos numa ação solidária que ocorreu nos dias 17 e 18 de abril deste ano de 2021. A ação foi mais uma iniciativa do Coronel Monteiro, superintendente do Patrimônio da União (SPU/MA). “Nossa visão é social. É de levar desenvolvimento às comunidades menos assistidas no interior do Maranhão, por meio de políticas públicas para geração de ocupação e renda. Essas comunidades têm muito potencial e precisamos trabalhar a partir daí para levar desenvolvimento a elas”, ventila o coronel Monteiro, numa demonstração de vontade de fazer o melhor pelas comunidades do interior do estado.

Cel. Monteiro distribui kits de higiênicos para quilombolas.

O Leitura Livre esteve no quilombo Campo Grande acompanhando a ação solidária feita pela equipe enviada pelo superintendente da SPU/MA. Durante a ação, foram entregues sessenta kits de higiênicos para os moradores da localidade, beneficiando as sessenta famílias do quilombo que representam, aproximadamente, trezentos moradores que disseram se sentir agradecidos. “O sentimento que eu tenho, e com certeza a minha comunidade também, é de gratidão. Porque, infelizmente, nós somos esquecidos. E quando a gente encontra alguém que tem esse sentimento de empatia para conosco, a gente fica surpreendida e até sem palavras”, diz Apolonia Roseane Costa Roxo, de 35 anos. Ela faz parte da comissão de mobilização social do movimento quilombola da região e diz que deseja conhecer o Coronel Monteiro pessoalmente porque percebe que ele não fica só nas palavras. “A gente vê que ele faz, diferente dos políticos que vêm aqui com dinheiro somente para comprar votos”, conclui.

Apolonia Roxo: "Senso de gratidão".
Em uma conversa com a nossa reportagem, Coronel Monteiro enfatizou que o motivo de sua sensibilização para com as comunidades quilombolas dá-se “pelo fato de este ser um povo ainda pouco contemplado pelas políticas públicas e sociais dos governos”, diz ele. Aos 72 anos de idade, e com longa experiência como militar e gestor de vários órgãos públicos, Monteiro entende que essas comunidades devem ser olhadas com especial atenção porque, apesar de pobres, são pessoas de grandes habilidades e potenciais.

Por telefone, em viva voz, Coronel Monteiro disse para um grupo da comissão de mobilização social — que estava reunido ao ar livre, debaixo das árvores, discutindo sobre políticas públicas para quilombolas — o seguinte: “Vamos, juntos, mudar o Maranhão. Vocês, quilombolas, têm um potencial muito grande. No entanto, vocês são muito esquecidos. Vamos mudar isso”.

O coronel explica, ainda, que os kits de higiênicos foi um esforço feito para que houvesse uma melhor prevenção com relação ao coronavírus. “Nós queríamos estar fazendo muito mais. Todavia, a situação econômica do momento não está permitindo”, justifica ele, acrescentando que os comunitários podem contar com o seu apoio “para fazer aquela transformação” que todos merecem e querem fazer, inclusive com apoio do presidente Bolsonaro.

 

“Acreditamos na parceria com a SPU-MA”

Cercada de água, floresta, terra produtiva e muito pasto, a comunidade de Campo Grande está otimista. Apolônia Roseane Costa Roxo, 35 anos, Willian Silva, 40 anos, e Carlos Roxo, 70 anos, disseram estar muito animados com a parceria que está nascendo entre a Superintendência do Patrimônio da União no Maranhão e as comunidades sociais. “Vejo a parceria da SPU com as comunidades uma coisa muito boa, porque estamos falando uma linguagem diferente da dos políticos viciados em enganar. É uma parceria que visa o desenvolvimento e não medidas paliativas. Isto nos alegra”, disse Willian Silva, lembrando o fato de que muitos políticos chegam a eles somente em épocas de eleição com promessas que, depois de eleitos, nunca cumprem. “Isso tem que mudar. Aqui, por exemplo, somos seis localidades na região. Os políticos aparecem por aqui mentindo, pegando nossas coisas e levando. E fica por isso mesmo. Nada muda”, reclama ele.

Willian Silva acredita em parceria com SPU.

Willian denuncia, por exemplo, que as casas iniciadas com recursos de projetos federais nunca foram concluídas, restando somente as paredes de tijolo e nada mais. “As casas, como você pode ver, até hoje estão assim. Nada mais foi feito. A gente sabe que o dinheiro veio mas, no fim das contas, foi todo desviado”, lamenta ele, destacando que uma política de parceria para gerar desenvolvimento, como vem propondo o Coronel Monteiro, combina com o potencial da localidade. “Acredito que, com essa parceria, vamos ter suporte técnico que vai somar com a força dos nossos próprios braços para termos mais qualidade tanto nos serviços, quanto na produção gerada aqui na nossa própria terra. Com isso, acho que vamos desenvolver muito rápido”, argumenta.

Professor e integrante da comissão de mobilização social, Willian explica que os moradores vivem numa terra muito boa para qualquer tipo de produção agrícola. “Temos muita terra, muita água, um clima excelente, muita saúde e disposição para trabalhar e crescer”, assevera ele, pontuando algumas necessidades existentes e diz que espera que sejam supridas a partir da parceria entre a SPU e as comunidades. “Aqui precisamos, principalmente, de apoio técnico, isto é, de agrônomo ou, pelo menos, de um técnico agrícola. Precisamos de estrada para melhorar o acesso e escoamento da nossa produção. Queremos uma casa de apoio para colocar os produtos gerados para que possam ser distribuídos. Precisamos também de poços artesianos e de máquinas agrícolas como, por exemplo, um trator com os devidos implementos”, especifica ele, observando ainda sobre a necessidade de treinamento sobre relações com o mercado.

Comissão de mobilização social quilombola.

Willian fala, com orgulho, que as terras de Campo Grande têm excelente potencial produtivo para desenvolver várias culturas como a mandioca, o milho, o arroz e, enfim, todo tipo de árvores frutíferas, hortaliças e legumes. “Só precisamos de apoio e condições técnicas para manejo e processamento de produtos e derivados das nossas culturas agrícolas”, esclarece.

Segundo Willian, o trabalho da roça no toco gasta mais do que produz. E foram anos assim. “Agora — diz ele — nós já avançamos um pouco mais daquilo que os nossos pais, no antepassado, nos ensinaram. Hoje já temos motor, que chamamos de ‘catitu’, e que funciona a gasolina. Eu mesmo tenho um. E isso nos proporciona a produzir um pouco mais”, pondera, explicando que, agora, uma roça que, antes, “produzia vinte paneiros de farinha, hoje essa mesma roça dá quarenta ou cinquenta paneiros”, enfatiza. E acrescenta: “Então, com uma máquina que, se Deus quiser, vamos receber, iremos triplicar essa produção”, finaliza.

 

História e cultura

Os moradores de Campo Grande guardam, com muito orgulho, uma história que começa por volta de 1840. O Seu Carlos Roxo tem 70 anos. Conhecido como Carlos “Cigano” — apelido que ganhou devido sua trajetória em sair por vários lugares comprando e vendendo mercadorias ou “negociando”, conforme explica — ele conta que tudo começou com o seu bisavô, André Avelino da Silva, que tinha vindo da África como escravo.

Carlos Roxo orgulha-se da história do lugar.

Ao chegar no Brasil, André Avelino aportou no porto chamado Trajano, em Alcântara, e foi para uma fazenda que tinha num lugar chamado Bitiua. “Depois ele foi transferido dessa fazenda para uma fazenda de outro português, denominada Brito Mutar, num lugarejo chamado São Salvador. Em São Salvador, ele trabalhou de três a quatro anos e, logo depois, ele fugiu e veio para aquele alto que tem ali”, disse Seu Carlos “Cigano”, apontando para a direção de onde o sol vinha nascendo, por trás das árvores, meio embaçado por uma nuvem quase escura com sinais de chuva. O céu estava meio nublado na manhã de 18 de abril, no momento da entrevista.

Nesse pequeno alto, conta Seu Carlos, “André Avelino, meu bisavô, ficou mucambado, escondido, e ali ele passou a chamar de Santarém”. Segundo explica, os amigos de Avelino, que ficaram na fazenda, levavam comida para ele todos os dias. “Eles se comunicavam por meio de tambor, na hora das refeições. Os amigos batiam tambor e, de lá de onde estava, ele escutava e, então, eles iam se encontrar no meio do mato”, explica.

Em 1850, André Avelino da Silva ficou sabendo que alguns portugueses voltaram para Portugal, em razão da lei “Eusébio de Queiroz”, que decretava o fim do tráfico de escravos. Mas o “escravo fugido” Avelino não quis acreditar nas histórias que circulavam pelo país e decidiu continuar escondido em Santarém. Avelino ficou, ainda, quase dois anos como escravo fugido. Seus amigos, entretanto, o convenceram de que a lei “Eusébio de Queiroz” era verdade, passando a visita-lo com mais frequência e sem “esconderijo”.

Carlos mostra mangueira plantada por seu bisavô Avelino em 1850.

Então, com o sentimento de liberdade, Avelino começou a receber os amigos mais livremente e, segundo Seu Carlos “Cigano”, ele foi para a Fazenda Jardim, num lugarejo chamado Pindobal de Fama. “Lá ele conheceu e se tornou amigo de uma jovem por nome Damiana Melo, que também tinha vindo da África como escrava”, explica Seu Carlos.

Ele relata que Avelino e Damiana se apaixonaram e, de amigos, se tornaram namorados. Diante da proposta de se juntarem como marido e mulher, Damiana aceitou ir morar com Avelino no pequeno lugar Santarém. Lá tiveram dois filhos: Olímpia e Armíndio. “Os dois irmãos cresceram, casaram e resolveram não sair daqui. Ficaram morando e trabalhando aqui e tiveram filhos e netos”, conta Seu Carlos. “Olímpia casou com um rapaz e geraram meu pai, André Silva, que casou com Joana Roxo, minha mãe. Todos decidiram permanecer aqui, inclusive eu. Nasci no dia 4 de novembro de 1950. Me criei aqui, casei, tenho filhos e netos e nunca saí daqui. Toda a minha história está plantada neste lugar”, orgulha-se.

Seu Carlos conta que seus pais tiveram 12 filhos. Hoje são apenas oito. Três homens e cinco mulheres.

Ele relata, ainda, que sua bisavó Damiana trouxe para Campo Grande seu irmão Quirino Melo que, sendo mais novo, nasceu no Brasil. Quirino constituiu família e recebeu, do cunhado Avelino, um pedaço de terra na localidade. Gerou filhos e netos. “Hoje — diz Seu Carlos — somos a família Roxo Silva Melo. De Quirino, descende a família Melo, que até hoje mora na mesma localidade, aqui ao lado”.

Imagem que inspirou o nome do lugar, dado por André Avelino, seu fundador, em 1852.

Questionado por nossa reportagem sobre a origem do nome do lugar, Seu Carlos explica que, um certo dia, Avelino se pôs de pé bem no alto de Santarém e ficou olhando para a extensão, contemplando os dois campos que ladeiam o lugarejo. E disse: “Este é um campo grande”. E assim ele batizou o lugar com o nome de “Campo Grande”. Isso foi no mesmo ano em que Avelino se juntou com Damiana, por volta de 1852.

O lugar ficou conhecido. Os fazendeiros tomaram conhecimento de Campo Grande e passaram a procurar Avelino para tomar conta de seus gados. Assim, o fundador do lugarejo tornou-se vaqueiro, criando e cuidando de animais dos fazendeiros da região.

Osvaldo Ferreira Silva, 75 anos.

Aos 70 anos, Seu Carlos tem um sonho. “Meu desejo é ver este lugar desenvolvido, sendo um grande centro de produção agrícola, com casa de apoio, maquinário e estrada boa para podermos escoar nossos produtos e gerar melhores condições de vida para nossos filhos e netos”, conclui.

 Osvaldo Ferreira Silva, 75 anos (foto ao lado), mora exatamente em Santarém, bem ao lado de Campo Grande, onde seu bisavô André Avelino fixou seu esconderijo como escravo fugido até o ano de 1850, quando a lei Eusebio de Queiroz decretou o fim do tráfico de escravos.

Meu bisavô, quando morreu, deixou muita coisa plantada aqui. Pé de jaca, tangerina, mangueiras. Do que ele deixou, só tem duas mangueiras. O resto fui eu quem plantou, diz Osvaldo.

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