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sexta-feira, 10 de junho de 2022

MEMÓRIAS: DISCURSO DE COLAÇÃO DE GRAU (1984) | Dr. Jomar Câmara

Memória jurídica
Do discurso de colação de grau da UFMA em 1984, o que mudou após 36 anos no mundo do Direito?

 

Por Jomar Câmara
(Subprocurador Geral do Estado do Maranhão)

 

Dr. Jomar Câmara, subprocurador geral do Maranhão | Foto: arquivo pessoal.

DISCURSO DE COLAÇÃO DE GRAU
Curso de Direito da UFMA. Ano 1984.
Teatro Arthur Azevedo. São Luís/MA.

ERA O MÊS DE JANEIRO DO ANO DE 1984. Como orador oficial da Turma Kléber José Moreira Filho, da UFMA, então concludente do curso de Direito, em cerimônia realizada no Teatro Arthur Azevedo, eu, hoje Subprocurador Geral do Estado do Maranhão, após saudar autoridades presentes, pais, familiares, alunos concludentes e, em especial, o Paraninfo Profº Nivaldo Guimarães Macieira, expressei inquietações com o mundo, caracterizado por uma multiplicidade de fatores, mas sem esquecer a sociedade brasileira.

Falando das carreiras jurídicas aos 33 (trinta e três) jovens, homens e mulheres, para os quais foi dito que teriam o instrumento prático da linguagem como moeda corrente a partir daquele instante, eis que o direito se inflacionaria e se desvalorizaria à medida em que perdêssemos o lastro da ideia. Pensava nos ensinamentos do maior orador e jurista da história, Cícero, que já na Antiguidade transcrevia “que maior e melhor presente podemos dar à República do que ensinar e educar a juventude a descobrir suas potencialidades?


Foi expressado que se a sociedade não pode igualar os que a natureza criou desiguais, cada um nos limites da sua energia moral, no entanto pode reagir sobre as desigualdades nativas, pela educação, atividade e perseverança, tal a missão do trabalho que laboraríamos daquela data em diante como membros do corpo jurídico brasileiro. Logo da análise da conjuntura social brasileira naquela época foi dito que devíamos pensar como Rui Barbosa, em sua obra “Oração aos Moços” no qual adverte: “ides consagrar à lei, num país onde a lei absolutamente não exprime o consentimento da maioria, onde são as minorias, as oligarquias mais acanhadas, mais impopulares e menos respeitáveis, as que põem, e dispõem, as que mandam e desmandam e tudo a saber; num país onde, verdadeiramente, não há lei, não há moral, política ou juridicamente falando”.

Então, falei nas dificuldades a serem enfrentadas. Pois, no Brasil, a lei se deslegitima, anula-se e se torna inexistente, não só pela bastardia da origem, senão ainda pelos horrores da aplicação. Neste contexto, o ordenamento jurídico brasileiro da ocasião era insuficiente para reordenar o Estado, reclamando assim convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, revogando-se a legislação autoritária como a Lei de Segurança Nacional, tendo o novo ordenamento jurídica concepção de uma “Ordem Jurídica” por uma Constituição outorgada, legítima em um Estado Democrático de Direito.

A questão fundiária, tratada com certa dificuldade, naquele momento era controvertida, ensejando Reforma Agrária adaptada às suas exigências sociais, diluindo o conflito direto entre posseiros, de um lado e grileiros e proprietários de outro, na luta pela posse e propriedade da terra, uma vez que a moderna concepção da propriedade como função social vinha sendo desrespeitada e ignorada em diversos episódios referentes à posse da terra.

Os problemas eram tantos em 1984 que a Crise na Economia mundial e consequente Recessão Econômica no Brasil, exigia, como de fato, ainda, exige modernamente, uma reforma tributária, estruturada nos moldes da real vida social no país, objetivando-se a oferecer a todos mais participação no produto da arrecadação da União. Não cabia naquela época, assim como nesta, simples instituição de tributos, tirando-se diretamente ou indiretamente do contribuinte aquilo que é peculiar à sua existência. Os Estados e Municípios precisam de sustentáculos e mais repasses da receita bruta nacional.  Esse argumento, trouxe ao contexto que o Apóstolo Paulo em suas pregações falava que boa é a lei onde se executa legitimamente” BONA EST LEX, SI QUIS EA LEGITIME UTATUR”- querendo transmitir que- Boa é a lei quando executada com retidão, ou seja, boa será, em havendo no executor a virtude, que no legislador não havia.

Então, era vital reforma do judiciário brasileiro inspirando-se nos reais interesses da justiça, trazendo proposta séria e efetiva independência, política, administrativa e financeira. Sempre falando que era inadmissível o controle do Poder Executivo no processo de escolha, promoção e remuneração de magistrados. De igual forma coloquei que a instituição do Ministério Público, guardião da lei, deve ser liberada de tal subordinação, a fim de bem cumprir sua função constitucional. Que exista a independência entre os poderes da União Federal, conforme estabelecia o artigo 6º da Constituição, vigente, naquele período, mas que essa harmonia não era para tirar autonomia, quer do Judiciário, quer do Legislativo, sobrepondo o Executivo como suporte mestre de ambos. Devíamos excluir do executivo a função de legislar, como fazia esse Poder através de Decretos-Leis, como as Medidas Provisórias de hoje, uma vez agredir o homem democrático, sendo necessário nessa esteira que era urgente um efetivo sistema de assistência judiciária, a descentralização dos tribunais, o controle pelo Judiciário e Ministério Público, dos atos praticados na apuração das infrações penais, vez que, como acontecia, prejudicava a Justiça.


A sociedade humana é o meio em que o direito surge e desenvolve-se. Direito é realidade da vida social e não da natureza física ou do psiquismo da vida dos seres humanos, conforme leciona o Profº Hermes de Lima, na obra Introdução à Ciência do Direito. Por isso, trouxe à baila que deveríamos pensar nos moldes do insigne Advogado Sobral Pinto, o qual assegurava que o profissional do direito deve estar sempre dialogando com a democracia em busca da Democracia e do Estado de Direito. Democracia que para o ex-Presidente Médici é a forma de convivência política, não constituindo categoria lógica, imutável no tempo e no espaço, porém conceito histórico, sujeito às revisões impostas pela conveniência social.

Foi, então, concluída a temática, falando que nossa direção profissional diversificava-se em alguns aspectos sobressalentes como;-A questão do ensino jurídico resultante de pretensa perspectiva democrática, e as limitações do mercado de trabalho, real perspectiva de desvalorização da advocacia, com o rebaixamento de seu padrão cultural e técnico-profissional;-A dependência do Poder Judiciário e a crise na administração da justiça, configurando-se pela morosidade, custo elevado e elitismo, reclamando um esforço conjunto das três profissões forenses; magistratura, ministério público e advocacia, dando-lhes autonomia, mas garantindo ao advogado sua condição de “elemento indispensável à administração da justiça”, como está na lei;-Pesquisar objetivamente as condições do mercado de trabalho das atuais alternativas da profissão e as perspectivas de cada um.

Destarte, não nos desvairíamos em nosso inexperiente entrar no mundo jurídico-profissional: cultivando as relações de poucos amigos, inescrupulosamente escolhidos entre homens que nos pareçam mais graves e estudiosos, buscando os nossos livros que são amigos insuspeitos, verdadeiros e úteis, eis que o futuro grandioso nos esperava, na certeza de que Deus iluminaria nossos espíritos para conhecermos o caminho que devíamos trilhar, nos movendo o coração sempre para o bem. Obrigado!

Passados 36 anos, fica uma pergunta: existem diferenças entre a sociedade jurídica do Brasil daquela época e a de hoje?

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