LEITURA LIVRE — Na primeira parte desta entrevista, o
senhor estava falando que o livro mais recente de sua autoria, que é o livro
“Construído redes de amizade: a
metodologia do evangelismo envolvente”
(Editora PECC, 2021), é uma abordagem que orienta a igreja brasileira para a
prática da visão que foi exposta no livro “A igreja cidadã” (AD Santos
Editora, 2018). E o senhor, então, explicou que os dois livros, juntos, são um
curso completo de evangelismo aplicado ao desenvolvimento integral de igreja.
Como é que funciona tudo isto?
BATTISTA SOAREZ — Sim, verdade.
Desde 1991, quando eu ainda estava trabalhando no banco...
L. LIVRE — Qual era o banco?
B. SOAREZ — ... Banco
América do Sul, que, depois, foi vendido para o Banco Itaú e para o Sudameris (este,
por sua vez, vendido, em 2007, para o Santander). Bem, naquela época, em 1992, tive
a ideia de criar uma proposta de prática evangelística e missionária que, como
você falou, incorporasse ao mesmo tempo espiritualidade e desenvolvimento
integral da igreja. Então, comecei a trabalhar um discurso que desse
visibilidade à ideia de “Igreja corpo de Cristo” e “igreja corpo social”. A
primeira ideia vislumbra o comprometimento espiritual da igreja e a segunda se
relaciona com a prática sócio-humanitária da igreja corpo-espiritual. Aí, nós
temos duas responsabilidades num só corpo: igreja “corpo-espiritual” e igreja
“corpo-social”. Num projeto sério de evangelização e missões, uma coisa não
existe sem a outra. Isto implica em desenvolvimento social, educacional,
econômico, saúde, assistência, atividades de campo e por aí vai. A obra de Deus
não sobrevive só de ler Bíblia, orar, jejuar e pregar. Ela precisa de
organização financeira para sua sobrevivência e funcionalidade.
L. LIVRE — Entendi... Mas, e aí? Quais foram os passos
a partir de 1992 que culminaram com a ideia de igreja cidadã e, enfim, de
metodologia de evangelismo envolvente?
B. SOAREZ — Em 1992 mesmo
comecei a produzir um texto, como falei a você na primeira parte desta
entrevista, sobre “igreja planificada”. A proposta era fazer com que a igreja
de Cristo começasse a fazer e desenvolver projetos sócio-organizacionais para
manutenção do corpo de Cristo enquanto instituição social e comunitária. A vida
comunitária é uma vida cheia de necessidades. Tanto espirituais quanto físicas,
psicológicas e emocionais. Inquietava-me, também, como os crentes se relacionavam
na igreja. Tinha e tem muita falsidade e falta de amor. Vi que a gente prega
uma coisa e vive outra bem diferente. Estudamos o evangelho na Escola Bíblica
Dominical, mas não conseguimos reproduzir, de fato, aquilo que a gente estuda.
Em 1999 publiquei um pequeno livro sobre “igreja planificada” e, logo depois,
em 2000, publiquei pela Editora Hosana, de São Paulo, a obra “Crente,
mas consciente”, a qual tem uma mensagem voltada para a plenitude da fé
e a dignidade humana. E, assim, fui sempre ampliando uma abordagem de
relacionamento entre a igreja consigo mesma e com o mundo. Não o mundo de
natureza atroz. Mas o mundo-sociedade, o mundo de pessoas. Pessoas que precisam
ser resgatadas para o reino de Deus. Em 2005, concluí o livro “A
igreja cidadã”, mas só foi publicado em 2007. O livro “Construindo
redes de amizade”, embora já tivesse sido trabalhado antes, só veio a ser
publicado em 2021.
L. LIVRE — O fato de o senhor morar aqui em São Luís,
longe do centro de produção editorial e comercial, como São Paulo e Rio de
Janeiro, atrapalha sua carreira de pastor e escritor?
B. SOAREZ — Gostei desta
pergunta. Gostei porque ela traz a lume uma discussão necessária e, de fato,
importante para nós que moramos aqui no nordeste. A gente, aqui, tem muita
dificuldade de ser valorizada. Além disso, as autoridades políticas que
administram o nosso sistema de modo geral não estão nem aí para a arte e a
cultura do Maranhão. Não há incentivo para publicação, divulgação e
distribuição literárias. Todavia, nossas ideias são de alto nível. Mas os nossos
governantes não conseguem ver isso. Não conseguem perceber que a comunicação,
por meio da literatura e da arte, é que gera o desenvolvimento de um estado ou
país. A gente escreve livros e, depois, sai por aí praticamente pedindo esmolas
para ver nossas obras publicadas, se quisermos. Quando seria muito fácil
resolver esse problema, se tivéssemos criatividade e boa vontade política.
L. LIVRE — De que maneira?
B. SOAREZ — No Brasil têm
grandes editoras. Só que essas editoras têm receio de investir em autores novos e
terem prejuízo. Porque ninguém conhece um
autor novo. E não conhece porque não houve divulgação desse autor em nível
nacional. E é aí que entraria a parceria com o estado. Bastaria uma conversa da
secretaria de cultura com as grandes editoras, distribuidores e livreiros de
todo o país. E ainda com editoras estrangeiras para tradução da obra para
outras línguas. O estado e o país teriam um retorno hercúleo em matéria de
visibilidade nacional e internacional, o que traria grande desenvolvimento para
o turismo, investimento econômico e valorização da nossa cultura em todos os aspectos.
Isto colocaria o Brasil no topo do desenvolvimento cultural, comunicacional e
outros aspectos. Somos um país rico de tudo. Mas pobre de mentalidade. Não
temos criatividade para saber administrar corretamente o que temos. A arte
literária, no entanto, é um instrumento de peso na cultura de um país, capaz de
influenciar todos os setores da sociedade no âmbito do seu desenvolvimento.
L. LIVRE — Por falar nisso, no primeiro governo de
Flávio Dino, seu nome foi lembrado pelo então secretário de ciência e
tecnologia Bira do Pindaré para assumir a FAPEMA (Fundação de Amparo à Pesquisa
e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão). Por que não deu
certo? O que houve?
B. SOAREZ — O que houve eu
não sei explicar ao certo. A única coisa de que tomei conhecimento foi que a
pessoa encarregada de entregar o meu currículo para Zé Reinaldo Tavares, então
responsável pela juntada de documento, não o entregou. Meu currículo nunca
chegou às mãos dele. Depois essa mesma pessoa, que é meu amigo, me ligou
dizendo que não tinha entregado a minha documentação porque eu iria dirigir um
site do jornal dele. No dia da reunião, eu recebi uma ligação 01h00 da manhã.
Eu até já estava dormindo. Era uma equipe de pessoas reunidas com Zé Reinaldo e
Bira do Pindaré. A pessoa que estava ao telefone me informou de que o Bira havia me indicado pelo fato de ele me conhecer, pois fomos contemporâneos de trabalho em
banco, e também por eu ser escritor e conhecido em nível nacional. Bira teria
dito que meu nome seria bom porque eu tinha condições de promover o nome do
Maranhão nacionalmente. Mas não deu certo.
L. LIVRE — Se tivesse assumido a FAPEMA, o que o
senhor teria feito?
B. SOAREZ — Exatamente o
que o Bira disse. As pesquisas científicas seriam publicadas e divulgadas em
nível de Brasil, em parcerias com grandes editoras e distribuidoras, porque eu
tenho canais lá fora para isso. Faria parcerias estrangeiras e o Maranhão, com
isso, teria grande visibilidade internacional. E aí o estado seria conhecido no
país inteiro e no exterior como grande celeiro de produção científica,
tecnológica e literária. Sem contar as parcerias que eu iria promover com
escolas da educação básica e universidades. Sendo promovido nacional e
internacionalmente, o Maranhão atrairia um público exponencial para o turismo.
Isso geraria ocupação e renda de maneira incomensurável, contribuindo assim
para o desenvolvimento social e econômico do estado.
L. LIVRE — O senhor será candidato em 2022?
B. SOAREZ — Até o momento
estou pré-candidato.
L. LIVRE — Por que “até o momento”? O senhor pretende
desistir da pré-candidatura?
B. SOAREZ — Não é que eu
pretenda desistir. Esta eleição de 2022 está muito complexa. As configurações
não estão muito favoráveis ao alinhamento político para quem, de fato, é de
direita. Nem para a esquerda também. Tudo indica que os futuros candidatos
deverão ter muito dinheiro para viajar, gastar com combustível e, enfim, ter
fôlego financeiro para fazer o necessário. O básico. Tudo está muito caro.
Inclusive o combustível. Eu não tenho recursos. Tudo o que tenho é discurso
político, amizade, inteligência e vontade política. Isso significa que parcerias
serão necessárias. E é isso. Eu dependo de parcerias. Além do mais, eu esperava
que a direita se unisse num só projeto. Mas cada um foi paro o seu próprio lado,
em busca de seus próprios interesses e de seus aliados, e, agora, tudo ficou
meio bagunçado. A igreja evangélica, nessa configuração que aí está, ficou numa
situação difícil. E todo mundo sabe que a igreja define qualquer eleição.
Qualquer candidato que for para a esquerda perderá os votos da igreja. Tá
arriscado a direita perder no Maranhão por falta de organização e unidade
política.
L. LIVRE — O fato de o senhor ser conhecido como
escritor, jornalista e pastor ajuda?
B. SOAREZ — Em parte
ajuda. E em parte atrapalha.
L. LIVRE — Por que?
B. SOAREZ — Ajuda porque
o público que me conhece como, por exemplo, alunos e leitores, sabe do meu
caráter e do meu pensamento ético, social e político. E atrapalha porque o fato
de ser conhecido atrai invejosos, aproveitadores e falsos amigos. E também
inimigos, inclusive entre lideranças como, por exemplo, pastores. E esses sujeitos
falam mal de você só por inveja. Só para não ver o teu sucesso. E pior: eles
não falam na tua cara, nem publicamente, para você não ter a chance de se
defender. Eles falam mal de você, mancham a tua imagem e ainda pedem segredo. São covardes. Eu acho que sou a única pessoa que não dá crédito para fofoqueiro. Se alguém
vem até mim falar mal de alguém, esse indivíduo já perdeu crédito comigo.
Porque, normalmente, o fofoqueiro tem algum interesse maléfico. Como sou
psicoterapeuta, eu já avalio a saúde mental desse sujeito. Recentemente, descortinei
um falso amigo desses, a partir de suas atitudes estranhas para comigo e perfil
psicológico incoerente. Fiz uma breve busca, e apurei que seu histórico
familiar não é de boa referência. Uma pessoa assim, em algum momento vai te dar
problema em termo de relações humanas. E isso atrapalha você, de alguma forma,
em qualquer projeto público.
L. LIVRE — Pensando nisso, como o senhor vê a
política, uma vez que o senhor é pastor e pregador do evangelho? O senhor não
acha que há muitos paradoxos entre os princípios bíblicos que a igreja prega e
a prática política?
B. SOAREZ — Sem dúvida.
Aliás, você tocou num aspecto crucial que pontua exatamente a relação da ética
política com a ética do evangelho de Jesus. Eu, particularmente, vejo a
política como instrumento de construção, transformação e reconstrução social.
Isso vem desde a “polis” grega. Não
há outra maneira de administrar a vida pública senão pela política. Portanto,
política é uma ciência. E uma ciência que está presente em todo segmento e em
qualquer instituto ou grupo social. Inclusive na igreja. O que ocorre é que não
se deve confundir “política” (no sentido da arte de governar, organização,
gestão, direção, povo, cultura, civilização, ciência e administração da coisa
pública) com “política” (no sentido de partidarismo, interesses espúrios,
fanatismo, facciosismo político, vantagens financeiras, corrupção, nepotismo,
intrigas, violência, desvio de verbas públicas e outras coisas). A igreja, na
arte de fazer política, tem de fazer a diferença. Ela tem de ser participativa,
sendo “sal” e “luz” do mundo e no mundo.
L. LIVRE — Mas o senhor acha isso possível no mundo de
hoje, com tanta tendência do pensamento humano para a prática da corrupção?
B. SOAREZ — É complicado
porque os políticos honestos, aqueles que não participam dos esquemas de
corrupção, ficam encurralados e, por fim, excluídos no contexto. Mas eu acho que
ainda é possível de se fazer a diferença pelo viés de uma ética que prima pelo
compromisso com a justiça, a verdade, a honestidade e os princípios universais
da justiça orientada pelas Sagradas Escrituras. Acho que a igreja deve caminhar
participativamente nesse sentido. O eleitor também deve contribuir, deixando de
votar por dinheiro. Tem que parar de vender voto. O eleitor que vota por
dinheiro não quer ver o país mudar de situação. Não tem direito e nem moral
para cobrar políticas públicas do seu candidato. E o político que compra voto
não tem obrigação com as políticas públicas que beneficiam toda a coletividade.
Afinal, ele comprou o voto. Os dois, candidato e eleitor, nesse caso devem ser punidos por
crime de prevaricação do direito público. O voto é um direito público porque se
trata do sufrágio que determina as decisões sobre a vida da coletividade, da vida pública. Portanto, eu não tenho o direito de vendê-lo porque não é propriedade particular minha. Ele é público, de interesse público.
L. LIVRE — Entendi. E isso tem a ver com a vida
pública, não é?
B. SOAREZ — Obviamente. Sempre
que dou aula de ciência política para os meus alunos na universidade, faço
questão de explicar para eles que o sufrágio é a manifestação direta ou
indireta da vontade do cidadão. Sendo assim, trata-se de uma forma de
participação e demonstração de interesses dos indivíduos na vida pública e na
sociedade política. Isto envolve debate, voto e manifestação acerca de
interesses coletivos. Logo, o voto não é propriedade particular minha, nem sua,
mas da coletividade. Portanto, o voto é um direito público porque é de
interesse público, coletivo. Por isso não pode ser vendido, nem comprado. Quem
assim o fizer comete crime.
L. LIVRE — Tanto no livro A igreja cidadã como no Construindo redes de amizade,
o senhor divide a teologia em três partes. Ou seja, “teologias fundamentais”,
“teologias sistemáticas” e “teologias práticas”. Por que escolheu trilhar pelo
caminho das teologias práticas?
B. SOAREZ — Eu não sei se
com a minha obra estou fazendo teologia. Porque, quando estou escrevendo, estou
pensando no reino de Deus. E não em debate teológico. Estou focado é em
alcançar vidas para Jesus, em salvação de almas. Em cada linha que redijo,
procuro mirar a justiça que deve ser promovida entre os homens. Mas se a
teologia está me colocando dentro do seu campo científico, as teologias práticas são a minha escolha
porque é exatamente neste campo que consigo ver realmente um discurso de
compromisso com a realidade das necessidades humanas. O evangelho de Jesus é um
serviço da justiça divina prestado à humanidade.
L. LIVRE — Foi pensando nisso, então, que o senhor propôs
a rede de amigos em Cristo como método de evangelização?
B. SOAREZ — Perfeito! A rede
de amigos em Cristo é uma estratégia de ação. Nessa estratégia de ação
você alcança almas para Jesus cuidando de pessoas, compreendendo a sua
realidade. Amando as pessoas. É um método que nos leva a praticar os mandamentos
do Senhor, ensinados por Ele e os apóstolos ao longo do Novo Testamento. Quando
Jesus disse “amai-vos uns aos outros como eu vos amei”, conforme está escrito
em João (13.34-35), ele estava dando-nos a missão de cuidarmos uns dos outros
como seres humanos. Este é um mandamento universal. Em Cristo, devemos amar os
seres humanos independente de cor, raça, religião, sexo, rico, pobre, nativo ou
estrangeiro. O amor divino é um princípio universal. Sendo assim, é o melhor
método de alcance de pessoas para o reino de Deus.
L. LIVRE — No geral, como o senhor vê a igreja
brasileira atualmente?
B. SOAREZ — Temos de
alisar vários aspectos. E eu já nem gosto de falar desse assunto. Mas posso
explicar algumas coisas para você. Coisas que interessam não só para nós cristãos, mas
para todo mundo em geral. A igreja está sendo conduzida por mentes paranóicas. Os
grandes líderes cristãos neste país não têm saúde mental coletiva. A gente constata isso
pela maneira como eles agem e como eles interpretam a Bíblia. Temos pessoas
boas? Sim. Temos pessoas boas, lúcidas e honestas como, por exemplo, Hernandes Dias
Lopes, Luciano Subirá, Augusto Nicodemos e outros anônimos por aí a fora. Mas
estes poucos, isoladamente, não têm força para mudar uma realidade tão
complexa como a que hoje vivenciamos. Mas estão fazendo a sua parte. Eu também estou fazendo a minha parte, escrevendo livros e ensinando a igreja do Senhor Jesus Cristo.
Mas, por falta de líderes corretos, a igreja brasileira está sofrendo. Ela se
divide a cada dia e, por isso, caminha o tempo todo doente. E aqui cabe uma
longa discussão.
L. LIVRE — Então vamos deixar este assunto para uma
terceira parte desta entrevista?
B. SOAREZ — Fique à
vontade.
L. LIVRE — Tudo bem, então. Estamos combinados.