E X C L U S I V O
Comunidade
quilombola de Campo Grande recebe ação solidária da SPU/MA
Depois de distribuir cestas básicas em Serrano, o
superintendente Coronel Monteiro
contempla sessenta famílias com kits de higiênicos em zona rural de Turiaçú.
Por BATTISTA SOAREZ(De Turiaçú-MA)Série: Reportagem
especialFotos: Battista
Soarez
Comunidade quilombola Campo Grande, Turiaçu-MA, recebe kits de higiênicos |
Cel. Monteiro distribui kits de higiênicos para quilombolas. |
Apolonia Roxo: "Senso de gratidão". |
“Acreditamos na parceria com a SPU-MA”
Cercada
de água, floresta, terra produtiva e muito pasto, a comunidade de Campo Grande
está otimista. Apolônia Roseane Costa Roxo, 35 anos, Willian Silva, 40 anos, e
Carlos Roxo, 70 anos, disseram estar muito animados com a parceria que está
nascendo entre a Superintendência do Patrimônio da União no Maranhão e as
comunidades sociais. “Vejo a parceria da SPU com as comunidades uma coisa muito
boa, porque estamos falando uma linguagem diferente da dos políticos viciados
em enganar. É uma parceria que visa o desenvolvimento e não medidas paliativas.
Isto nos alegra”, disse Willian Silva, lembrando o fato de que muitos políticos
chegam a eles somente em épocas de eleição com promessas que, depois de
eleitos, nunca cumprem. “Isso tem que mudar. Aqui, por exemplo, somos seis localidades
na região. Os políticos aparecem por aqui mentindo, pegando nossas coisas e
levando. E fica por isso mesmo. Nada muda”, reclama ele.
Willian Silva acredita em parceria com SPU. |
Willian
denuncia, por exemplo, que as casas iniciadas com recursos de projetos federais
nunca foram concluídas, restando somente as paredes de tijolo e nada mais. “As
casas, como você pode ver, até hoje estão assim. Nada mais foi feito. A gente
sabe que o dinheiro veio mas, no fim das contas, foi todo desviado”, lamenta
ele, destacando que uma política de parceria para gerar desenvolvimento, como
vem propondo o Coronel Monteiro, combina com o potencial da localidade.
“Acredito que, com essa parceria, vamos ter suporte técnico que vai somar com a
força dos nossos próprios braços para termos mais qualidade tanto nos serviços,
quanto na produção gerada aqui na nossa própria terra. Com isso, acho que vamos
desenvolver muito rápido”, argumenta.
Professor
e integrante da comissão de mobilização social, Willian explica que os
moradores vivem numa terra muito boa para qualquer tipo de produção agrícola.
“Temos muita terra, muita água, um clima excelente, muita saúde e disposição
para trabalhar e crescer”, assevera ele, pontuando algumas necessidades
existentes e diz que espera que sejam supridas a partir da parceria entre a SPU
e as comunidades. “Aqui precisamos, principalmente, de apoio técnico, isto é,
de agrônomo ou, pelo menos, de um técnico agrícola. Precisamos de estrada para
melhorar o acesso e escoamento da nossa produção. Queremos uma casa de apoio
para colocar os produtos gerados para que possam ser distribuídos. Precisamos
também de poços artesianos e de máquinas agrícolas como, por exemplo, um trator
com os devidos implementos”, especifica ele, observando ainda sobre a
necessidade de treinamento sobre relações com o mercado.
Comissão de mobilização social quilombola. |
Segundo
Willian, o trabalho da roça no toco gasta mais do que produz. E foram anos
assim. “Agora — diz ele — nós já avançamos um pouco mais daquilo que os nossos
pais, no antepassado, nos ensinaram. Hoje já temos motor, que chamamos de
‘catitu’, e que funciona a gasolina. Eu mesmo tenho um. E isso nos proporciona
a produzir um pouco mais”, pondera, explicando que, agora, uma roça que, antes,
“produzia vinte paneiros de farinha, hoje essa mesma roça dá quarenta ou
cinquenta paneiros”, enfatiza. E acrescenta: “Então, com uma máquina que, se
Deus quiser, vamos receber, iremos triplicar essa produção”, finaliza.
História e cultura
Os
moradores de Campo Grande guardam, com muito orgulho, uma história que começa
por volta de 1840. O Seu Carlos Roxo tem 70 anos. Conhecido como Carlos
“Cigano” — apelido que ganhou devido sua trajetória em sair por vários lugares
comprando e vendendo mercadorias ou “negociando”, conforme explica — ele conta
que tudo começou com o seu bisavô, André Avelino da Silva, que tinha vindo da
África como escravo.
Carlos Roxo orgulha-se da história do lugar. |
Ao chegar no Brasil, André Avelino aportou no porto chamado Trajano, em Alcântara, e foi para uma fazenda que tinha num lugar chamado Bitiua. “Depois ele foi transferido dessa fazenda para uma fazenda de outro português, denominada Brito Mutar, num lugarejo chamado São Salvador. Em São Salvador, ele trabalhou de três a quatro anos e, logo depois, ele fugiu e veio para aquele alto que tem ali”, disse Seu Carlos “Cigano”, apontando para a direção de onde o sol vinha nascendo, por trás das árvores, meio embaçado por uma nuvem quase escura com sinais de chuva. O céu estava meio nublado na manhã de 18 de abril, no momento da entrevista.
Nesse
pequeno alto, conta Seu Carlos, “André Avelino, meu bisavô, ficou mucambado,
escondido, e ali ele passou a chamar de Santarém”. Segundo explica, os amigos
de Avelino, que ficaram na fazenda, levavam comida para ele todos os dias.
“Eles se comunicavam por meio de tambor, na hora das refeições. Os amigos
batiam tambor e, de lá de onde estava, ele escutava e, então, eles iam se
encontrar no meio do mato”, explica.
Em
1850, André Avelino da Silva ficou sabendo que alguns portugueses voltaram para
Portugal, em razão da lei “Eusébio de Queiroz”, que decretava o fim do tráfico
de escravos. Mas o “escravo fugido” Avelino não quis acreditar nas histórias
que circulavam pelo país e decidiu continuar escondido em Santarém. Avelino
ficou, ainda, quase dois anos como escravo fugido. Seus amigos, entretanto, o
convenceram de que a lei “Eusébio de Queiroz” era verdade, passando a visita-lo
com mais frequência e sem “esconderijo”.
Carlos mostra mangueira plantada por seu bisavô Avelino em 1850. |
Então, com o sentimento de liberdade, Avelino começou a receber os amigos mais livremente e, segundo Seu Carlos “Cigano”, ele foi para a Fazenda Jardim, num lugarejo chamado Pindobal de Fama. “Lá ele conheceu e se tornou amigo de uma jovem por nome Damiana Melo, que também tinha vindo da África como escrava”, explica Seu Carlos.
Ele
relata que Avelino e Damiana se apaixonaram e, de amigos, se tornaram
namorados. Diante da proposta de se juntarem como marido e mulher, Damiana
aceitou ir morar com Avelino no pequeno lugar Santarém. Lá tiveram dois filhos:
Olímpia e Armíndio. “Os dois irmãos cresceram, casaram e resolveram não sair
daqui. Ficaram morando e trabalhando aqui e tiveram filhos e netos”, conta Seu
Carlos. “Olímpia casou com um rapaz e geraram meu pai, André Silva, que casou com Joana Roxo, minha mãe. Todos decidiram
permanecer aqui, inclusive eu. Nasci no dia 4 de novembro de 1950. Me criei
aqui, casei, tenho filhos e netos e nunca saí daqui. Toda a minha história está
plantada neste lugar”, orgulha-se.
Seu
Carlos conta que seus pais tiveram 12 filhos. Hoje são apenas oito. Três homens
e cinco mulheres.
Ele
relata, ainda, que sua bisavó Damiana trouxe para Campo Grande seu irmão
Quirino Melo que, sendo mais novo, nasceu no Brasil. Quirino constituiu família
e recebeu, do cunhado Avelino, um pedaço de terra na localidade. Gerou filhos e
netos. “Hoje — diz Seu Carlos — somos a família Roxo Silva Melo. De Quirino,
descende a família Melo, que até hoje mora na mesma localidade, aqui ao lado”.
Imagem que inspirou o nome do lugar, dado por André Avelino, seu fundador, em 1852. |
Questionado por nossa reportagem sobre a origem do nome do lugar, Seu Carlos explica que, um certo dia, Avelino se pôs de pé bem no alto de Santarém e ficou olhando para a extensão, contemplando os dois campos que ladeiam o lugarejo. E disse: “Este é um campo grande”. E assim ele batizou o lugar com o nome de “Campo Grande”. Isso foi no mesmo ano em que Avelino se juntou com Damiana, por volta de 1852.
O
lugar ficou conhecido. Os fazendeiros tomaram conhecimento de Campo Grande e
passaram a procurar Avelino para tomar conta de seus gados. Assim, o fundador
do lugarejo tornou-se vaqueiro, criando e cuidando de animais dos fazendeiros
da região.
Osvaldo Ferreira Silva, 75 anos. |
Aos 70 anos, Seu Carlos tem um sonho. “Meu desejo é ver este lugar desenvolvido, sendo um grande centro de produção agrícola, com casa de apoio, maquinário e estrada boa para podermos escoar nossos produtos e gerar melhores condições de vida para nossos filhos e netos”, conclui.