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terça-feira, 10 de maio de 2016

REFLEXÃO DA MATINA

REFLEXÃO DA MATINA
Por Battista Soarez

Costumo fazer minhas orações a Deus nas primeiras horas do dia, antes mesmo do café da manhã. Nesta semana, algo diferente vem acontecendo comigo. Todas as vezes que começo a cantar e a orar, meu coração se enche de contentamento de tal maneira que os cantos entoados e a leitura do texto bíblico saem com uma voz um tanto engasgalhada. Meu peito se enche de uma sensação jubilosa e meus olhos ficam marejados de lágrimas inexplicáveis. Não sou de me emocionar com facilidade. Nas profissões que acumulei na vida (jornalismo, psicoterapia e a faculdade de direito), aprendi a não me envolver emocionalmente com os fatos. A última vez que me lembro de ter chorado foi em 2009, quando minha mãe faleceu.
Mas, ultimamente, simples fainas e contentamentos espirituais têm me feito chorar. Isto ocorreu ontem, enquanto dirigia o carro, ao lembrar do hino 166 da Harpa Cristã que há anos não cantava, desde a minha juventude, quando, em 1983, aceitei a Jesus como meu Salvador. Para ser honesto, já havia esquecido a melodia. O refrão do hino diz: “Deixa entrar o Rei da glória / Em ti mesmo, ó pecador; / Quem é este Rei da glória? / É Jesus, o teu Senhor”. Hoje, no devocional da manhã, o hino veio novamente à lembrança. Então cantei. Não deu noutra: o Espírito me encheu e chorei. Depois, li o capítulo 20 inteiro do Evangelho de Lucas e chorei novamente. Em seguida, orei com júbilo.
Enquanto orava, o Espírito de Deus me trouxe à reflexão algumas lições que quero compartilhar, aqui, com os meus leitores.
A primeira delas é que os erros nos ajudam a conhecer todos os caminhos que levam a nada. Assim, fica mais fácil seguirmos o rumo certo que nos guiará a alguma coisa com sentido. Conhecendo todos os caminhos que levam ao erro, ficará mais fácil, agora, seguir o rumo certo. Mas é preciso ter inteligência espiritual para saber aprender com os erros. Do contrário, vamos utilizá-los apenas para nos abastecermos de culpa e, então, nos tornarmos presas fáceis do diabo. A inteligência espiritual nos leva a ter intimidade com Deus e, aí, nossos erros se tornarão em aprendizado da fé, em vez de pecados. A falta de inteligência espiritual (a ignorância espiritual) nos leva a não entender o sacrifício vicário de Jesus e, ao que parece, a acreditar que o pecado é mais forte que o preço pago por Ele na cruz em nosso favor. A maioria dos cristãos vive num paradoxo da fé: prega que a morte de Jesus na cruz significa também a morte do pecado, mas vive totalmente o contrário; acredita que a ressurreição dele representa a liberdade de todo aquele que nEle crê, mas vive numa eterna prisão religiosa.
Muitos cristãos, na prática, parecem invalidar o poder libertador do Cristo ressuscitado e ressuscitam o pecado que Jesus matou na cruz. Sim, isto ocorre a cada vez que, por causa de um erro qualquer, saímos da igreja ao invés de nos apegarmos ainda mais a Jesus em busca de seu amor e intimidade com Ele. Ressuscitamos o pecado a cada pastor que fraqueja e, em vez de o perdoarmos, condenamo-lo a perder o ministério, matando a obra de Deus na sua vida. Recentemente, numa revelação, Jesus falou-me da sua vinda e das injustiças dos conselhos de doutrina das igrejas. Chamou-os de “porcos mortos”. “Eis que o meu Espírito não está nesses conselhos de doutrina disse Ele. Pois eles abandonaram a minha Palavra que ensinei no Sermão da Montanha, pregando injustiça aos homens com seus manuais de doutrina. Por causa dessas doutrinas, eles causam divisões na minha igreja. Não se perdoam entre si. Quando um pastor, servo meu, cai, eles não o perdoam, ficando assim prejudicada a minha obra na vida dele”. Para mim, enquanto intelectual que costuma ser um tanto racional e muito cuidadoso não me deixando impressionar com visões, profecias e revelações foi um impacto tão forte que levantei de madrugada e escrevi aquela revelação. Interessante é que tive esta mesma revelação em 1983. Agora estava em 2014. Ou seja, 31 anos depois voltei a ter a mesma revelação.
A segunda lição que aprendi foi que se colocarmos os obstáculos como nossos aliados e não como inimigos, eles nos ajudarão a chegar ao topo e vencer. Exemplifico isto com a história de um turista americano que estava na Índia num dia dedicado à peregrinação ao topo de uma montanha sagrada. Centenas de pessoas se preparavam para a subida íngreme e difícil. O americano, acostumado a exercícios físicos e se julgando em boa forma, decidiu participar da experiência. Vinte minutos depois, completamente sem fôlego e quase incapaz de dar mais alguns passos, viu passarem facilmente por ele mulheres carregando bebês e frágeis velhinhos apoiados em bastões. “Não consigo entender disse ele a um amigo indiano. Como é que essa gente consegue e eu não?”. O indiano respondeu: “É que vocês americanos têm o hábito de encarar tudo como um teste. Você encara a montanha como um inimigo e se dispõe a derrotá-la. A montanha, naturalmente, também luta e é muito mais forte que você. Nós, indianos, não vemos a montanha como um inimigo a vencer. Nosso objetivo é uma unidade com a montanha. Uma espécie de amizade com ela. Assim, ela nos levanta e nos carrega pelo caminho”. Então, matei a sacada: a melhor forma de vencer um obstáculo é torná-lo nosso aliado. Assim, toda a sua força lutará a nosso favor.
A terceira coisa que a reflexão matinal me fez vê foi: todas as pessoas que se levantaram contra mim são pessoas fracassadas e derrotadas na vida. Isso tem uma explicação. As pessoas aprenderam, erroneamente, que para ser vencedor tem que ter perdedor. Todo aquele que se dispõe a ser um vencedor descobre que tem de enfrentar os outros. Na sua visão, sua ascensão é a queda dos outros. E esta maneira de ver as coisas tem suas consequências. A inveja, por exemplo, incendeia em nós um espírito de competição e anseio por derrotar os outros. E isso é péssimo.
Muitas vezes ajudei pessoas pensando no melhor para elas quando, de repente, descobri que elas me odiavam meramente por inveja. Surpreso, perguntava para um vácuo de silêncio sem resposta: “por que?”. Simples: elas não queriam minha ajuda, queriam estar no meu lugar; queriam ter o que eu tenho; queriam ser o que eu sou.
Mesmo no seio familiar acumulei experiências dolorosas. Trabalhei muitas vezes para ver minha família vivendo bem e confortavelmente. Quando menos esperava, estas mesmas pessoas a quem procurava amparar se constituíram inimigas. O profeta Miquéias nos alerta para este perigo: “Os inimigos do homem são os da sua própria casa” (Miquéias 7.6b).
Finalmente, a última lição desta manhã. Li, numa certa ocasião, que, no cristianismo medieval, havia a história do prestidigitador. Para quem não sabe, o prestidigitador é aquele artista que, pela ligeireza dos movimentos das mãos, faz deslocar ou desaparecer objetos. Com isto ele manipula suas mágicas, iludindo a vigilância do espectador de maneira que parece inexplicável. E, no texto que li, conta que cada um dos fiéis trazia uma dádiva para honrar a Virgem Maria no seu dia. Os fiéis participantes do evento traziam presentes caros e refinados, tapeçarias tecidas à mão e coroas incrustadas de pedras preciosas.
Numa daquelas ocasiões, havia um jovem pobre e humilde. Ele era muito simples. Não tinha presente para oferecer e nem dinheiro para comprar qualquer dádiva. Mas ele tinha uma coisa que os outros não tinham. Ele sabia praticar o ilusionismo. Sem nada para oferecer, ele teve uma ideia: começou a dançar, burilando requebrados, fazendo silhuetas, traçados com as mãos e os pés. E, na sequência, fazia mágicas diante da imagem da Virgem, para horror dos bem comportados espectadores. Mas ele fazia tudo aquilo de todo o seu coração, de toda a sua alma que aquela sua dádiva foi a que teve melhor aceitação.

O que podemos aprender com isto? Que não importa o pouco ou o inusitado que você ofereça. Importa é que o que você faz, o faça com a força do coração e intensidade de alma. Certa viúva pobre fez isso diante de Jesus e se deu bem na presença do Mestre (Lucas 21.1-4).

terça-feira, 3 de maio de 2016

VIVER DÓI

VIVER DÓI
Por Battista Soarez
“Morrer não dói. O que dói é a vida, porque viver nos isola do resto da vida e nos deixa vulneráveis”, disse um sábio indiano a um certo homem judeu que acabara de perder um filho que tanto amava,  por conta de uma doença grave.
O indiano tentava convencer o judeu de que a morte de uma pessoa não é uma tragédia. Mas uma oportunidade única de ser promovido a uma vida superior e melhor. Segundo ele, a alma de uma pessoa que morre volta para a grande corrente da Vida superior, como uma gota d’água volta ao oceano, que é a sua origem.
Particularmente, fico perplexo ante às duas culturas de crenças diferentes. O indiano aprendeu a suportar a dor encarando-a como uma normalidade porque o seu maior foco é a Vida superior já que, para ele, morrer é uma oportunidade única na vida. “Alguns só têm a oportunidade de morrer depois de uma vida inteira de sofrimento. Outros têm a sorte de tê-la numa fase mais jovem da existência”, disse ele. O judeu, por sua vez, tem uma cultura mais existencialista e ama um filho de tal modo que perdê-lo lhe custa muita dor e intensa lamentação. Qual das duas crenças tem mais razão? A verdade é que se somos espiritualistas extremos, verticalizamos a fé e pouco da existência nos importa. Se somos existencialistas, focamos nossa fé nos valores da vida e sofremos dores quando passamos por perdas e decepções.
Algumas horas depois de ter saído do cartório onde me casei com a moça a quem amava na minha mocidade  uma jovem universitária do curso de Serviço Social, à época, por quem me apaixonei acreditando piamente ser a mulher com quem viveria o resto da minha vida — ouvi dela a seguinte frase: “Pois é. Me casei. Se eu não gostar da ideia, eu me separo”. Perguntei-lhe por que então se casou. Ela respondeu: “Porque para fazer sexo sem pecado, tem de casar”. Juro que quase voltei ao cartório para anular o casamento. Até hoje me arrependo de não tê-lo feito. Olhei para ela e disse-lhe: “Se você tivesse dito isso ontem, não teríamos nos casado”. Depois de sete anos, me vi envolvido numa série de dores emocionais, conflitos e situações desagradáveis ocasionadas pelo pedido de separação por parte dela. Então nos separamos e as consequências que vieram a partir dali impediram inúmeras conquistas e avanços na minha vida, interrompendo sonhos e realizações inclusive no ministério cristão e na minha carreira literária.
Isso ocorreu porque uma metade dela entrou no casamento e a outra metade ficou do lado de fora dele. E quando isso acontece, quando se entra numa relação conjugal com apenas uma metade, deixando a outra do lado de fora, você já tem aí quase cem por cento de garantia de que o matrimônio terminará em separação e divórcio. Dou uma olhada panorâmica à minha volta, e vejo centenas de jovens caindo na armadilha do mesmo erro: casam-se não porque querem uma vida de responsabilidade, harmonia e renúncia em favor do matrimônio. Mas porque querem fazer sexo e, depois, não ter de ficar com a consciência cheia de culpa. Casam-se apenas por causa da moral, da ética social e religiosas que a sociedade e a igreja lhes impõem. Depois pedem divórcio e terão que conviver com inúmeras dores causadas pela desconstrução do amor que um dia juraram perante o juiz e as testemunhas que seria por toda a vida, “até que a morte os” separassem. Quando se trata de cristãos, tem uma dor a mais: a dor da consciência religiosa por terem quebrado a doutrina que a maioria das igrejas prega, de que o divórcio é um pecado sem perdão. Ou, uma vez divorciados, terão de conviver com a dor de ficar sozinhos para o resto da vida. Porque, quem casar pela segunda vez, vai ter de conviver com a dor de estar em pecado de adultério para sempre. Como disse, certa vez, um homem decepcionado com tantas tentativas erradas: “Se eu nunca tivesse amado, não estaria chorando agora”. Para ele, o amor só lhe rendeu dores e sofrimento.
Olho para o que o Senhor Jesus disse em Lucas 14.26 e leio: “Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo”. Mesmo assim, apesar disto que Jesus afirmou, vejo os cristãos construindo um arranjo de idolatria em torno do casamento e da família. Quando eu trabalhava na Editora CPAD, no Rio de Janeiro, um funcionário do setor de contabilidade, que também era crente, me disse: “Deus acima de tudo, família em primeiro lugar e a obra de Deus em segundo plano”. Olhei-o com incredulidade e o corrigi: “Penso um pouco diferente, meu irmão. Permita-me lhe dizer... Deus acima de tudo. A busca pelo reino de Deus e pela sua justiça em primeiro lugar. E uma vez estando o nosso compromisso com o reino de Deus no seu devido plumo, aí sim todas as outras coisas estarão bem (Mateus 6.33): família, finanças e tudo mais. Isto é o que a Bíblia nos ensina. Não acha?”.
Quase dez anos depois recebi a fatídica informação de que aquele irmão sofreu uma turbulência no seu casamento e teve de separar. Se eu tivesse contato com ele outra vez teria lhe dado a razão do seu divórcio, dizendo-lhe: “Irmão, quando pomos a fé na família para depois servir a Deus, ela estará fadada ao fracasso. Quando, porém, firmamos a fé em Deus para suster a família, esta estará segura e apta a continuar. Casamento em primeiro lugar e o reino de Deus em segundo plano representa um perigo iminente de cairmos no abismo da separação e do divórcio. Quando praticamos o princípio bíblico e colocamos Deus em primeiro plano, acima do casamento, este estará solidificado”. Não é Deus que depende do casamento e da família, mas o casamente e a família é que dependem de Deus.
Mas eu tive maturidade suficiente para entender que aquele pensamento religioso não era do meu colega de trabalho e irmão na fé cristã. Isto é o que eu ouço de quase todos os líderes cristãos que, como minha ex-mulher fez com o nosso casamento, entraram para o reino de Deus apenas com uma de suas metades, contradizendo a palavra do Senhor que diz: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento” (Lucas 10.27).
Certa vez Jesus disse que no céu ninguém se casa, nem se dará em casamento. “Porém, são todos como os anjos nos céus” (Marcos 12.25). Porque o casamente, disse Jesus, é uma necessidade [um negócio jurídico] meramente terrena. Lá no céu ninguém vai precisar disso. Pelo viés da história ocidental, podemos avaliar que Jesus quis dizer que o casamento é apenas um negócio jurídico que envolve interesses patrimoniais e financeiros, firmado por um papel cartorial no direito romano, chamado “certidão de casamento”. É um “contrato social” que incendeia nos casais ameaças tipo: “faça-me feliz, satisfaça o meu ego, senão vamos ter muita dor de cabeça nos tribunais”. Mesmo assim, idolatramos o casamento e a família no plano “A”, empurrando o reino de Deus para o plano “B”.
A verdade é que temos um medo fustigante e intransigente de perder as paixões da nossa zona de conforto e, então, justificamos este medo criando pensamentos e argumentações carregados de religiosidade e desprovidos de vida em Deus. Receamos assumir o discipulado de Jesus deixando para trás a cruz das paixões da vida transitória. Então levamo-las conosco. Aí preferimos seguir o rumo das nossas paixões efêmeras, fazer as coisas erradas e depois perseguir a razão para justificar os erros cometidos. Nunca usamos a inteligência espiritual para fazer a escolha correta, mas usamos a inteligência comum, carregada de espertices, para elaborar desculpas brilhantes e assim aliviar a dor de ter errado.
Como disse nosso amigo indiano, morrer não dói. O que dói é enfrentar um casamento com uma mulher turbulenta com a mente carregada de fantasias da vida efêmera que, quando não realizadas, se transformam em perseguição, intrigas e infelicidade no lar. O que dói é ter que se divorciar dela e, depois, enfrentar as consequências dolorosas de uma infeliz separação conjugal. O que dói é viver ao lado de um marido beberrão, rabugento, estúpido, violento e depois, toda partida de golpes emocionais, ser obrigada a fazer sexo com ele na cama sem uma gota de prazer.
Morrer não dói. O que dói é viver num país de economia desajustada por causa da cultura da corrupção imperando drasticamente sobre a vida de milhões de pessoas inocentes e afetando desgraçadamente todas as políticas públicas da nação. O que dói é ter que sobreviver em meio às injustiças da justiça dos homens que furta o direito de quem tem para dar a quem é desonesto, malevolente e iníquo. Morrer não dói. O que dói é ser obrigado a encarar as injustiças sociais ocasionadas por maus gestores de uma sociedade que se acostumou a gestar infernos políticos sobre a vida de uma população carente de justiça humanitária.
Morrer não dói. O que dói é viver ao lado de filhos ingratos e desobedientes e ainda ter de pagar caro para tirá-los da cadeia. O que dói é ter de chorar nos seus funerais porque tiveram suas vidas ceifadas na prática do crime e da arrogância na liberalidade traiçoeira de uma vida tola e libertina.
Morrer não dói. O que dói é a consciência de ter votado em políticos avarentos, desonestos e inúteis e, depois, sofrer no mar de políticas burocráticas, privações econômico-sociais e dirigir em ruas esburacadas, quebradas, depois de pagar um IPVA caro e, ainda, tendo que pagar mais caro ainda para consertar o carro todo quebrado.

Viver dói... Dói porque as pessoas podem fazer tudo para viver em paz e harmonia, fazendo as coisas certas, mas optam por acionar os mecanismos da tormenta e viver desgraçadamente. Viver dói porque as pessoas preferem se perseguirem umas às outras e, assim, gerarem ódio e vingança que resultam em tragédias, angústia, sofrimento e morte. "Morrer não dói. O que dói é viver enfurnado nesta vida de dor existencial, isolado de outra vida mais harmoniosa e melhor", disse o velho indiano.