SÉRIE: Contos e Memórias
No silêncio da noite campestre
Eles perderam a inocência
(Conto
terapêutico. Baseado em fatos reais*)
Battista
Soarez | Segunda-feira 18/04/2022, 21h31
(Escritor, jornalista, poeta e psicoterapeuta)
FOTO: Divulgação/Internet | Imagem meramente ilustrativa. |
O SOL SE ESCONDEU por trás das palmeiras do
babaçual, numa despedida de fim de tarde simplesmente límpida e primorosa. Os
raios, levemente refletindo na superfície convexa das árvores frondosas,
beijaram as folhagens na copa da vegetação do pequeno lugarejo Chapadinha, área
campestre de Santa Helena, município encravado na baixada maranhense. A região era de
grande biodiversidade, com abundância de rios, lagos, lagoas e igarapés. O dia então mergulhou na escuridão do início da noite e dois fachos de luz mostravam a
estrada vicinal. Os faróis penetrantes de um automóvel Fusca abriam caminho pelo
negrume implacável da zona rural de Santa Helena. O ano de 1976 corria
normalmente.
Lentamente, o
carro que levava Luiz e Inês roncava pela estrada estreita, um trecho vicinal
sem qualquer iluminação, onde só as estrelas e a lua brilhavam no céu noturno.
Os grilos orquestravam uma musicalidade estridente, enquanto as corujas
externavam um mau presságio com o seu canto lúgubre, esquisito. Mas nada disso
incomodava, nenhum pouco, o casal de namorados. Eram dois adolescentes
apaixonados. Simplesmente. E apenas isso.
Para o seu
encontro com Inês, Luiz pegara o carro do seu pai. Na verdade, da família. Era
um Fusca 1974, com para-choques de flandres, um enfeite exposado no capô,
para-lamas avantajados e um banco traseiro razoavelmente confortável, para
aquela época. Eles passaram por pequenos campos de bola e outros cultivados,
recortados no meio daquelas campinas de capim baixo, onde os animais catavam
suas pastagens. Luiz e Inês quase não saíam com os amigos da mesma idade.
Passavam o dia inteiro se enamorando. Às vezes, iam às festas dançantes da
comunidade e, por vezes, a aniversários de amigos. Nos bailes interioranos, as
melodias e as danças eram embaladas por músicas românticas de muito sucesso na
época, como Carlos Alexandre, Amado Batista, Roberto Carlos, Bartô Galeno e
outros. Isso era o que aliviava o tédio do árduo trabalho manual das roças de
arroz, milho, feijão e mandioca.
Não tinham
muitos noticiários. A televisão ainda era um aparelho caro. Não era qualquer um
que podia comprá-lo. Alguns vizinhos mais afortunados aquisitivamente tinham o
privilégio de se interconectarem ao mundo com imagens ainda em preto e branco. Muitos orgulhavam-se de terem um rádio de pilha. Era o meio de comunicação mais acessível naqueles tempos. Lamparinas, abastecidas com querosene, iluminavam as casas. As crianças se divertiam com brincadeiras de roda. Os adultos jogavam baralho e
dominó. Eram estas as diversões prediletas em tempo de folga como, por exemplo,
nos finais de semana e feriados.
FOTO: Divulgação/Internet | Imagem meramente ilustrativa |
Antes de voltar
para casa, Luiz desviou o Fusca para fora da estrada e apagou as luzes. O
barulho dos pneus, pressionando o cascalho, de repente parou e seguiu-se um
silêncio palpável. Os grilos continuavam soltando sua estridulação num silêncio
afável daquela noite de um dia qualquer de setembro. Aconchegados um no outro,
Inês e seu namorado estacionaram numa área isolada, onde não podiam ser vistos.
No acento dianteiro do carro, Luiz acariciou algumas partes do corpo de Inês.
Ela, numa calma libidinosa, lânguida, aceitava cada carícia delicadamente. O rapaz abriu a
blusa de Inês e a atirou sobre o câmbio do veículo. Tirou-lhe a saia e
pressionou seu corpo contra a pele prontamente deleitosa da jovem.
De maneira
voluptuosa, Luiz encostou a boca na orelha de Inês e, com a ponta da língua
umedecida, lambiscou levemente no orifício do seu ouvido. A garota sentiu um
arrepio estranho, intensamente ardente, enérgico, emocionante. Isso percorreu
todo o seu corpo. Algo eletrizante a deixou quase extasiada. Sem querer, ela
soltou um gemido ofegante. Não se mexeu. Não resistiu. Apenas se encolheu. Como
num ato de calafrio. Afastou um pouco a cabeça para trás. E apenas ficou
olhando para ele com um feitio arrebatante, uma feição de espanto. Penetrou o
brilho do seu olhar lascivo nos olhos de Luiz, como um felino fixa sua vítima.
Não que o namorado de Inês fosse sua vítima. Não é isso. É que ela, totalmente inebriada e preenchida de prazer, o olhava com intenso desejo.
— Aí, meu Deus! Não sou de ferro — pensou
ela. — Sempre imaginei em me casar virgem, mas.....
Num repente mágico, apoiou as duas
mãos por trás da cabeça do rapaz e puxou o rosto dele para si. E, como que num
surto alucinante, enfiou meio palmo de língua totalmente salivizada dentro da
boca do jovem que, àquela altura, já estava com os hormônios testosteronas à
flor da pele.
Luiz deixou-se
levar, naturalmente, pelo clima do momento e pulou, de maneira rápida, para o
banco traseiro do carro, puxando, logo em seguida, o corpo da garota para junto
do seu. Inês nunca havia visto um pênis antes. Exceto quando a sua mãe trocava
a fralda de seu irmão bebê. Ela olhou mais firme para Luiz. Desceu o foco do
seu olhar para baixo, fixando aquele instrumento totalmente ereto dando
guinadas como se quisesse saltar para uma disputa de corrida. A moça sentiu um
frio na barriga, seguido de uma sensação que nunca havia sentido antes.
— Te quero toda
— sussurrou Luiz.
Inês
correspondeu apenas com um fungado deleitante, soltando um gemido leve e
obedecendo, como uma cordeirinha domada, todos os comandos intensamente
emotivos do namorado. Inês estava próximo de fazer 16 anos. Luiz tinha 17. Ele
passou a acariciá-la impetuosamente. Ajeitou-a sobre seu corpo e aplumou sua
ereção na genitália úmida dela. Tudo com jeitinho, sem querer machucá-la. Apenas
equilibrou bem as mãos apoiadas nas duas partes carnudas do seu traseiro e
ficou “brincando” de mexer cuidadosamente, sem forçar nada. A virgindade de
Inês, já perto de completar 16 aninhos, estava selada por um hímen que,
honestamente, nunca tinha sido tocado antes, a não ser pelos seus próprios
dedos quando para lavar as partes íntimas ou para segurar o papel higiênico
após fazer xixi.
— Calma —
implorou Inês, numa espécie de soluço contido.
— Terei todo
cuidado. Eu sei que dói — prometeu Luiz pela terceira vez.
A garota, com a
progesterona totalmente aflorada, já não conseguia se controlar. Ela mesma, num
surto de prazer intenso, decidiu pressionar, com força, a sua intimidade contra a de
Luiz, como numa atitude alucinante de auto-estupro.
— Aaaaiiii! — um
longo gemido de Inês saiu pelas janelas do carro, misturando-se com os
estrídulos dos gritos no meio do mato.
Misturaram-se
dor e prazer. Inês segurou firme, sentindo-se uma mulher de verdade. Adulta e suficientemente pronta para viver sua liberdade sexual. Naquela noite, quer dizer, naquele
momento efêmero e prazenteiro, Inês foi apresentada aos mistérios da intimidade
humana, enquanto a lucidez da razão deu lugar absoluto ao devaneio lírico do prazer.
— Eu não sabia
nadica de nada — disse ela muito tempo depois, quando já estava morando em
Santa Helena. — Apenas me deixei ser totalmente dominada pela intensidade
daquele desejo ardentemente prazeroso. É impossível esquecer.
Mais tarde, já
convertida na igreja evangélica, Inês aprendeu que sexo, apesar de intensamente
prazeroso, é pecado. Algo muito distante daquelas emocionantes histórias
românticas que vivera e que lhe levaram às loucuras. Como nos contos de fadas,
que ela via nos filmes de cinema sobre as histórias que aconteciam antes da
Segunda Guerra Mundial.
Como muitas
mulheres de sua geração, Inês também aprendeu que o sexo era, quando muito, uma tarefa
ingrata. Que era melhor deixar circunscrita aos limites do casamento e da
criação de uma família. Anos mais tarde — já morando em Santa Helena, para onde
ela se mudou no início dos anos 1990 — Inês iria se referir a Luiz, sem citar
seu nome, apenas como “o menino com quem perdi a virgindade, meu primeiro
namorado”. Algo que, nela ou para ela, ficou apenas nas lembranças. Luiz foi
embora para o garimpo ainda na década de 1980 e nunca mais voltou. Razão que,
mais tarde, levou Inês a procurar os serviços de um psicoterapeuta.
Inês ocultou a
identidade do rapaz, assim como escondeu todas as verdades desagradáveis a
respeito da própria vida. Toda memória de amor que lhe houvesse causado
frustração. Como admitiu décadas mais tarde.
— Nunca me casei
porque nunca encontrei um homem que eu realmente amasse — desabafou ela certo
dia no consultório. — Vejo muitas de minhas amigas que são casadas com homens
que elas não amam. Geralmente amam o primeiro homem da sua vida. Agora, apenas
emprestam o seu corpo para o homem com quem elas, hoje, são casadas, para fazer
sexo e gerarem filhos. Mas o coração está lá no passado, em alguém que um dia
realmente as fez felizes.
Ainda hoje, Inês
diz isso porque nunca se esqueceu de Luiz. Ou daquela noite no povoado de
Chapadinha, zona rural de Santa Helena, quando os dois adolescentes perderam
sua inocência.
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