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sábado, 12 de julho de 2025

COLUNA LEITURA LIVRE | por Battista Soarez

COLUNA LEITURA LIVRE 

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Por Battista Soarez
(Jornalista, escritor, sociólogo, teólogo e professor universitário)

Missões, cultura, sistema e espiritualidade
As diferenças que levam as pessoas ao engodo religioso e a verdadeira obra missionária

Imagem meramente ilustrativa | Foto: Divulgação. 

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NESTA SEMANA QUE SE FINDA, eu visitei um amigo que fez muitas viagens internacionais como secretário de missões de uma grande igreja. Conversamos muito sobre a igreja atual e suas complexidades. Em determinado momento da conversa, perguntei a ele sobre o significado e o papel da Igreja que realmente faz a obra missionária. Na sua resposta, observei que ele não entende muita coisa sobre missões.

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— Pastor — disse ele com ar de empolgação — missões é levar a palavra de Deus a outros lugares de forma transcultural.

Ele mora numa área de sítio onde há abundância de árvores e animais silvestres... e, enquanto os pássaros cantavam, ele se embalava numa rede armada no espaçoso terraço da sua casa e continuou falando sobre suas viagens por Israel, África do Sul, Estados Unidos e outros países. Olhei para ele com ar de descrédito e, num intervalo de tempo, ele olhava fixamente para o teto da residência.

— Meu amigo pastor — retruquei com leveza e brandura — isso não é, nem de longe, obra missionária levada a sério. Missão não é turismo cultural, não é discurso expresso em vários idiomas, não é culto religioso, não é cruzada evangelística e não tem nada a ver com viagens internacionais, hospedagens em hotéis de luxo, nem com reuniões, almoço e jantares em restaurantes requintados.

E, então, passei a explicar para ele que missões é calçar o evangelho da paz, vestir a couraça da justiça, colocar o escudo da fé, o capacete da verdade e partir para o campo para praticar o serviço de construção, desconstrução e reconstrução de estruturas humanas estraçalhadas pelas injustiças sociais e pelo sistema do mundo perdido e morto nos seus delitos de pecado. Missão é luta e dedicação. É trabalhar a transformação de realidades simples e complexas.

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— Pastor — continuei explicando a ele — a igreja que não tem uma boa escola, que não tem um bom hospital e um centro de produção para arrecadação de recursos financeiros para sua própria sobrevivência não é igreja missionária. Porque são esses, exatamente, os instrumentos de transformação de realidades, inclusive das realidades sociais.

As maneiras mais vitais pelas quais a igreja se torna agente de transformação, eu expliquei a ele, envolvem uma macrovisão evangelizacional crescente em hábitos, métodos de aplicação de serviços e padrões de desempenhos e habilidades estruturantes. Uma igreja com macrovisão de serviço e transformação é uma igreja espiritualmente forte e producente, aquilo que João Wesley chamou de oração social. É uma igreja com poder de transformação de realidades.

A religião pertence ao sistema. E o sistema é um meio de controle social rigoroso — inclusive sobre a igreja — que enfraquece a sociedade e seu poder de atuação. Uma macrovisão social, inundada por uma espiritualidade acima de tudo fundamentada na verdade de Deus, é o que inspira a prática missionária quanto ao fazer que impacta transformação em todos os seus aspectos.

A religiosidade é o espírito do sistema. As religiões, assim como as outras culturas, reproduzem as coisas do sistema. Todo sistema tem, por trás, uma religiosidade que o inspira. E toda religião é governada pelo sistema. E isso não tem nada a ver com salvação. É uma autodefesa natural que tenta se sobrepor sobre as circunstâncias geradas em causas e efeitos transcendentais. Essa lógica vai lidar diretamente com as condicionalidades e as preferências do sistema.

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O meu amigo pastor, ao ouvir minhas explicações, entendeu as razões pelas quais suas viagens "missionárias" não deram certo. Não tiveram resultados duradouros. Viu que viagens internacionais não têm nada a ver com missões. Missões têm a ver, sim, com espiritualidade verdadeira e transformação da realidade humana e social. Para você ter espiritualidade de impacto precisa estar vazio de religião e cheio de Deus. A cultura do Reino de Deus é completamente diferente da cultura religiosa.

As igrejas religiosas não somente levam abordagens denominacionais e expertises para as pessoas a diferentes lugares, como também trazem de volta as lições e, por vezes, novos costumes desenvolvidos em outros lugares em que operam. Algumas agências missionárias aprenderam técnicas de atividades evangelísticas ao observarem o modo como seus concorrentes operam tanto num determinado lugar quanto noutro.

Finalmente, a obra missionária, em sua essência, é o chamado para propagar o evangelho e levar a mensagem de Jesus Cristo a todas as criaturas, seja por meio de serviço, de testemunhos ou da pregação do Evangelho. Ela envolve a dedicação de tempo (planejamento e execução), recursos e esforços para compartilhar a fé, a verdade e promover o reino de Deus, seja em nível local ou em regiões distantes. De forma que a obra missionária é um chamado divino, um convite de Deus para que as pessoas se envolvam na propagação de sua mensagem.

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Nós, missionários, não somente pregamos o evangelho em forma de discurso — a palavra verbalizada — mas, principalmente, em forma de assistência e serviço às comunidades e pessoas que têm fome e sede de justiça. Enfim, igreja missionária constrói hospital para promover saúde na vida das pessoas. Igreja missionária constrói escolas de educação básica e superior para promover o desenvolvimento humano. Igreja missionária constrói centros de produção (indústria, comércio e campos agrícolas) para levar pão a quem tem fome. Igreja missionária cria editoras, rádio e canal de televisão para disseminação do evangelho em todas as partes. Todos estes serviços, enfim, são instrumentos de alcançar pessoas para Cristo.

Igreja missionária, finalmente, não vê apenas o que está distante, mas contempla os que estão perto, ao lado e no entorno. Ao ouvir isto, o meu amigo pastor missionário mudou de assunto e começou a pensar, refletindo sobre suas atitudes em ter gastado muito dinheiro da igreja com viagens internacionais enquanto na sua rua, no seu bairro, na sua cidade e no seu estado centenas e milhares de pessoas estavam passando fome e muitos morrendo sem Deus, sem paz e sem salvação.

Missão, finalmente, é espiritualidade verdadeira focada e aplicada nas comunidades no âmbito da realidade social. Missão é serviço e servir. É transformação, é caminhada e compromisso com a causa do Reino de Deus. A obra missionária exige um compromisso sério e sacrificial, icluindo tempo, renúncia, recursos financeiros e disposição para enfrentar desafios e dificuldades.

A igreja local desempenha um papel crucial na obra missionária, tanto no envio de missionários quanto no apoio a eles durante suas atividades. A obra missionária, portanto, não se limita a uma única atividade, mas abrange uma variedade de ações que visam a expansão do Reino de Deus, promoção de sustentabilidade e o bem-estar das pessoas.

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