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domingo, 30 de maio de 2021

ENTREVISTA: MAGNO PAGANELLI — A influência da literatura cristã no pensamento intelectual brasileiro


A influência da literatura cristã no pensamento intelectual brasileiro

Com mais de 30 livros publicados, o escritor e editor Magno Paganelli diz que o autor cristão precisa ler o seu tempo e ser imaginativo a ponto de poder dizer a mesma mensagem adequada à cultura e à linguagem do tempo presente.

  

Por Battista Soarez
(Entrevista solicitada originalmente ao jornal literário Tribuna do Escritor, em junho de 2014).

 

Foto: Divulgação / Dr. Magno Paganelli, escritor, editor e jornalista

Em obediência à vocação e ao talento, o paulista Magno Paganelli, 47 anos (época da entrevista), é um escritor que sabe definir, na ponta da pena, por que escolheu a missão de trilhar pelos caminhos das letras. Autor com mais de 30 livros publicados, Magno é criador e editor da Arte Editorial desde o ano de 2003. O autor nasceu em Araçatuba, interior de São Paulo, em 1967. Cresceu sob influência de uma vida jovial libertina, experimentou a dura caminhada solta na efemeridade das drogas e, aos 23 anos, se converteu à igreja evangélica. Num lampejo metafísico, o autor diz acreditar que literatura é tudo aquilo que julgamos “ser” ela mesma a partir de fatos corriqueiros. “Dentro do rótulo ‘literatura’, podemos colocar tudo o que as experiências humanas vislumbram em forma de texto”, pondera ele. Em 1995, publicou seu primeiro livro E então virá o fim e, dez anos depois, criou sua própria editora.

A partir daí, Paganelli decidiu mergulhar, por definitivo, nos estudos cristãos, sua maior fonte de inspiração literária. Graduou-se, inicialmente, em Teologia e Pedagogia, e, logo em seguida, fez mestrado em Ciências da Religião pela Universidade Mackenzie de São Paulo. Profícuo pesquisador e autodidata, o autor tornou-se membro do GT Oriente Médio e Mundo Muçulmano na USP (Universidade de São Paulo), onde fez doutorado em História Social. É professor de teologia, palestrante, jornalista e pesquisador dedicado. Seus mais de 30 livros publicados incluem E então Virá o Fim (Prêmio ABEC), Islamismo e Apocalipse, Estive Preso mas não Estive Só (romance que recebeu o Prêmio Areté), O Livro dos Diáconos, É Cristã a Igreja Evangélica?, Conflitos na Família, Qual a Sua Função no Corpo de Cristo, dentre outros. Em 2003, criou a Arte Editorial, editora com perfil cristão cuja missão é publicar obras que contribuam com a cultura e com o desenvolvimento de valores cristãos, dando suporte e oportunidade à formação de novos autores nacionais.

Em 2011, quando esteve em São Luís, Maranhão, para uma palestra com escritores, concedeu entrevista à rádio Universidade FM, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). A conversa com o autor focaliza a influência da literatura cristã no pensamento intelectual brasileiro. O jornal Tribuna do Escritor escolheu Magno Paganelli para esta entrevista exatamente por sua versatilidade, no âmbito da literatura e do mundo acadêmico, como escritor, diagramador, capista, editor, jornalista, educador, pedagogo e teólogo. Em matéria de produção literária, o entrevistado é polivalente: edita, faz capa, diagrama e distribui. De São Paulo, onde mora com a esposa Roseli e o pequeno Magninho, filho do casal, Magno Paganelli concedeu a seguinte entrevista.

 BATTISTA SOAREZ — Certa vez, o famoso sociólogo norte-americano Marshall McLuhan, falando para um grupo de escritores, disse que eles, escritores, eram nada mais que os últimos sobreviventes de uma espécie em extinção, pois já não servem para nada escrever e publicar livros. Isto se aplicaria, também, aos escritores cristãos?

MAGNO PAGANELLI — Sim, no sentido em que ele fez referência. Escritores são escritores, independentemente do estilo que adotam ou do tema com o qual trabalhem. O escritor cristão faz abordagens cristãs de todos os temas que toquem a sua vida e a experiência humana. Mas discordo de que escritores não sirvam “para nada mais”. Além disso, as novas tecnologias têm melhorado o produto “livro” e, portanto, a experiência de se ler um livro, além de produzir novos suportes e mecanismo mais democráticos para a existência e manutenção do livro. Escritores e livros, portanto, são uma necessidade eterna na historicidade do mundo e não há vida e evolução civilizatória sem autores e obras.

B. SOAREZ — Mas você não acha que, em termos do “pensar literário”,  a época em que se queimavam as pestanas à luz de lamparina não era mais produtiva, já que essas novas tecnologias parecem ter facilitado demais as coisas e, portanto, roubado um pouco ou quase tudo dos esforços do pensar intelectual?

M. PAGANELLI — Penso que não. Ao menos em um sentido. O escritor atento ao seu tempo saberá que não basta “ser mais um”. Para ser lido e ouvido, será preciso trabalhar, refletir, queimar as pestanas a fim de encontrar uma maneira de falar que “fale mais alto”. É a inovação que destaca no meio da massificação. Quem quiser ser mais um, será. Quem trabalhar mais, poderá se destacar.

B. SOAREZ — O que podemos considerar, de fato, literatura?

M. PAGANELLI — Penso que existem dezenas de definições de literatura. Como escritor, eu preciso experimentar estilos diferentes até encontrar o que mais se adeque ao que pretendo dizer ao público que almejo alcançar. Como editor, preciso considerar todo texto que chega até mim para ser avaliado, sem descartar inicialmente nenhum deles. Pois preciso compreender que cada autor que envia seu texto encontrou, em tese, o seu melhor estilo. Mas, acima de tudo, literatura é o meio pelo qual a experiência humana mais íntima toma contato com as mais amplas possibilidades de universalizar uma percepção da vida. Não importa se é poesia, romance, ensaio acadêmico, crônica, enfim...

Foto: Divulgação / Dr. Magno Paganelli

B. SOAREZ — Você falou em estilo e me faz entender que, por via da experiência humana, o escritor aguça sua percepção da vida a partir de um processo em que ele evoca, inicialmente, um princípio de busca “eu-ser-mundo”. E esta é a práxis no modus vivendi do contexto em que ele, como autor, quer construir seu texto. Neste sentido, a literatura depende de atitudes críticas para se fazer mais criativa? Ou ela simplesmente tira proveito de uma diversidade criacional livre, como propuseram os jovens escritores da semana de Arte Moderna, em 1922?

M. PAGANELLI — Não acredito que se consiga “uma diversidade criacional livre” sem, antes, dominar uma experiência pessoal, de vivência “eu-ser-mundo”. Só se consegue ser criativo dominando o seu campo, salvo se você for um iluminado, a exceção. Mas quem é a exceção? Quantos Mark Zuckenberg você conhece por aí? Quem de nós almoça ao lado do Pedro Bandeira todo dia? Ele vende mais que o Paulo Coelho, pelo menos quatro vezes mais! Penso que a literatura cresce à medida que nos dedicamos ao exercício de fazer literatura. Ser escritor de verdade é uma experiência diária e ininterrupta.

B. SOAREZ   Que diríamos, então? A literatura cristã é um jogo? Um passatempo? Um produto de anacronismos? Ou, acima de tudo, uma atividade artística, de modulações pluralistas, que tem exprimido alegria e angústia, certezas e dúvidas, aprendizados e enigmas no homem moderno? Que você acha?

M. PAGANELLI — Acho que dentro do rótulo “literatura” podemos colocar tudo isso e mais alguma coisa, porque, como disse, são experiências humanas em forma de texto. Então podemos catalogar experiências emocionais, intelectuais, científicas (mesmo cristãs ou com abordagem cristã), poesia, romances, história, ficção até. Enfim, não há tantas limitações. E não há anacronismos, pois estamos sempre lendo o passado, as experiências herdadas da própria humanidade e da Bíblia, que é um livro milenar de muitas culturas inspiradoras.

B. SOAREZ — Você acredita que o escritor cristão brasileiro é um produtor de conhecimento ou simplesmente um repassador de ideias e pensamentos já produzidos?

M. PAGANELLI — Não penso que somos simples duplicadores, repetidores de discursos literários, de alguém que já disse alguma coisa no passado. Com criatividade, o escritor cristão precisa ler o seu tempo e ser imaginativo a ponto de poder dizer a mesma mensagem adequada à cultura e à linguagem do tempo presente. Como o homem sempre está produzindo conhecimento, o escritor cristão precisará acompanhar essa dinâmica fazendo ajustes necessários de acordo com as novas demandas. Por exemplo, quando se discute o aborto, que é uma discussão recente, o escritor cristão deverá produzir reflexões a partir da sua abordagem cristã para a vida. Que implicações terá o aborto? Que contribuição ou não trará para a humanidade? A sua fé poderá dar contribuições a essa reflexão ou ela não deverá interferir nas decisões legais e pessoais sobre o tema?

B. SOAREZ — Você está dizendo que o escritor é um “construtor” a partir de verdades catalogadas da realidade social? Como ele pode empreender isso e ainda “burilar” sua originalidade? De que maneira isso ocorre, uma vez que a literatura exige uma intelectualidade que maneje bem as circunlocuções em suas abordagens para obter o resultado que pretende, ao gosto do leitor a quem pensa se dirigir?

M. PAGANELLI — Penso que aqui reside a questão do estilo pessoal. A verdade, como você diz, é “catalogada”. Está posta. O leitor precisa ser tocado pelo autor, mas o leitor também está buscando algo e encontrará o que procura, o que busca, quando ouvir o eco da sua voz. Por que alguns autores são tão queridos por determinados nichos? Porque ele dá eco ao que aquele nicho precisava ouvir. Se for romancista, “fala ao coração”. Algo assim. O autor precisa artificiar uma maneira atrativa de escrever ou narrar a realidade social, unindo verdade e agradabilidade persuasiva para que ele toque na alma do leitor e desperte nesse leitor um interesse incontrolável pela leitura de sua obra. E isso requer trabalho e dedicação.

B. SOAREZ — Qual é a sua maior dificuldade como editor? Ao escolher uma obra, você avalia exatamente o quê? O que você, como editor, procura no espírito literário de um autor?

M. PAGANELLI — No meu caso específico, eu procuro textos que tenham contribuições com a formação de uma reflexão e um pensamento maduro para a Igreja. Primeiro para os líderes, os que atuam diretamente no trabalho cristão em si, e têm isso como ofício. Tenho em mente o fato de que eles precisam de um preparo intelectual. Em consequência, isso deve refletir na formação dos membros. Assim, a dificuldade é encontrar algo inovador, pois a maioria dos textos repete o que já foi dito. Falta o hábito de ler, método e prática de pesquisa, uma cultura mais rica de se ler, refletir e produzir literatura. E penso que isso não é demérito do cristão brasileiro, mas em outro sentido é reflexo da cultura do país.

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"O escritor pré-Internet precisava
de ânimo para ir a uma biblioteca
e hoje ele acessa a biblioteca
deitado em sua cama."

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B. SOAREZ  Seria incorreto dizer, então, que essa procura pela cultura mais “rica” passa pela índole fragmentária do escritor em que, de fato, ele pudesse organizar perífrases realistas em função de uma política de conteúdo? E que isso tivesse padrões mais rígidos de comportamento impostos por via de uma moral essencialmente mais literária?

M. PAGANELLI — Todo escritor amadurece e, com isso, mudará ou aprofundará as compreensões anteriores. Assim, a busca pela cultura mais “rica” permanece, tanto no escritor, quanto no editor. Todos queremos avançar. Um autor não poderá atender as exigências de determinada editora ou linha editorial porque não é o seu público ou porque não amadureceu a tal ponto. Mas, num segundo ou terceiro momento, isso poderá ser possível.

B. SOAREZ — Você acha que a safra de escritores nos anos que antecederam o advento da Internet era mais criativa? Sua intelectualidade era bem mais densa do que a de hoje?

M. PAGANELLI — Eu penso que eram mais limitados. Hoje o acesso à informação ampliou-se muito, mas isso não produziu, ainda, um grupo, como você chamou, “mais criativo”. O acesso à Internet favoreceu o contato com novas e mais informações, mas muita gente ainda não tem o critério jornalístico que demanda pesquisa, apuração, cuidado com as fontes e com a verdade. O escritor pré-Internet precisava de ânimo para ir a uma biblioteca e hoje ele acessa a biblioteca deitado em sua cama. Mas ele não desenvolveu, ainda, um pensamento criterioso, salvo aqueles escritores que possuem maior formação acadêmica. Mas mesmo esses, em muitos casos, produzem enquanto estão nos ambientes da produção científica. São poucos os que levam isso à frente.

B. SOAREZ — Mas será que, com as novas tecnologias da informação, a mente das pessoas não ficou bem mais “preguiçosa” em relação ao exercício criacional e produtivo, principalmente no que tange ao quesito originalidade?

M. PAGANELLI — A população mundial aumentou consideravelmente. O Brasil quase dobrou a sua população em quarenta anos. Com isso, certamente, a massificação ocorreu, mas sempre haverá um nerd querendo cortar caminho, abrir caminho, inventar ou criar novos caminhos. Há 10 anos, o self publishing era um projeto promissor. Hoje, é uma realidade. E alguns, naquela época, diziam que as editoras quebrariam com esse modelo. Hoje, os editores procuram autores que se publicaram para lançá-los. Veja, por exemplo, os 50 Tons de Cinza, que “criou” um novo gênero. Vai durar? Enquanto tiver leitores, sim. Penso que passará. Mas mobilizou parte da indústria do livro. No meio cristão, tivemos a onda da batalha espiritual. Cadê os livros do Daniel Mastral? Hoje estão no fundo da livraria. Depois, nem isso. Só serão achados nos sebos.

B. SOAREZ — Quase não se fala em escritores cristãos brasileiros do passado. Os que existiram, produziram pouco. Há alguém que teve alguma influência literária, além de alguns estrangeiros, é claro?

M. PAGANELLI — A produção literária brasileira é relativamente recente. Tudo era muito caro. Até a década de 1980, por exemplo, era preciso imprimir 20 mil, 30 mil exemplares de uma obra para poder vendê-la a um preço justo. Quem poderia sustentar isso? Só poucos. Soma-se a isso o fato de uma tradição igualmente recente. O pensamento teológico cristão, por exemplo, era insipiente. Os missionários que controlavam os rumos da nossa Igreja não apoiavam facilmente o pensamento autóctone. Preferiam trazer os seus autores e traduzi-los. Só de uns anos para cá, os brasileiros passaram a controlar os meios de comunicação. Mas também não tinham, à sua disposição, bons nomes para publicar. O recurso era manter autores estrangeiros. Mas no início dos anos 2000, simultaneamente, algumas editoras começaram a focalizar autores nacionais, desenvolvendo obras com reflexão sobre o caso e os problemas nossos, com a vivência local, para as demandas locais. Mas há mais um detalhe que, penso eu, faz com que os primeiros autores, das décadas passadas, não sejam tão lembrados como poderiam. A produção da informação recente demanda uma linguagem para o homem de hoje. Autores do passado eram mais simples, mais cultos, mais densos. O leitor de hoje não consegue acompanhar aquele pensamento, porque são mais rasos culturalmente — embora tenham acesso a um oceano de informação, são mais imediatistas, querem receitas prontas — ao passo que o escritor do passado escrevia para formação, e não apenas para informação.

B. SOAREZ — Por que que o gênero romance é pouco explorado pelos escritores cristãos?

M. PAGANELLI — Penso que por dois motivos, pelo menos. Um, porque falta cultura de leitura, leitura de literatura geral, dos clássicos. Outro, porque o púlpito das igrejas demanda o conhecimento de um conteúdo que está organizado sistematicamente e, assim, as obras com cunho mais “técnico” têm prevalência sobre a literatura do gênero romance, contos etc.

B. SOAREZ — Você escreveu um romance, o Estive preso, mas não estive só. Que, inclusive, ganhou o Prêmio Areté de Literatura! Em sendo um autor de ensaios cristãos, você teve dificuldade de organizar um romance? Na prática, qual foi o maior óbice para você se manter fiel ao gênero?

M. PAGANELLI — Foi um romance baseado em fatos reais onde o personagem central era eu mesmo. Uma autobiografia na qual todos os nomes dos personagens, inclusive o meu, foram mudados, para preservar a privacidade das pessoas. Isso facilitou sobremodo a composição do texto, porque parte da dificuldade fora superada pelo fato de eu “ter” a história já experimentada em mim. Mas havia a dificuldade da construção de um texto com mais vozes. Como você disse, eu escrevo ensaios. Assim, li alguns autores consagrados à procura de uma referência que pudesse funcionar com o que eu queria. Encontrei, notei que era uma receita simples, mas muito poderosa e o resultado agradou. Já encontrei dezenas de pessoas que disseram ter lido o livro em dois dias, porque a história as prendeu ao livro. O livro foi premiado por um júri experiente. Penso que acertei.

B. SOAREZ — Quem você aponta como um grande escritor cristão brasileiro? Alguém que realmente exerceu influência na literatura cristã nacional?

M. PAGANELLI — Há gente que publicou muitos livros e deu uma importante contribuição com a disseminação do pensamento cristão, que foi o Caio Fabio. Seus sermões eram vertidos para livros e isso espalhou-se como fogo em mato seco. Mas não significa que ele seja um grande escritor. De fato não o é. Há autores mais novos que também venderam muito, mas sua obra é datada. Souberam explorar a curiosidade latente do seu tempo. Mas, passados dez anos, ninguém mais se interessa pelo que escreveram. Então, não posso dizer que sejam grandes escritores. Eu penso que ainda vamos precisar de uns anos para poder dizer este ou aquele, de fato, foram homens à frente do seu tempo.

B. SOAREZ — O Caio Fábio, inclusive, escreveu um romance, o Nephilim. Apesar de a obra ser de boa qualidade, ele não voltou a escrever mais nada no gênero. Você acha que o público cristão brasileiro não aprecia muito ler romances? Ou está faltando uma política de incentivo à leitura mais acentuada?

M. PAGANELLI — Um pouco de ambos. Mais da primeira opção. Uma política de incentivo pode gerar bons resultados. Mas o público cristão demonstra maior interesse por livros de práxis cristã, que sejam as receitas (faça isto, experimente aquilo). Que seja um material mais teológico (não tão acadêmico, no sentido secularizado). Se um autor der uma palestra e comentar sobre um livro de testemunhos, o livro será procurado. Eventualmente, eu menciono a minha experiência no livro Estive Preso, mas Não Estive Só e as pessoas procuram no final da palestra. É um romance. Se eu der uma aula e falar do livro sobre tipologia bíblica, as pessoas irão querer o livro Onde Estava o Cristo. Elas precisam de um tutor experiente que diga o que há nos livros. Então, irão atrás.

B. SOAREZ — Certos livros são muito conhecidos. Estão nas vitrines de qualquer livraria e todo mundo [que tem o hábito de ler] sabe dizer o nome de seus autores. Isso se deve a que, exatamente?

M. PAGANELLI — Um motivo é o que apontei: autores que souberam explorar alguma demanda, alguma tendência ou moda. Então fizeram nome rapidamente. Outros alcançam isso porque têm uma máquina por trás, seja a denominação, seja a mídia como a televisão, que pode impulsionar um livro, sem que necessariamente esse livro seja realmente imprescindível. E outros têm a sorte de serem publicados por editoras fortes, ricas, influentes. Fora desse eixo, não vejo como um autor ganhar as vitrines de lojas e livrarias, embora possam ser bem aceitos pelo público que ouve suas palestras, aulas e estejam mais próximos a eles.

B. SOAREZ — Neste caso, o que está faltando? Os movimentos literários são tímidos, orgulhosos e melancólicos a ponto de não poderem se organizar em função de uma política literária mais patente?

M. PAGANELLI — Eu não tenho respostas fáceis para essa questão. Há uma máquina em andamento e essa máquina é movida a dinheiro. Sem dinheiro não há muito o que fazer, salvo um evento sinérgico, que consiga reunir interesse do público por alguma demanda ou por alguma resposta, um grupo de promotores, editores, autores, facilitadores, e os meios que facilitem esse encontro de ambos os lados, o texto e o seu leitor. Precisamos de uma Semana de Arte Pós-moderna Cristã! (Risos).

B. SOAREZ — Numa ocasião, perguntaram ao escritor William Faulkner sobre que técnica empregava para chegar ao seu padrão na redação de um texto. Ele respondeu: “Que o escritor se dedique à cirurgia ou à profissão de pedreiro, se se interessar pela técnica. Não existe meio mecânico algum para se escrever. Nenhum atalho”. E em seguida explicou que o jovem escritor seria um tolo se seguisse uma teoria [literária]. Como Faulkner, você acha que a gente aprende pelos seus próprios erros? Que, como bom artista, possui a suprema vaidade de aprender errando?

M. PAGANELLI — Hoje há cursos com especialistas em literatura que ensinam a produzir bons textos. E há aquele “escritor espermatozoide” que fura o bloqueio e se dá bem depois de passar por um curso desses. Mas não são todos, evidentemente. Acredito que a pessoa que sente vontade de destacar-se como autor deve começar a praticar e estudar os estilos possíveis até encontrar o seu próprio estilo. A prática da escrita leva a um estilo pessoal e isso vem de tentativas, erros e acertos. Penso que Faulkner quis dizer algo nesse sentido: exercite-se até desenvolver a sua própria técnica, até encontrar o seu estilo, ajustado ao seu mundo e aos seus propósitos. A simples organização de um texto, com “começo-meio-e-fim”, já indica uma técnica. Se o autor quiser fazer uma inversão dessa ordem, criará a sua própria técnica.

B. SOAREZ — O que você diria a respeito do discurso literário para o mundo de hoje? Que principais indagações ele faria e, ao mesmo tempo, seria capaz de responder?

M. PAGANELLI — Sim, há o que dizer. Penso realmente que há muito o que dizer. Mas hoje é preciso pensar mais antes de sair “dizendo” o que se pensa. Cristãos, hoje, têm discurso para ser ouvido e lido em qualquer campo do conhecimento humano. E com relevância. Mas é preciso abandonar o simplismo — não a simplicidade. O reducionismo pode ser fatal, mas um discurso consistente e bem elaborado terá ouvidos atentos, ainda que a esse ouvido atento corresponda uma boca discordante. O “ouvido ouvirá” se o discurso for bem articulado, com simplicidade, relevância e coerência persuasiva. Se tocar em questões prementes e se colocar no seu devido lugar.

B. SOAREZ — Como manifestação artística, a literatura procura recriar a realidade. E cada autor tem sua visão fundamentada em seus próprios sentimentos reais, pontos de vista, seu estilo e sua maneira particular de proceder nas narrativas. No seu modo de ver, o que difere a literatura de outras manifestações artísticas?

M. PAGANELLI — A literatura difere no suporte, apenas. Uma pessoa não pode, simplesmente, colorir uma tela para obter uma obra de arte. Ela precisa conhecer sobre composição de cores, luz e sombra, perspectiva, gênero e estilo pessoal. O escritor também precisa ter noções mínimas, ter vocabulário, saber manipular argumentos, construir raciocínios consistentes, contextualizar e, finalmente, persuadir. Todas as manifestações artísticas dependem de ferramentas próprias. E a literatura tem as suas.

Foto: Divulgação / Dr. Magno Paganelli

B. SOAREZ — Como se faria isso? Você está falando de um retorno à biopsicoética, para sermos mais específicos em matéria de literatura?

M. PAGANELLI — Não, não. Não precisamos voltar, mas avançar. Não dá para resgatar movimentos passados. Mas podemos usar um ou outro elemento que possa ser adequado ao movimento presente. Se as ferramentas e os suportes são novos, usemos as ferramentas e os suportes novos. Mas é preciso que se tenham atitudes críticas, criativas e harmônicas para que possamos, enquanto escritores, apreender, vivenciar e repassar o melhor da vida para aqueles que nos leem.

B. SOAREZ — Isso parece algo, digamos, mais genérico. Essa mesma regra e diferença se aplicam, também, à literatura cristã?

M. PAGANELLI — Aplica-se enquanto é literatura. Mas o restringente “cristã” faz com que um ingrediente a mais esteja presente, que é a régua da Bíblia e até da tradição teológica do autor. O seu olhar passará, em algum momento, pelas lentes dadas pela sua abordagem “cristã” do assunto com o qual ele lida.

B. SOAREZ — O que diferiria, então, um texto “literário” de outro texto que não possui essa mesma característica?

M. PAGANELLI — Penso que texto literário é texto literário. Costumo dizer que há gente para ler de tudo o que alguém possa escrever. Basta ter uma bela capa e um bom vendedor. Mas a boa literatura é aquela que permanece na lembrança das pessoas, independente se ela cai ou não no gosto da crítica. Ou se ela segue ou não as regrinhas do jogo. A literatura precisa falar à alma dos seus leitores, sejam eles emotivos ou racionais, cultos ou simples [de senso comum]. Se conseguirmos escrever um texto que acelere o coração do leitor, que ilumine os seus pensamentos, que seja ele instrutivo nalgum ponto de sua vida. Teremos conseguido, então, um bom texto literário.

B. SOAREZ — Que parecer você daria para os jovens escritores e intelectuais que estão surgindo agora? Sobretudo para aqueles que estão nas universidades, como os estudantes do curso de letras, por exemplo?

M. PAGANELLI — Que procurem dominar a técnica, mas não extingam o espírito, nunca. Num mundo técnico e tecnológico, você não terá lugar ao lado de ninguém se não dominar a técnica. Mas se quiser sobressair-se, se quiser ir à frente — e não somente ficar ao lado — mantenha aceso o espírito. É ele que fará de você um pensador criativo. E no encontro da técnica com a criatividade está a receita que todos procuram para se tornarem bons autores.

 – Fim –

sábado, 29 de maio de 2021

ENTREVISTA: DR. JOMAR CÂMARA — Subprocurador-geral do Estado do Maranhão

 

ENTREVISTA: DR. JOMAR CÂMARA

“Faltam planejamento e gestão”

Subprocurador-geral do Maranhão fala das ações da Procuradoria Geral do Estado e diz qual deve ser o caminho do desenvolvimento

  

Por Battista Soarez
(De São Luís MA)

 



Depois de 35 anos de carreira defendendo ações de interesse do Estado, o subprocurador-geral do Maranhão, Dr. Jomar Câmara, 62 anos, soma experiência suficiente para apontar o que deve ser feito para que o Estado, tido como o mais pobre do Brasil, entre no cenário do desenvolvimento e mude essa imagem perante o país. “O que está faltando é simplesmente planejamento e gestão”, ressalta ele, indicando que tudo deve começar com a elaboração de um plano com diretrizes que orientem os gestores públicos sobre o que fazer com tanta riqueza que se tem em todas as regiões do Estado. Câmara explica que muita coisa deve ser ajustada no Maranhão, inclusive com relação à política fundiária e aos municípios que estão inadimplentes por falta de prestação de contas dos recursos oriundos de convênios que lhes são repassados. Nesta entrevista, concedida na sua casa em São Luís onde mora com a família, ele diz, ainda, que não acredita que no Brasil exista ideologia comunista ou marxista. O que existe, segundo explica, são interesses pessoais, apoiados em pensamentos políticos antagônicos, de esquerda ou direita, que nunca se entendem em prol de um projeto social coletivo, que beneficie a todos igualitariamente. Segue a entrevista.

LEITURA LIVRE — Qual é, de fato, o papel da Procuradoria Geral do Estado? O que faz um procurador?

JOMAR CÂMARA — A Procuradoria Geral é um ente maior. É a instituição constitucional que representa o próprio Estado. Porque é isso que está no texto da Constituição Federal. Cada estado da federação tem que organizar as suas procuradorias gerais. Por que? Porque são elas que cuidam do próprio Estado, que é um ente de direito público interno. Por que direito público? Porque a estrutura organizacional, dentro do organismo ou do universo jurídico, existe para cuidar da “coisa” pública. Nessa estrutura, vamos encontrar a figura dos procuradores, que são pessoas formadas em direito, devidamente habilitadas para participar de um certame em concurso público e, uma vez aprovadas, mediante também títulos e notas, são ingressas no serviço público, com nomeação, dentro dos critérios que norteiam os princípios da administração pública que estão inseridos no artigo 37 da Constituição Federal/88, bem como na Constituição Estadual. Cada estado, claro, tem a sua própria constituição. Então, somos operários do direito que patrocinamos a defesa do Estado.

L. LIVRE — Se a Procuradoria representa o próprio Estado, basicamente quais as matérias de que ela cuida?

JC — Antes de tudo, é importante dizer que os procuradores são os representantes judiciais e extrajudiciais do Estado. Mas, também, deve-se esclarecer que os procuradores não têm o poder de transigir e firmar acordos, porque isso é matéria governamental, do chefe do executivo. Todavia, em defesa do Estado, nós podemos patrocinar todos os atos inerentes aos interesses e direitos do próprio Estado, indo até aos interesses da dívida pública. Nós, portanto, defendemos o Estado na esfera penal, na esfera judicial, propriamente dita, em quaisquer ações. Ofertamos pareceres e defesas até nas ações de usucapião, na matéria trabalhista, na matéria tributária (que é a fiscal), no contencioso fiscal, na administrativa, judicial, documentação, na defesa do patrimônio e do meio-ambiente. Só que todas essas questões têm uma infinidade de ações de interesse do cidadão e do Estado em todas as matérias do Direito nas quais se defende e se ajuíza ações, passando, inclusive, por mandados de segurança.


L. LIVRE — Como assim?

JC — Todas as ações que, enfim, são digitadas ou nomenclaturadas no Código de Processo Civil (CPC) nós temos o direito de, uma vez o Estado sendo acionado, patrocinar a defesa do próprio Estado. Agora, em cada Procuradoria, há determinada competência. Porque a Procuradoria Geral é dividida por procuradorias especializadas. A minha, por exemplo, é de patrimônio e meio-ambiente. Logo, as matérias relativas a patrimônio e meio-ambiente do Estado, como um todo, vão para o meu setor. A procuradoria fiscal, por sua vez, trata das questões fiscais. A trabalhista trata das questões trabalhistas e, assim, sucessivamente.

L. LIVRE — Isso significa que a Procuradoria advoga em causas de interesse público que pode beneficiar toda a população?

JC — Esse é o mister da Procuradoria. É defender o Estado em benefício do próprio Estado. Como dito anteriormente, na esfera judicial, na extrajudicial e no assessoramento. Para que? Para que a população do Estado do Maranhão tenha, a rigor, melhores condições de vida, seguindo os padrões norteados pela Constituição Federal de 1988, que é uma constituição cidadã. Em regra, essa estrutura organizacional está definida no artigo 3º da lei que organiza a Procuradoria, que é a Lei Complementar 020/94. E a atuação de cada procurador é especificada no artigo 10 dessa mesma lei.

L. LIVRE — Então, nessa relação, o senhor, como subprocurador do Estado, tem muita dor de cabeça com os municípios?

JC — Demais (risos...). Porque existe uma coisa, na administração pública, chamada CEI (Cadastro Estadual de Inadimplentes). Ou seja, praticamente, todos os municípios do Estado do Maranhão estão inadimplentes por falta de prestação de contas relacionada aos recursos dos convênios que lhes são repassados, voluntariamente, isto é, recursos públicos, depois de celebrados esses ditos convênios. Resultado: sempre eles dizem que não é deles a obrigação de pagar, atribuindo a omissão sempre a um ex-gestor.

L. LIVRE — E aí...? Fica por isso mesmo?

JC — De fato, eles nos dão muito trabalho. Mas, desde 2017, o atual governador, Flávio Dino, por orientação da Procuradoria Geral do Estado, emitiu um Parecer Normativo em que não é preciso que os prefeitos — uma vez os municípios estando inadimplentes nas áreas prioritárias básicas para a vida humana, como saúde, assistência social, educação — possam celebrar convênio sem que seus municípios estejam regularmente..., o seja, que o seu município não esteja inscrito no Cadastro Estadual de Inadimplentes. Isto é, no meu setor. Eu costumo dizer que se a gestão da administração pública do Maranhão, independente de quem seja o governador, fosse mais eficaz, o estado arrecadaria, das dívidas dos municípios, um volume de dinheiro muito grande que poderia somar no sentindo de ser reinvestido em políticas públicas. Asfalto, estradas vicinais, escolas, posto de saúde, unidade mista para os municípios (principalmente para a população da zona rural que tem uma carência muito grande nessa área), contratação de pessoal e uma série de outros fatores. Essa é a minha opinião. Porém, na verdade, o que a gente vê é a omissão dos gestores quanto à prestação de contas em qualquer época da vida pública no Estado.

L. LIVRE — Nesse caso, o que pode ser feito?

JC — É meio difícil. Porque têm as ações competentes para serem ajuizadas contra os municípios. Vejamos: por falta de não pagamento de precatório ao Estado, tem uma ação específica que os procuradores podem promover. Eu, de vez em quando, lanço a mão nesse instituto jurídico e promovo ação em face dos prefeitos devedores no Tribunal de Justiça, que resulta em intervenção. Nos casos de não prestação de conta, de convênio recebido junto ao Estado, uma vez o Estado informado através de suas secretarias, a procuradoria pode acionar o município e cobrar essa dívida. Pode ser cobrada, também, até junto a determinado órgão de classe como, por exemplo, uma associação de moradores, de uma comunidade “X”, de qualquer povoado, que recebeu determinado recurso, digamos, para fazer um poço, e o presidente dessa associação não prestou conta do dinheiro recebido. Uma vez sendo-nos informado, nós vamos adotar, junto à autoridade judiciária competente, a ação para que o Estado seja ressarcido. Também tem o Ministério Público, em seu favor, os institutos da ação civil pública e da improbidade administrativa contra esses gestores. E o procurador, se entender que deva representar contra qualquer mau gestor, pode assim o fazer.

L. LIVRE — Como o senhor vê as relações políticas no Maranhão, nos últimos anos, com um governo neoliberal no âmbito federal e a gestão Flávio Dino, que tem um viés ideológico de esquerda, costurando sempre uma política de tendência socialista? Isso não tem atrapalhado, de certa forma, o desenvolvimento do Estado?

JC — Na verdade, eu não acredito, segundo o que é de fato o marxismo, que exista no Maranhão ou no Brasil alguém que se diga eminentemente marxista ou comunista. Não acredito. O que eu acredito é que haja grupos ou pessoas que defendem interesses pessoais ou particulares em detrimento de uma determinada linha de pensamento. Então, com isso, trazendo esse comparativo para a estrutura do Estado, enquanto ente federado, o que ocorre, segundo minha visão? Ocorre que o Maranhão, ao longo dos anos, foi pautado a defender uma bandeira. Mais recentemente, por oito ou mais anos, se pautou a defender outra bandeira, dizendo-se tendenciosa, segundo a mídia, a ser de esquerda. Mas será que existe mesmo essa bandeira de esquerda a ser defendida? Eu, particularmente, não acredito nisso. Nesse viés, contextualizando a história política do Maranhão, e trazendo isso para a realidade social e política de hoje, nós vamos encontrar um Estado em que a sua economia, se sofreu alguma modificação, algum superávit, não significa dizer que retornou esse superávit em capital de giro para ser resguardado à sociedade como um todo.

L. LIVRE — Por que?

JC  Porque, se assim o fosse, não estaríamos enfrentando o problema da pandemia da maneira como estamos enfrentando. Não estaríamos enfrentando o problema da educação como estamos enfrentando. Não estaríamos enfrentando o problema da segurança como estamos enfrentando. O da educação como estamos enfrentando. Assim, o que é fazer política neoliberal?  É isso que se apresenta no presente? Não sou economista de formação. Mas, como sou formado em Direito e procurador do Estado, tenho a obrigação de, pelo menos, aprender o que é política, o que é administração pública e o que é economia. Diante de tudo isto, somos obrigados a conceber a ideia de que a política econômica, adotada hoje em nosso Estado, é nociva ao povo maranhense. Logo, não se vislumbra nada de desenvolvimento.

L. LIVRE — Subprocurador, o Maranhão é um Estado muito rico. Por que? Porque é um Estado que tem muita água, muita terra, muito minério e uma biodiversidade invejável. Por que, com tudo isso, ainda é visto como o Estado mais pobre da federação? Na sua visão, como um homem que faz parte da estrutura do Estado, o que realmente está faltando para que a gente encontre o caminho do desenvolvimento?

JC — Na verdade, ele não é visto como o Estado mais pobre. Ele é o mais pobre. E isso por falta de política pública governamental. Falta de gestão. Quando eu falo de política pública, não é querendo buscar dinheiro. Não. Não é isso. Eu falo de gestão pública voltada a direcionar um plano diretor. Plano esse que estabeleça diretrizes em que o maranhense e aqueles que vêm buscar recursos, ou celebrar convênios, ou efetuar trabalhos, ou residir aqui, ou seja, que venha fazer aquele feedback na economia — sendo empresa multinacional ou estadual, ou privada, não importa, fomentando a economia — possam se sentir valorizados e ter fruto ao final de cada período, sem esquecer de que o Estado tributa tudo aquilo que lhe é permitido através de lei. Por conseguinte, na minha concepção, a falta de uma política estruturada e de um planejamento técnico abalizado, em todas as questões públicas, é o nosso maior problema.

L. LIVRE — Como seria feito isso, então? Falta que tipo de iniciativa?

JC — Para se ter uma ideia, o Maranhão, se fosse dividido por regiões, como já o é geograficamente, mas se fosse dividido por no mínimo cinco regiões, saindo dos Cocais à Baixada, ou da região Tocantina ou à região Metropolitana, você encontra muita riqueza, inclusive em termos de biodiversidade, como você falou. Só que essa riqueza você não sente ou não percebe. Porque não há um fomento. Só que, se você andar o Maranhão de ponta a ponta, como eu já andei e ando, o que que ocorre? Ocorre que, se você chegar na região de Maracaçumé a Godofredo Viana, você encontra ali muito ouro. Para onde vai essa riqueza? Para grupo de pessoas? Ou para uma pessoa específica? Será que as empresas que operam extraindo ouro por aquela região estão trazendo algum retorno para o Maranhão? Como está ocorrendo essa relação? Você tem ideia?

L. LIVRE — Entendi. Mas...

JC — Será que isso está trazendo algum retorno para a fazenda pública estadual, que tem uma conta específica, a conta do tesouro? Por certo não. E mais: será que os órgãos públicos estaduais e federais habilitam (fornecendo legalmente as licenças) para pessoas ou empresas extraírem essa riqueza mineral? E fazer com que essa riqueza volte legalizada para os cofres públicos, ou seja, tributada? Se você for mais adiante, na região de Carutapera, você encontrará riqueza e, por lá, você acha também a empresa Aurizona explorando nossas riquezas. Isso vem acontecendo há décadas. Indo por dentro de Turiaçu, você vai sair em Cândido Mendes. Aquela região toda é aurífera. Por que não se faz um plano diretor para explorar e se comercializar esse minério, gerando riqueza para o povo do próprio Estado, garantindo a vida sadia do meio-ambiente, sem aquela sequela de impacto ambiental como aconteceu em Brumadinho e em outras localidades do país? Outra coisa: por que a ponte que liga São Luís aos municípios da baixada e litoral maranhense, em Bequimão, não saiu? O que que está faltando? Será que é preciso o governo federal vir e fazer como fez no rio São Francisco?

L. LIVRE — São questões bastante pertinentes. O que fazer? Por onde começar? Quem dará o pontapé inicial?

JC — Pois é. Você mitiga tudo isso e vê que está faltando interesse público. Porque, se não há interesse, o cidadão vai ficar sempre à mingua, dependendo de migalhas, porque não há desenvolvimento. Se não mudar isso, o pobre vai sempre continuar pobre e sem escola. O empresário vai ser sempre o privilegiado da vez. O agronegócio sempre vai atender a um grupo minoritário. E o meio-ambiente sempre será afetado, quer na baixada, quer no sul do Maranhão. Porque o instituto que trata da questão da terra no Maranhão, o ITERMA, não tem o poder de assegurar a legitimação do próprio território. O que que ocorre? Ocorre que, se você chegar em Tarso Fragoso, que é sul do Maranhão, você vai encontrar uma gleba muito grande, que é Data Babilônia, na Serra do Penitente. Ali já fizeram grilagem, sob argumento de prática de agronegócio. Até aqui na região metropolitana existe grilagem urbana. Tudo isso sempre nos dando muito trabalho. Então, a situação é mais complexa do que imaginamos.

L. LIVRE — Parece estar claro, na sua fala, que o senhor acredita que está faltando investidores sérios. Que pensem no desenvolvimento de todo o estado e não apenas nos seus interesses particulares. Estou certo?

JC — Falta para o Maranhão uma política fundiária adequada. E dentro dessa política fundiária, falta uma política de gestão. Olha a região onde se encontra o município de Santo Antônio dos Lopes. Ali, hoje, é possível trabalhar um desenvolvimento local que pode beneficiar toda a população dos municípios do entorno. Contudo, não vemos trabalho e desenvolvimento nos municípios da região, mesmo sabendo que eles recebem royalties pela produção de gás natural que existe por lá. Existe, ainda, o consórcio intermunicipal e intermodal, composto por 25 municípios ao corredor da Vale S.A., constando aqui o de São Luís. Eu pontuo aqui, também, São Pedro dos Crentes, onde foi descoberta uma reserva muito grande que pode ser explorada. E aí? Não está faltando uma política de gestão para tudo isso? Só que, para trabalhar essas questões, você tem que envolver na discussão o governo federal e municipal, passando pelo estadual. Tem que ser legitimado e não contrariar o direito de posse ou o de propriedade extraídos do direito à terra previsto no Código Civil e na Constituição Federal, uma vez que se tem o Estatuto da Terra. Quer dizer, além da Constituição Federal, tem uma lei infraconstitucional chamada Estatuto da Terra.

L. LIVRE — Na prática, isso quer dizer o que?

JC — Que é necessário que haja uma política voltada para assegurar o potencial de reserva que nós temos. Porque só esse potencial nos assegura melhores condições de vida. Para isso, temos que ter uma visão profunda, técnica, científica, para extrair e arrecadar. E aí, sim, o Maranhão passaria a ser desenvolvido como foi, na época colonial, um dos primeiros estados da federação.

L. LIVRE — O senhor falou, ainda há pouco, de consórcio intermunicipal e intermodal. Qual o retorno disso para o Maranhão?

JC — Para ser honesto, nenhum maranhense vê. Porque diz que tem como princípio proporcionar desenvolvimento e indenização para todos os municípios. Sou procurador há 35 anos, hoje já sou subprocurador-geral, em vias de me aposentar, e nunca vi, durante a existência desse consórcio, nenhum retorno. Para onde vai a riqueza explorada, ou por explorar, ou transportada pela Vale S.A.? O que os municípios do corredor da Vale recebem pelo Consórcio Intermodal? A menos que alguém da fazenda pública do estado mande uma planilha informando a Procuradoria, especificamente para o meu setor, já que se trata de patrimônio, nada se sabe. Então, é inócuo. Não há uma rentabilidade para o Estado. Por que que o Ministério Público não investiga e não procura saber? Tem que ser provocado? Não. Não precisa ser provocado. Quem precisa ser provocado é o magistrado, que não pode agir de ofício. Mas o Ministério Público não precisa, porque se trata de ação pública. Há muita riqueza explorada e nada para o Maranhão. A rigor, temos os mais diversos crimes contra o meio ambiente, continuadamente praticados, a começar pela região do Itaqui, na qual não se pode mais respirar ar puro, por conta da poeira dos minérios, sem falar na falta de arrecadação sobre bens e serviços etc. E mais: têm crimes por parte das diversas empresas, dos navios que ancoram para o transporte de cargas que sequer tratam a água do lastro. Tudo isso pode gerar tributação. Mas o governo brasileiro é muito maleável com as coisas. Tudo, por aqui, é muito fácil.

L. LIVRE — No início desta entrevista, o senhor disse que o procurador do Estado, de meio-ambiente e patrimônio, oficia nas ações de usucapião. Por que?

JC — Vamos por parte. A ação de usucapião é uma ação prevista no Código de Processo Civil. Para que serve? Serve para que alguém que detém uma certa posse, desde que seja pequena, e aí tem o tamanho especificado na lei, ele vai a juízo e diz, através de advogado devidamente constituído, que ocupa uma posse de uma área “X”, mansa e pacificamente, e com caráter ininterrupto, com animus domini, por determinada quantidade de anos. Feito isso, ele junta um memorial descritivo da área, planta da situação do imóvel e os documentos indispensáveis para requerer e promover a ação. Sendo casado, certidão de casamento, identidade, CPF e, enfim, os documentos pessoais, certidão negativa de débito, cadeia dominial ou certidão centenária. Recebida essa ação no Fórum onde é proposta, o juiz dá um despacho e manda oficiar a fazenda pública estadual, a federal e a municipal, para saber se aquela área é do município, do estado ou da União. Com isso, esses três entes públicos de direito interno têm que ser oficiados no processo.

L. LIVRE — E depois disso?

JC — Tem que dizer se tem ou não interesse e motivo no qual reside o interesse. Existe a usucapião ordinária, a extraordinária, a urbana, a rural, a tabular e, enfim, uma série de nomes que se podem dar, dependendo da situação da área onde ela esteja encravada, e do ano de posse. E hoje, com a reforma processual, você pode ir direto ao Tabelionato de Notas — os Cartórios de Serventia Extrajudicial — e de posse daqueles documentos mencionados, em vez de ser resolvido na justiça, o Registrador Tabelião envia para a Procuradoria. E a Procuradoria emite um parecer dizendo se tem ou não interesse. Existem alguns casos em que o procurador formula uma diligência ao INTERMA e este nos condiciona sobre o teor daquela área. Aí o procurador informa para o juiz se o Estado tem ou não interesse. Porque tem que saber se aquela questão é propriedade pública ou privada, ou se é terra devoluta. O Maranhão é um Estado que tem um grande índice de ações de usucapião. Mas tudo isso acontece por falta de uma política fundiária adequada para assegurar a detenção da posse. Porque ninguém pode deter a propriedade por via clandestina, violenta, precária e indireta. Seguimos sempre a Constituição Federal que reza que todo cidadão tem direito à vida, à liberdade e à propriedade. Isso quer dizer que mesmo a pessoa menos favorecida tem direito à moradia.

L. LIVRE — Nesse caso, o que está faltando para que haja diálogo entre os três entes? A SPU/MA, por parte do governo federal, o município e o executivo estadual para resolver essas demandas? Como em São Luís, por exemplo?

JC — Tendo participado de audiências, defendendo os interesses do Estado, na justiça federal e na justiça comum, na Vara de Interesses Difusos e Coletivos, em São Luís, nos últimos dois anos, vejo que sempre se fez presente o Superintendente do Patrimônio da União (SPU/MA), Coronel Monteiro. E o que eu tenho notado e sempre fiquei satisfeito, é que ele chega nas audiências é para resolver. E é difícil você encontrar isso em um homem público, que chega com a vontade de querer resolver. Eu vejo isso no Coronel Monteiro e fico analisando isso como algo bom para o Estado do Maranhão. Vou mencionar um caso bem específico: o da Chácara Itapiracó, que é uma emblemacia muito grande, bem ali no Turú. O Coronel Monteiro chegou para resolver. Quanto ao atual prefeito, Eduardo Braide, está muito recente. Vamos esperar um pouco mais de tempo para ver até que ponto ele vai se preocupar com essa questão. Com relação ao executivo estadual, eu, como procurador, tenho o direito e a obrigação de defender o Estado em tudo o que ele for chamado. Mas, em 35 anos como procurador, repito, não vejo uma política fundiária voltada a assegurar a legitimação da terra. Então, falta interesse de dois entes aí na situação, que é o ente municipal e o ente estadual. Para que, unidos ao ente federal, possamos dirimir essas questões e resolver a problemática institucional que nos assola, como essa da posse e da propriedade. Só com a união e a força desses três entes poderemos sanar os problemas fundiários existentes na Ilha de São Luís, Raposa, Paço do Lumiar e São José de Ribamar, municípios metropolitanos. Eu espero que o governador possa unir forças, juntamente ao chefe da SPU/MA, e resolva as questões basilares que estamos tentando equacionar há anos, relativas ao sistema fundiário do nosso querido Estado do Maranhão.

– Fim –

terça-feira, 25 de maio de 2021

CAVID-19: VARIANTE INDIANA NO MARANHÃO

 

Secretário de estado da Saúde toma medidas rápidas sobre variante indiana no Maranhão

Depois de navio indiano ter ancorado no litoral maranhense, Carlos Lula dedica atenção criteriosa a tripulação infectada

 

Por Battista Soarez
(De São Luís – MA)


Fotos: Internet / Carlos Lula, secretário da Saúde do Maranhão

 O secretário de estado da Saúde do Maranhão, Carlos Lula, tem dedicado, nos últimos momentos, criteriosa atenção à tripulação do navio indiano MV Shandong Da Zhi, contaminada com a variante indiana do coronavírus B.1.617.2. Segundo informações da Secretaria de Saúde, todos os 24 ocupantes do navio foram testados, sendo que 15 amostras indicaram resultado positivo. O homem de 54 anos, que foi internado em uma Unidade de Terapia Intensiva ((UTI) em São Luís, segue internado em segurança.

 De acordo com as últimas informações, Carlos Lula decretou que os tripulantes do navio indiano fiquem em quarentena, atendendo ao protocolo da Saúde.

 

Navio indiano MV Shandong Da Zhi

O navio em estudo tem bandeira de Hong Kong, com passagem pela África do Sul. Os tripulantes infectados cumprem quarentena em cabines individuais, uma medida inteligente determinada pelo titular da Secretaria de Saúde do Maranhão que certamente evitará muitos problemas futuros. Profissionais da SES/MA garantem que todas as pessoas que tiveram contato com a tripulação do navio indiano estão sendo isoladas e testadas.

 Carlos Lula, que além de secretário da Saúde do Maranhão também é presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), assegura que ainda não foi registrada nenhuma transmissão local da nova variante.


quarta-feira, 19 de maio de 2021

MOB provoca tumulto no Cujupe

MOB provoca tumulto no porto do Cujupe

Política da agência de mobilidade urbana prejudica milhares de pessoas que se locomovem via ferry boat


Por Battista Soarez
(De São Luís - MA)



Porto do Cujupe tumultuado


A política da Agência de Mobilidade Urbana e Serviços Públicos (MOB) está causando graves transtornos na vida de milhares de usuários dos transportes regular e alternativo que utiliza o serviço do ferry boat como meio de acesso aos municípios da baixada maranhense. Hoje mesmo, 19 de maio, vans e passageiros estão impedidos de atravessar.

Tudo começou com a reforma do Anel Viário em São Luís, quando o terminal das vans foi removido de onde estava para o outro lado da avenida. Segundo Genivaldo Rodrigues Souza, diretor financeiro da COOPETRAMA (Cooperativa de Transportes Regular e Alternativo do Maranhão), os donos dos transportes não têm apoio do estado ou município para poderem prestar um serviço digno aos passageiros. "Queremos um terminal decente para trabalhar. Porque fomos jogados para cá sem apoio do estado, nem município. No entanto, somos regulamentados pela MOB e pagamos todos os impostos que nos são exigidos", diz Genivaldo.

Ele explica que o único órgão que está ajudando as cooperativas de transportes é a SPU/MA (Superintendência do Património da União), na pessoa do seu superintendente Coronel Monteiro. "O Coronel Monteiro nos colocou aqui provisoriamente e está trabalhando para nos conseguir uma área definitiva onde possamos ficar", acrescenta Genivaldo. Segundo ele, são 26 municípios da baixada maranhense que são beneficiados com o serviço de transportes regular e alternativo.

Genivaldo também reclama da decisão da MOB de retirar a venda de passagem de São Luís para Pinheiro, o que todos consideram uma aberração. "Nós estamos querendo entender essa mudança. Venda de passagem em Pinheiro não resolve, porque a gente só passa em Pinheiro. No entanto, vem gente de tudo quanto é lugar. E outro problema é que tem carro que passa em Pinheiro às 3:00hs e 5:00hs da manhã, quando ainda não tem ninguém nos guichês", observa ele.

Segundo a presidente da Cooperativa Alternativa de Transportes de Passageiros da Baixada Maranhense (COOPBAMA), Gracirene Silva Fonseca, teria que ter um acordo entre a empresa responsável pelos ferrys, as cooperativas de transportes, a MOB e outros órgãos envolvidos na situação. "Tem que ter, em primeiro lugar, bom senso. O estado tem de entender que o que ele está fazendo está prejudicando, antes de tudo, a população. São milhares de pessoas que se beneficiam com os nossos serviços", diz Gracirene.

Agregado ao serviço de transportes têm outros trabalhadores autônomos. São pessoas desempregadas que tiram o seu sustento do local. Merinilde Coelho de Abreu, 44 anos, vende comida no local. Ela diz que tira o sustento para sua família do local e acha que o que estão fazendo é uma injustiça. "Eu espero que tudo seja logo resolvido, porque é daqui que a gente sobrevive. E vejo também que os passageiros precisam de mais respeito e conforto", pondera Marinilde.