ENTREVISTA: DR. JOMAR CÂMARA
“Faltam planejamento e gestão”
Subprocurador-geral do Maranhão fala das ações da Procuradoria Geral do Estado e diz qual deve ser o caminho do desenvolvimento
Por Battista Soarez
(De São Luís – MA)
Depois de
35 anos de carreira defendendo ações de interesse do Estado,
o subprocurador-geral do Maranhão, Dr. Jomar Câmara, 62 anos, soma experiência
suficiente para apontar o que deve ser feito para que o Estado, tido como o
mais pobre do Brasil, entre no cenário do desenvolvimento e mude essa imagem
perante o país. “O que está faltando é simplesmente planejamento e gestão”,
ressalta ele, indicando que tudo deve começar com a elaboração de um plano com
diretrizes que orientem os gestores públicos sobre o que fazer com tanta
riqueza que se tem em todas as regiões do Estado. Câmara explica que muita
coisa deve ser ajustada no Maranhão, inclusive com relação à política fundiária
e aos municípios que estão inadimplentes por falta de prestação de contas dos
recursos oriundos de convênios que lhes são repassados. Nesta entrevista,
concedida na sua casa em São Luís onde mora com a família, ele diz, ainda, que
não acredita que no Brasil exista ideologia comunista ou marxista. O que
existe, segundo explica, são interesses pessoais, apoiados em pensamentos
políticos antagônicos, de esquerda ou direita, que nunca se entendem em prol de um projeto
social coletivo, que beneficie a todos igualitariamente. Segue a entrevista.
LEITURA
LIVRE — Qual é, de fato, o papel da Procuradoria Geral do Estado? O que faz um
procurador?
JOMAR
CÂMARA — A Procuradoria Geral é um ente
maior. É a instituição constitucional que representa o próprio Estado. Porque é
isso que está no texto da Constituição Federal. Cada estado da federação tem
que organizar as suas procuradorias gerais. Por que? Porque são elas que cuidam
do próprio Estado, que é um ente de direito público interno. Por que direito
público? Porque a estrutura organizacional, dentro do organismo ou do universo
jurídico, existe para cuidar da “coisa” pública. Nessa estrutura, vamos
encontrar a figura dos procuradores, que são pessoas formadas em direito,
devidamente habilitadas para participar de um certame em concurso público e,
uma vez aprovadas, mediante também títulos e notas, são ingressas no serviço
público, com nomeação, dentro dos critérios que norteiam os princípios da
administração pública que estão inseridos no artigo 37 da Constituição Federal/88,
bem como na Constituição Estadual. Cada estado, claro, tem a sua própria
constituição. Então, somos operários do direito que patrocinamos a defesa do Estado.
L. LIVRE —
Se a Procuradoria representa o próprio Estado, basicamente quais as matérias de
que ela cuida?
JC — Antes de tudo, é importante dizer que os procuradores são os
representantes judiciais e extrajudiciais do Estado. Mas, também, deve-se
esclarecer que os procuradores não têm o poder de transigir e firmar acordos,
porque isso é matéria governamental, do chefe do executivo. Todavia, em defesa
do Estado, nós podemos patrocinar todos os atos inerentes aos interesses e
direitos do próprio Estado, indo até aos interesses da dívida pública. Nós, portanto,
defendemos o Estado na esfera penal, na esfera judicial, propriamente dita, em
quaisquer ações. Ofertamos pareceres e defesas até nas ações de usucapião, na
matéria trabalhista, na matéria tributária (que é a fiscal), no contencioso
fiscal, na administrativa, judicial, documentação, na defesa do patrimônio e do
meio-ambiente. Só que todas essas questões têm uma infinidade de ações de
interesse do cidadão e do Estado em todas as matérias do Direito nas quais se
defende e se ajuíza ações, passando, inclusive, por mandados de segurança.
L. LIVRE — Como assim?
JC — Todas as ações que, enfim, são digitadas ou nomenclaturadas
no Código de Processo Civil (CPC) nós temos o direito de, uma vez o Estado
sendo acionado, patrocinar a defesa do próprio Estado. Agora, em cada
Procuradoria, há determinada competência. Porque a Procuradoria Geral é
dividida por procuradorias especializadas. A minha, por exemplo, é de patrimônio
e meio-ambiente. Logo, as matérias relativas a patrimônio e meio-ambiente do Estado,
como um todo, vão para o meu setor. A procuradoria fiscal, por sua vez, trata
das questões fiscais. A trabalhista trata das questões trabalhistas e, assim,
sucessivamente.
L. LIVRE —
Isso significa que a Procuradoria advoga em causas de interesse público que
pode beneficiar toda a população?
JC — Esse é o mister da Procuradoria. É defender o Estado em
benefício do próprio Estado. Como dito anteriormente, na esfera judicial, na extrajudicial
e no assessoramento. Para que? Para que a população do Estado do Maranhão
tenha, a rigor, melhores condições de vida, seguindo os padrões norteados pela
Constituição Federal de 1988, que é uma constituição cidadã. Em regra, essa
estrutura organizacional está definida no artigo 3º da lei que organiza a
Procuradoria, que é a Lei Complementar 020/94. E a atuação de cada procurador é
especificada no artigo 10 dessa mesma lei.
L. LIVRE —
Então, nessa relação, o senhor, como subprocurador do Estado, tem muita dor de
cabeça com os municípios?
JC — Demais (risos...). Porque existe uma coisa, na
administração pública, chamada CEI (Cadastro Estadual de Inadimplentes). Ou
seja, praticamente, todos os municípios do Estado do Maranhão estão
inadimplentes por falta de prestação de contas relacionada aos recursos dos
convênios que lhes são repassados, voluntariamente, isto é, recursos públicos,
depois de celebrados esses ditos convênios. Resultado: sempre eles dizem que
não é deles a obrigação de pagar, atribuindo a omissão sempre a um ex-gestor.
L. LIVRE —
E aí...? Fica por isso mesmo?
JC — De fato, eles nos dão muito trabalho. Mas, desde 2017, o
atual governador, Flávio Dino, por orientação da Procuradoria Geral do Estado,
emitiu um Parecer Normativo em que não é preciso que os prefeitos — uma vez os
municípios estando inadimplentes nas áreas prioritárias básicas para a vida
humana, como saúde, assistência social, educação — possam celebrar convênio sem
que seus municípios estejam regularmente..., o seja, que o seu município não
esteja inscrito no Cadastro Estadual de Inadimplentes. Isto é, no meu setor. Eu
costumo dizer que se a gestão da administração pública do Maranhão,
independente de quem seja o governador, fosse mais eficaz, o estado arrecadaria,
das dívidas dos municípios, um volume de dinheiro muito grande que poderia
somar no sentindo de ser reinvestido em políticas públicas. Asfalto, estradas
vicinais, escolas, posto de saúde, unidade mista para os municípios
(principalmente para a população da zona rural que tem uma carência muito
grande nessa área), contratação de pessoal e uma série de outros fatores. Essa
é a minha opinião. Porém, na verdade, o que a gente vê é a omissão dos gestores
quanto à prestação de contas em qualquer época da vida pública no Estado.
L. LIVRE —
Nesse caso, o que pode ser feito?
JC — É meio difícil. Porque têm as ações competentes para serem
ajuizadas contra os municípios. Vejamos: por falta de não pagamento de
precatório ao Estado, tem uma ação específica que os procuradores podem
promover. Eu, de vez em quando, lanço a mão nesse instituto jurídico e promovo
ação em face dos prefeitos devedores no Tribunal de Justiça, que resulta em
intervenção. Nos casos de não prestação de conta, de convênio recebido junto ao
Estado, uma vez o Estado informado através de suas secretarias, a procuradoria
pode acionar o município e cobrar essa dívida. Pode ser cobrada, também, até
junto a determinado órgão de classe como, por exemplo, uma associação de
moradores, de uma comunidade “X”, de qualquer povoado, que recebeu determinado
recurso, digamos, para fazer um poço, e o presidente dessa associação não
prestou conta do dinheiro recebido. Uma vez sendo-nos informado, nós vamos
adotar, junto à autoridade judiciária competente, a ação para que o Estado seja
ressarcido. Também tem o Ministério Público, em seu favor, os institutos da
ação civil pública e da improbidade administrativa contra esses gestores. E o
procurador, se entender que deva representar contra qualquer mau gestor, pode
assim o fazer.
L. LIVRE —
Como o senhor vê as relações políticas no Maranhão, nos últimos anos, com um
governo neoliberal no âmbito federal e a gestão Flávio Dino, que tem um viés
ideológico de esquerda, costurando sempre uma política de tendência socialista?
Isso não tem atrapalhado, de certa forma, o desenvolvimento do Estado?
JC — Na verdade, eu não acredito, segundo o que é de fato o marxismo, que exista no Maranhão ou no Brasil alguém que se diga eminentemente marxista ou comunista. Não acredito. O que eu acredito é que haja grupos ou pessoas que defendem interesses pessoais ou particulares em detrimento de uma determinada linha de pensamento. Então, com isso, trazendo esse comparativo para a estrutura do Estado, enquanto ente federado, o que ocorre, segundo minha visão? Ocorre que o Maranhão, ao longo dos anos, foi pautado a defender uma bandeira. Mais recentemente, por oito ou mais anos, se pautou a defender outra bandeira, dizendo-se tendenciosa, segundo a mídia, a ser de esquerda. Mas será que existe mesmo essa bandeira de esquerda a ser defendida? Eu, particularmente, não acredito nisso. Nesse viés, contextualizando a história política do Maranhão, e trazendo isso para a realidade social e política de hoje, nós vamos encontrar um Estado em que a sua economia, se sofreu alguma modificação, algum superávit, não significa dizer que retornou esse superávit em capital de giro para ser resguardado à sociedade como um todo.
L. LIVRE — Por que?
JC — Porque, se assim o fosse, não estaríamos enfrentando o problema da pandemia da maneira como estamos enfrentando. Não estaríamos enfrentando o problema da educação como estamos enfrentando. Não estaríamos enfrentando o problema da segurança como estamos enfrentando. O da educação como estamos enfrentando. Assim, o que é fazer política neoliberal? É isso que se apresenta no presente? Não sou economista de formação. Mas, como sou formado em Direito e procurador do Estado, tenho a obrigação de, pelo menos, aprender o que é política, o que é administração pública e o que é economia. Diante de tudo isto, somos obrigados a conceber a ideia de que a política econômica, adotada hoje em nosso Estado, é nociva ao povo maranhense. Logo, não se vislumbra nada de desenvolvimento.
L. LIVRE —
Subprocurador, o Maranhão é um Estado muito rico. Por que? Porque é um Estado
que tem muita água, muita terra, muito minério e uma biodiversidade invejável.
Por que, com tudo isso, ainda é visto como o Estado mais pobre da federação? Na
sua visão, como um homem que faz parte da estrutura do Estado, o que realmente
está faltando para que a gente encontre o caminho do desenvolvimento?
JC — Na verdade, ele não é visto como o Estado mais pobre. Ele é
o mais pobre. E isso por falta de política pública governamental. Falta de
gestão. Quando eu falo de política pública, não é querendo buscar dinheiro. Não.
Não é isso. Eu falo de gestão pública voltada a direcionar um plano diretor. Plano
esse que estabeleça diretrizes em que o maranhense e aqueles que vêm buscar
recursos, ou celebrar convênios, ou efetuar trabalhos, ou residir aqui, ou
seja, que venha fazer aquele feedback na economia — sendo empresa multinacional
ou estadual, ou privada, não importa, fomentando a economia — possam se sentir
valorizados e ter fruto ao final de cada período, sem esquecer de que o Estado
tributa tudo aquilo que lhe é permitido através de lei. Por conseguinte, na
minha concepção, a falta de uma política estruturada e de um planejamento
técnico abalizado, em todas as questões públicas, é o nosso maior problema.
L. LIVRE —
Como seria feito isso, então? Falta que tipo de iniciativa?
JC — Para se ter uma ideia, o Maranhão, se fosse dividido por
regiões, como já o é geograficamente, mas se fosse dividido por no mínimo cinco
regiões, saindo dos Cocais à Baixada, ou da região Tocantina ou à região
Metropolitana, você encontra muita riqueza, inclusive em termos de
biodiversidade, como você falou. Só que essa riqueza você não sente ou não
percebe. Porque não há um fomento. Só que, se você andar o Maranhão de ponta a
ponta, como eu já andei e ando, o que que ocorre? Ocorre que, se você chegar na
região de Maracaçumé a Godofredo Viana, você encontra ali muito ouro. Para onde
vai essa riqueza? Para grupo de pessoas? Ou para uma pessoa específica? Será
que as empresas que operam extraindo ouro por aquela região estão trazendo
algum retorno para o Maranhão? Como está ocorrendo essa relação? Você tem
ideia?
L. LIVRE —
Entendi. Mas...
JC — Será que isso está trazendo algum retorno para a fazenda
pública estadual, que tem uma conta específica, a conta do tesouro? Por certo
não. E mais: será que os órgãos públicos estaduais e federais habilitam
(fornecendo legalmente as licenças) para pessoas ou empresas extraírem essa
riqueza mineral? E fazer com que essa riqueza volte legalizada para os cofres
públicos, ou seja, tributada? Se você for mais adiante, na região de
Carutapera, você encontrará riqueza e, por lá, você acha também a empresa
Aurizona explorando nossas riquezas. Isso vem acontecendo há décadas. Indo por
dentro de Turiaçu, você vai sair em Cândido Mendes. Aquela região toda é
aurífera. Por que não se faz um plano diretor para explorar e se comercializar
esse minério, gerando riqueza para o povo do próprio Estado, garantindo a vida
sadia do meio-ambiente, sem aquela sequela de impacto ambiental como aconteceu
em Brumadinho e em outras localidades do país? Outra coisa: por que a ponte que
liga São Luís aos municípios da baixada e litoral maranhense, em Bequimão, não
saiu? O que que está faltando? Será que é preciso o governo federal vir e fazer
como fez no rio São Francisco?
L. LIVRE —
São questões bastante pertinentes. O que fazer? Por onde começar? Quem dará o
pontapé inicial?
JC — Pois é. Você mitiga tudo isso e vê que está faltando
interesse público. Porque, se não há interesse, o cidadão vai ficar sempre à
mingua, dependendo de migalhas, porque não há desenvolvimento. Se não mudar
isso, o pobre vai sempre continuar pobre e sem escola. O empresário vai ser
sempre o privilegiado da vez. O agronegócio sempre vai atender a um grupo
minoritário. E o meio-ambiente sempre será afetado, quer na baixada, quer no
sul do Maranhão. Porque o instituto que trata da questão da terra no Maranhão,
o ITERMA, não tem o poder de assegurar a legitimação do próprio território. O
que que ocorre? Ocorre que, se você chegar em Tarso Fragoso, que é sul do
Maranhão, você vai encontrar uma gleba muito grande, que é Data Babilônia, na
Serra do Penitente. Ali já fizeram grilagem, sob argumento de prática de
agronegócio. Até aqui na região metropolitana existe grilagem urbana. Tudo isso
sempre nos dando muito trabalho. Então, a situação é mais complexa do que
imaginamos.
L. LIVRE —
Parece estar claro, na sua fala, que o senhor acredita que está faltando
investidores sérios. Que pensem no desenvolvimento de todo o estado e não
apenas nos seus interesses particulares. Estou certo?
JC — Falta para o Maranhão uma política fundiária adequada. E
dentro dessa política fundiária, falta uma política de gestão. Olha a região
onde se encontra o município de Santo Antônio dos Lopes. Ali, hoje, é possível
trabalhar um desenvolvimento local que pode beneficiar toda a população dos
municípios do entorno. Contudo, não vemos trabalho e desenvolvimento nos
municípios da região, mesmo sabendo que eles recebem royalties pela produção de
gás natural que existe por lá. Existe, ainda, o consórcio intermunicipal e
intermodal, composto por 25 municípios ao corredor da Vale S.A., constando aqui
o de São Luís. Eu pontuo aqui, também, São Pedro dos Crentes, onde foi
descoberta uma reserva muito grande que pode ser explorada. E aí? Não está
faltando uma política de gestão para tudo isso? Só que, para trabalhar essas
questões, você tem que envolver na discussão o governo federal e municipal,
passando pelo estadual. Tem que ser legitimado e não contrariar o direito de posse
ou o de propriedade extraídos do direito à terra previsto no Código Civil e na
Constituição Federal, uma vez que se tem o Estatuto da Terra. Quer dizer, além da
Constituição Federal, tem uma lei infraconstitucional chamada Estatuto da
Terra.
L. LIVRE —
Na prática, isso quer dizer o que?
JC — Que é necessário que haja uma política voltada para
assegurar o potencial de reserva que nós temos. Porque só esse potencial nos
assegura melhores condições de vida. Para isso, temos que ter uma visão
profunda, técnica, científica, para extrair e arrecadar. E aí, sim, o Maranhão
passaria a ser desenvolvido como foi, na época colonial, um dos primeiros
estados da federação.
L. LIVRE —
O senhor falou, ainda há pouco, de consórcio intermunicipal e intermodal. Qual
o retorno disso para o Maranhão?
JC — Para ser honesto, nenhum maranhense vê. Porque diz que tem
como princípio proporcionar desenvolvimento e indenização para todos os
municípios. Sou procurador há 35 anos, hoje já sou subprocurador-geral, em vias
de me aposentar, e nunca vi, durante a existência desse consórcio, nenhum
retorno. Para onde vai a riqueza explorada, ou por explorar, ou transportada
pela Vale S.A.? O que os municípios do corredor da Vale recebem pelo Consórcio
Intermodal? A menos que alguém da fazenda pública do estado mande uma planilha
informando a Procuradoria, especificamente para o meu setor, já que se trata de
patrimônio, nada se sabe. Então, é inócuo. Não há uma rentabilidade para o Estado.
Por que que o Ministério Público não investiga e não procura saber? Tem que ser
provocado? Não. Não precisa ser provocado. Quem precisa ser provocado é o
magistrado, que não pode agir de ofício. Mas o Ministério Público não precisa,
porque se trata de ação pública. Há muita riqueza explorada e nada para o
Maranhão. A rigor, temos os mais diversos crimes contra o meio ambiente, continuadamente
praticados, a começar pela região do Itaqui, na qual não se pode mais respirar
ar puro, por conta da poeira dos minérios, sem falar na falta de arrecadação sobre
bens e serviços etc. E mais: têm crimes por parte das diversas empresas, dos
navios que ancoram para o transporte de cargas que sequer tratam a água do lastro.
Tudo isso pode gerar tributação. Mas o governo brasileiro é muito maleável com
as coisas. Tudo, por aqui, é muito fácil.
L. LIVRE —
No início desta entrevista, o senhor disse que o procurador do Estado, de
meio-ambiente e patrimônio, oficia nas ações de usucapião. Por que?
JC — Vamos por parte. A ação de usucapião é uma ação prevista no
Código de Processo Civil. Para que serve? Serve para que alguém que detém uma
certa posse, desde que seja pequena, e aí tem o tamanho especificado na lei,
ele vai a juízo e diz, através de advogado devidamente constituído, que ocupa
uma posse de uma área “X”, mansa e pacificamente, e com caráter ininterrupto,
com animus domini, por determinada quantidade de anos. Feito isso, ele junta
um memorial descritivo da área, planta da situação do imóvel e os documentos
indispensáveis para requerer e promover a ação. Sendo casado, certidão de
casamento, identidade, CPF e, enfim, os documentos pessoais, certidão negativa
de débito, cadeia dominial ou certidão centenária. Recebida essa ação no Fórum
onde é proposta, o juiz dá um despacho e manda oficiar a fazenda pública
estadual, a federal e a municipal, para saber se aquela área é do município, do
estado ou da União. Com isso, esses três entes públicos de direito interno têm
que ser oficiados no processo.
L. LIVRE —
E depois disso?
JC — Tem que dizer se tem ou não interesse e motivo no qual
reside o interesse. Existe a usucapião ordinária, a extraordinária, a urbana, a
rural, a tabular e, enfim, uma série de nomes que se podem dar, dependendo da
situação da área onde ela esteja encravada, e do ano de posse. E hoje, com a
reforma processual, você pode ir direto ao Tabelionato de Notas — os Cartórios
de Serventia Extrajudicial — e de posse daqueles documentos mencionados, em vez
de ser resolvido na justiça, o Registrador Tabelião envia para a Procuradoria.
E a Procuradoria emite um parecer dizendo se tem ou não interesse. Existem
alguns casos em que o procurador formula uma diligência ao INTERMA e este nos
condiciona sobre o teor daquela área. Aí o procurador informa para o juiz se o
Estado tem ou não interesse. Porque tem que saber se aquela questão é
propriedade pública ou privada, ou se é terra devoluta. O Maranhão é um Estado
que tem um grande índice de ações de usucapião. Mas tudo isso acontece por
falta de uma política fundiária adequada para assegurar a detenção da posse.
Porque ninguém pode deter a propriedade por via clandestina, violenta, precária
e indireta. Seguimos sempre a Constituição Federal que reza que todo cidadão
tem direito à vida, à liberdade e à propriedade. Isso quer dizer que mesmo a
pessoa menos favorecida tem direito à moradia.
L. LIVRE —
Nesse caso, o que está faltando para que haja diálogo entre os três entes? A
SPU/MA, por parte do governo federal, o município e o executivo estadual para
resolver essas demandas? Como em São Luís, por exemplo?
JC — Tendo participado de audiências, defendendo os interesses
do Estado, na justiça federal e na justiça comum, na Vara de Interesses Difusos
e Coletivos, em São Luís, nos últimos dois anos, vejo que sempre se fez
presente o Superintendente do Patrimônio da União (SPU/MA), Coronel Monteiro. E
o que eu tenho notado e sempre fiquei satisfeito, é que ele chega nas
audiências é para resolver. E é difícil você encontrar isso em um homem
público, que chega com a vontade de querer resolver. Eu vejo isso no Coronel
Monteiro e fico analisando isso como algo bom para o Estado do Maranhão. Vou
mencionar um caso bem específico: o da Chácara Itapiracó, que é uma emblemacia
muito grande, bem ali no Turú. O Coronel Monteiro chegou para resolver. Quanto
ao atual prefeito, Eduardo Braide, está muito recente. Vamos esperar um pouco
mais de tempo para ver até que ponto ele vai se preocupar com essa questão. Com
relação ao executivo estadual, eu, como procurador, tenho o direito e a
obrigação de defender o Estado em tudo o que ele for chamado. Mas, em 35 anos
como procurador, repito, não vejo uma política fundiária voltada a assegurar a
legitimação da terra. Então, falta interesse de dois entes aí na situação, que
é o ente municipal e o ente estadual. Para que, unidos ao ente federal, possamos
dirimir essas questões e resolver a problemática institucional que nos assola,
como essa da posse e da propriedade. Só com a união e a força desses três entes
poderemos sanar os problemas fundiários existentes na Ilha de São Luís, Raposa,
Paço do Lumiar e São José de Ribamar, municípios metropolitanos. Eu espero que
o governador possa unir forças, juntamente ao chefe da SPU/MA, e resolva as
questões basilares que estamos tentando equacionar há anos, relativas ao
sistema fundiário do nosso querido Estado do Maranhão.
– Fim –
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