A capacidade de leitura dos hieróglifos perdeu-se por mais de um milênio e foi Jean-François Champollion, nascido em 23 de dezembro de 1790, em Figeac, uma pequena aldeia do sul da França, quem conseguiu decifrá-los de novo e integralmente, o que lhe valeu o epíteto de Pai da Arqueologia. A chave principal da decifração foi a famosa Pedra de Roseta, descoberta em 1799 e que continha um decreto da época do faraó Ptolomeu V Epifânio (205 a 180 a.C.) grafado em hieróglifos, em demótico e em grego. Foi comparando esses escritos, usando seus excelentes conhecimentos da língua copta e estudando outras inscrições hieroglíficas, que ele conseguiu o feito notável de nos abrir o conhecimento dos meandros da civilização egípcia antiga e deu início à egiptologia científica. Provavelmente estimulado pela convivência com a biblioteca de seu pai, que era livreiro, Champollion demonstrou ser uma criança precoce. Com cinco anos de idade aprendeu a ler sozinho. Tinha apenas 10 anos quando seu irmão mais velho, um arqueólogo, lhe mostrou uma reprodução daquela pedra e, diga-se de passagem, apesar de ter trabalhado com seu texto durante 14 anos, ele nunca conseguiu ver a pedra em si. Foi provavelmente por influência do irmão que o garoto desenvolveu a paixão por línguas em geral e pelo Egito em particular. Ao examinar o texto, curioso, o menino encasquetou que um dia decifraria aquela estranha escrita: os hieróglifos. Esse desejo infantil tornou-se obsessão e ele se preparou para o feito: dedicou-se com afinco ao estudo das línguas antigas e orientais. Com 11 anos ganhou uma bolsa de estudos e ingressou no liceu de Grenoble, recém fundado. Aí o jovem estudante maravilha os mestres traduzindo e explicando com perfeição os versos, ainda que sutis, de Virgílio e de Horácio. Não se dá bem com a matemática, e futuramente seu pai irá ajudá-lo nos cálculos da cronologia dos reinos dos faraós, mas, em compensação, revela um talento fora do comum para o entendimento de línguas. Aprendeu, às vezes sozinho, árabe, hebreu, aramaico, siríaco, persa, etíope, caldeu, chinês, sânscrito, zende e copta. Com apenas 16 anos de idade apresentou à Academia de Grenoble um trabalho no qual defendeu que o copta talvez fosse uma "deturpação" da língua falada no antigo Egito. Em 1808 descobriu que 15 sinais da escrita demótica correspondiam a letras do alfabeto da língua copta e isso o convenceu de que o copta era a última etapa da língua faraônica. Dedicou-se, então, a ela com tal empenho que, em 2 de abril de 1809, encontrando-se em Paris para aperfeiçoar seus estudos de línguas, escreveu ao seu irmão: Sinto-me tão perfeitamente copta que, para me distrair, verso para esta língua tudo que me passa pela cabeça; falo copta sozinho já que ninguém poderia me entender.
A língua copta é uma mistura de dialetos, cheia de termos gregos e palavras orientais e escrita com o alfabeto grego e mais seis caracteres demóticos que indicam sons que o grego não possui. Era falada pelos cristãos na Grécia nos primeiros séculos da nossa era e nela foram conservadas várias traduções de textos sagrados. O copta tem estreita relação com a língua egípcia antiga e apresenta a vantagem de grafar as vogais, o que tornou possível a Champollion descobrir a pronúncia exata, ou pelo menos aproximada, de muitos nomes e vocábulos egípcios.
Com 18 anos de idade foi escolhido para ensinar história e política no Colégio Real de Grenoble, posição que manteve até 1816; em 1818 foi indicado para a cátedra de história e geografia do mesmo colégio, tendo lecionado tais matérias até 1821. Em 1812 casou-se com Rosine Blanc, de quem teve uma filha, Zoraide, em 1824. Durante esse tempo começou a escrever sua Introdução ao Egito sob os Faraós (1811), bem como a obra Egito dos Faraós, ou Pesquisas sobre a Geografia, Religião, Língua e História dos Egípcios antes da Invasão de Cambises (2 volumes - 1814).
Ao analisar a pedra de Roseta, ele foi o primeiro a definir com exatidão que seu texto intermediário estava grafado em demótico. Outro estudioso, o abade Barthélemy, já pressentira que os cartuchos encerravam nomes de reis, mas a ordem dos sinais permanecia incerta. Na estela de Roseta havia vários cartuchos e pelo texto grego se sabia que o faraó citado era Ptolomeu V. Um cientista inglês, Thomas Young (1773-1879), havia descoberto o significado correto de alguns sinais e atribuíra valores de sons, e não de idéias, a diversos símbolos. Champollion não se convencera muito disso. A pesquisa empacara aí. A grande tarefa para ele, naquele momento, era descobrir se os hieróglifos eram apenas símbolos ideográficos ou se podiam realmente funcionar como letras.
Em 1815 novas pistas surgiram. A primeira foi um pequeno obelisco descoberto em Philae. Também continha um texto grafado em hieróglifos, demótico e grego, no qual aparecia o nome de outro faraó, Ptolomeu Evergetes II, e o de sua esposa Cleópatra III. Sendo nomes estrangeiros, raciocinou Champollion, não poderiam ser grafados com ideogramas, mas deveriam estar escritos da maneira como eram pronunciados. Comparando os cartuchos de Ptolomeu e Cleópatra, notou que possuíam em comum os sinais que representavam as letras P, T, O e L. A conclusão lógica foi a de que alguns hieróglifos tinham mesmo o valor de letras. Embora a descoberta da grafia de nomes de reis tenha sido fundamental para decifrar os hieróglifos, isso não levaria ao entendimento da língua egípcia sem a ajuda do copta. O conhecimento profundo que Champollion tinha dessa língua permitiu-lhe descobrir, ao estudar a pedra de Roseta, os valores fonéticos de certos sinais hieroglíficos em particular, enquanto que seu entendimento do texto grego ajudou-o a identificar os caracteres ideográficos.
A outra pista foram dois cartuchos que pareciam significar os nomes de Tutmés (Tutmósis) e Ramsés. Neles o segundo elemento era idêntico e poderia corresponder ao som més. Eram os primeiros nomes totalmente egípcios que ele traduzia e isso convenceu-o de que suas descobertas eram válidas para os vários períodos da história egípcia e não apenas para a época greco-romana. Champollion concluiu, então, que ao lado dos sinais que correspondiam a um som simples, havia também sinais que agrupavam duas consoantes e sinais que representavam idéias. Ao chegar a tal conclusão ele se emocionou a tal ponto que desmaiou e permaneceu inconsciente por 60 horas. Quando voltou a si redigiu uma carta ao secretário perpétuo da Académie des Inscriptions et Belles-Lettres, a célebre Lettre à Monsieur Dacier relative à l'alphabet des hiéroglyphes phonétiques. Nesse documento, do qual vemos a foto de uma das páginas ao lado, lido em sessão daquela academia em 27 de setembro de 1822, ele anuncia a descoberta do alfabeto fonético com o qual os egípcios grafavam os nomes dos reis gregos e dos imperadores romanos. Além de Ptolomeu e Cleópatra, ele foi capaz de reproduzir a grafia em hieróglifos e a tradução de 79 nomes de soberanos egípcios, desde Alexandre, o Grande, (332 a 323 a.C.) até Antonino, o Pio (138 a 161 d.C.), dos quais ele reconheceu e tabulou todas as letras, uma a uma. Estava posto abaixo o conceito vigente até então de que a escrita hieroglífica era apenas ideográfica, ou seja, que cada sinal representava uma idéia.
Estava dado o primeiro passo, mas esse era apenas o começo; tornava-se necessário estabelecer um vocabulário e uma gramática e, depois disso e acima de tudo, entender o que se estava lendo e descobrir os fatos narrados por uma língua morta há pelo menos 18 séculos. Champollion sai à cata de textos que não possuia. Obtém cópias de escritos de paredes do túmulo de Seti I e, embora republicano, consegue a simpatia dos reis Luis XVIII e Carlos X. Graças a isso, entre 1824 e 1826, lhe foi possível visitar várias coleções de museus fora da França, tendo sido enviado em missão financiada pelo rei para os museus de Turim, Liorne, Roma, Napoles e Florença, na Itália, onde, em magníficas coleções lá existentes, aprofunda suas pesquisas. Então escreve: Minha ciência hieroglífica acha-se suficientemente avançada para entrever o imenso espaço que ainda lhe falta percorrer antes de poder caminhar sem obstáculos no grande labirinto da escrita sagrada. Vejo o caminho a seguir mas ignoro se o zelo de um só homem e toda a sua existência podem ser suficientes para tão vasto empreendimento. Nessa época consegue que seja adquirida pelo governo francês grande parte de uma importante coleção egípcia, a coleção Salt, para o futuro museu Carlos X. Quando os objetos chegam a Paris é incumbido de catalogá-los, classificá-los e apresentá-los ao público, inaugurando o museu em dezembro de 1827 e publicado a obra Notice descriptive des monuments égyptiens du musée Charles X.
Até então Champollion não conhecia o Egito. Finalmente surge-lhe a oportunidade ao integrar uma expedição franco-toscana, constituída por 14 estudiosos. Entre eles encontra-se o futuro fundador da egiptologia na Itália, Ippolito Rosellini (1800-1843), um italiano de Pisa que havia sido aluno dileto de Champollion quando de sua viagem àquele país. A expedição, que chega à terra dos faraós em 18 de agosto de 1828, tem por finalidade fazer o primeiro apanhado sistemático da geografia e da história do Egito, de acordo com o que revelavam os monumentos e suas inscrições. Tais monumentos dialogam com Champollion e cada um deles lhe conta seu nome, idade e finalidade. Frenético, ele percorre o vale do Nilo e pesquisa tudo o que pode até dezembro de 1829; copia textos e verifica que seu método de decifração é exato. A população simples o considera um verdadeiro mágico, a única pessoa no mundo capaz de ler aquela estranha escrita. Numa pilastra do templo de Karnak ele grava o próprio nome num grito de júbilo. Podemos imaginar a emoção sentida por ele ao lermos suas cartas e seu diário. Numa delas afirma: Orgulho-me agora ao ter o direito de lhes comunicar que, tendo seguido o curso do Nilo desde a foz até a segunda catarata, nada existe que deva ser modificado em nossa Carta sobre o alfabeto dos hieróglifos. Nosso alfabeto é bom: pode ser aplicado com igual sucesso, primeiro aos monumentos do tempo dos romanos e dos lágidas e depois às inscrições de todos os templos, palácios e túmulos das épocas faraônicas! E também afirma: leio com maior fluência ainda do que me atrevia a imaginar. Enquanto o francês anota detalhadamente o que vê, o italiano desenha, também detalhadamente. Tal foi o esmero aplicado que esse trabalho conjunto ainda é considerado como um dos melhores feitos até hoje: ele preservou, sem dúvida, incontáveis informações que, caso contrário, teriam sido perdidas.
Percebendo que 14 templos antigos haviam desaparecido por incúria das autoridades, Champollion tentou convencer o sheik Meemet Ali da necessidade de impedir o processo de destruição. Escreveu-lhe enfatizando: Já soou a hora de por termo a essas bárbaras devastações. Para tão louvável objetivo, Sua Alteza poderia ordenar que não se retire, sob pretexto algum, nenhuma pedra ou tijolo dos monumentos antigos ainda existentes.
A viagem ao Egito fora extenuante. Durante muito tempo Champollion ficara dentro de túmulos de atmosfera rarefeita e escassa iluminação, copiando textos em posições incômodas. O reumatismo o atacou. Ao voltar à França, em pleno inverno, Champollion foi obrigado a ficar um mês de quarentena em um navio sem aquecimento. Sua saúde, já precária, se ressentiu do sacrifício. Em 1830 é eleito membro da Académie des Inscriptions et Belles-Lettres e em 12 de março de 1831 é criada especialmente para ele uma cadeira de gramática egípcia no Collège de France. O decreto real que institui a cátedra diz: M. Champollion exporá os princípios da gramática copta-egípcia e explicará todo o sistema dos escritos sagrados, dando a conhecer todas as formas gramaticais utilizadas nos textos hieroglíficos e hieráticos. Iniciou as aulas em 10 de maio daquele ano. Entretanto, proferiu poucas aulas. No final de 1831 foi atacado de apoplexia e paralisia parcial. A caneta caia-lhe das mãos, mas ele mesmo assim conseguiu terminar o manuscrito do seu dicionário e de sua gramática egípcia. Entretanto, enquanto ainda preparava para publicação os resultados da expedição ao Egito, veio a falecer, de enfarte, aos 41 anos de idade, doente e esgotado por excesso de trabalho, em 4 de março de 1832.
Entre suas obras destacam-se: Panthéon égyptien (1823-1831), publicado em partes, sendo que a obra integral deveria formar dois volumes, mas não foi completada; Prècis du système hyéroglyfique des anciens Egyptiens (1824), obra na qual ele dá a interpretação não apenas de uma longa lista de nomes reais, como também de palavras e frases e até mesmo de sentenças completas; Deux lettres a M. Ie duc de Blacas d'Aulps, relatives au musée royal égyptien de Turin (1824-1826); Catalogue des monuments égyptiens du musée du Vatican (1826). Postumamente foram publicados: Monuments de l' Egypte et de la Nubie d'apres les dessins exécutés sur les lieux (1835-1845); Grammaire égyptienne (1836-1841); Dictionnaire égyptien en écriture hieroglyphique (1841-1844); Monuments de l' Egypte et de la Nubie, notices descriptives (1844-1874) e suas cartas, reunidas em livro em 1833.
Em 1986 sua cidade natal lhe rendeu homenagem criando um museu de egiptologia na casa onde ele nasceu. O museu apresenta coleções diferenciadas: de um lado, documentos evocando a vida e a obra do pesquisador; de outro, antiguidades egípcias referentes a dois dos assuntos que fascinavam particularmente a Champollion, ou seja, a história da escrita e os deuses e os ritos funerários do Egito antigo.
A língua copta é uma mistura de dialetos, cheia de termos gregos e palavras orientais e escrita com o alfabeto grego e mais seis caracteres demóticos que indicam sons que o grego não possui. Era falada pelos cristãos na Grécia nos primeiros séculos da nossa era e nela foram conservadas várias traduções de textos sagrados. O copta tem estreita relação com a língua egípcia antiga e apresenta a vantagem de grafar as vogais, o que tornou possível a Champollion descobrir a pronúncia exata, ou pelo menos aproximada, de muitos nomes e vocábulos egípcios.
Com 18 anos de idade foi escolhido para ensinar história e política no Colégio Real de Grenoble, posição que manteve até 1816; em 1818 foi indicado para a cátedra de história e geografia do mesmo colégio, tendo lecionado tais matérias até 1821. Em 1812 casou-se com Rosine Blanc, de quem teve uma filha, Zoraide, em 1824. Durante esse tempo começou a escrever sua Introdução ao Egito sob os Faraós (1811), bem como a obra Egito dos Faraós, ou Pesquisas sobre a Geografia, Religião, Língua e História dos Egípcios antes da Invasão de Cambises (2 volumes - 1814).
Ao analisar a pedra de Roseta, ele foi o primeiro a definir com exatidão que seu texto intermediário estava grafado em demótico. Outro estudioso, o abade Barthélemy, já pressentira que os cartuchos encerravam nomes de reis, mas a ordem dos sinais permanecia incerta. Na estela de Roseta havia vários cartuchos e pelo texto grego se sabia que o faraó citado era Ptolomeu V. Um cientista inglês, Thomas Young (1773-1879), havia descoberto o significado correto de alguns sinais e atribuíra valores de sons, e não de idéias, a diversos símbolos. Champollion não se convencera muito disso. A pesquisa empacara aí. A grande tarefa para ele, naquele momento, era descobrir se os hieróglifos eram apenas símbolos ideográficos ou se podiam realmente funcionar como letras.
Em 1815 novas pistas surgiram. A primeira foi um pequeno obelisco descoberto em Philae. Também continha um texto grafado em hieróglifos, demótico e grego, no qual aparecia o nome de outro faraó, Ptolomeu Evergetes II, e o de sua esposa Cleópatra III. Sendo nomes estrangeiros, raciocinou Champollion, não poderiam ser grafados com ideogramas, mas deveriam estar escritos da maneira como eram pronunciados. Comparando os cartuchos de Ptolomeu e Cleópatra, notou que possuíam em comum os sinais que representavam as letras P, T, O e L. A conclusão lógica foi a de que alguns hieróglifos tinham mesmo o valor de letras. Embora a descoberta da grafia de nomes de reis tenha sido fundamental para decifrar os hieróglifos, isso não levaria ao entendimento da língua egípcia sem a ajuda do copta. O conhecimento profundo que Champollion tinha dessa língua permitiu-lhe descobrir, ao estudar a pedra de Roseta, os valores fonéticos de certos sinais hieroglíficos em particular, enquanto que seu entendimento do texto grego ajudou-o a identificar os caracteres ideográficos.
A outra pista foram dois cartuchos que pareciam significar os nomes de Tutmés (Tutmósis) e Ramsés. Neles o segundo elemento era idêntico e poderia corresponder ao som més. Eram os primeiros nomes totalmente egípcios que ele traduzia e isso convenceu-o de que suas descobertas eram válidas para os vários períodos da história egípcia e não apenas para a época greco-romana. Champollion concluiu, então, que ao lado dos sinais que correspondiam a um som simples, havia também sinais que agrupavam duas consoantes e sinais que representavam idéias. Ao chegar a tal conclusão ele se emocionou a tal ponto que desmaiou e permaneceu inconsciente por 60 horas. Quando voltou a si redigiu uma carta ao secretário perpétuo da Académie des Inscriptions et Belles-Lettres, a célebre Lettre à Monsieur Dacier relative à l'alphabet des hiéroglyphes phonétiques. Nesse documento, do qual vemos a foto de uma das páginas ao lado, lido em sessão daquela academia em 27 de setembro de 1822, ele anuncia a descoberta do alfabeto fonético com o qual os egípcios grafavam os nomes dos reis gregos e dos imperadores romanos. Além de Ptolomeu e Cleópatra, ele foi capaz de reproduzir a grafia em hieróglifos e a tradução de 79 nomes de soberanos egípcios, desde Alexandre, o Grande, (332 a 323 a.C.) até Antonino, o Pio (138 a 161 d.C.), dos quais ele reconheceu e tabulou todas as letras, uma a uma. Estava posto abaixo o conceito vigente até então de que a escrita hieroglífica era apenas ideográfica, ou seja, que cada sinal representava uma idéia.
Estava dado o primeiro passo, mas esse era apenas o começo; tornava-se necessário estabelecer um vocabulário e uma gramática e, depois disso e acima de tudo, entender o que se estava lendo e descobrir os fatos narrados por uma língua morta há pelo menos 18 séculos. Champollion sai à cata de textos que não possuia. Obtém cópias de escritos de paredes do túmulo de Seti I e, embora republicano, consegue a simpatia dos reis Luis XVIII e Carlos X. Graças a isso, entre 1824 e 1826, lhe foi possível visitar várias coleções de museus fora da França, tendo sido enviado em missão financiada pelo rei para os museus de Turim, Liorne, Roma, Napoles e Florença, na Itália, onde, em magníficas coleções lá existentes, aprofunda suas pesquisas. Então escreve: Minha ciência hieroglífica acha-se suficientemente avançada para entrever o imenso espaço que ainda lhe falta percorrer antes de poder caminhar sem obstáculos no grande labirinto da escrita sagrada. Vejo o caminho a seguir mas ignoro se o zelo de um só homem e toda a sua existência podem ser suficientes para tão vasto empreendimento. Nessa época consegue que seja adquirida pelo governo francês grande parte de uma importante coleção egípcia, a coleção Salt, para o futuro museu Carlos X. Quando os objetos chegam a Paris é incumbido de catalogá-los, classificá-los e apresentá-los ao público, inaugurando o museu em dezembro de 1827 e publicado a obra Notice descriptive des monuments égyptiens du musée Charles X.
Até então Champollion não conhecia o Egito. Finalmente surge-lhe a oportunidade ao integrar uma expedição franco-toscana, constituída por 14 estudiosos. Entre eles encontra-se o futuro fundador da egiptologia na Itália, Ippolito Rosellini (1800-1843), um italiano de Pisa que havia sido aluno dileto de Champollion quando de sua viagem àquele país. A expedição, que chega à terra dos faraós em 18 de agosto de 1828, tem por finalidade fazer o primeiro apanhado sistemático da geografia e da história do Egito, de acordo com o que revelavam os monumentos e suas inscrições. Tais monumentos dialogam com Champollion e cada um deles lhe conta seu nome, idade e finalidade. Frenético, ele percorre o vale do Nilo e pesquisa tudo o que pode até dezembro de 1829; copia textos e verifica que seu método de decifração é exato. A população simples o considera um verdadeiro mágico, a única pessoa no mundo capaz de ler aquela estranha escrita. Numa pilastra do templo de Karnak ele grava o próprio nome num grito de júbilo. Podemos imaginar a emoção sentida por ele ao lermos suas cartas e seu diário. Numa delas afirma: Orgulho-me agora ao ter o direito de lhes comunicar que, tendo seguido o curso do Nilo desde a foz até a segunda catarata, nada existe que deva ser modificado em nossa Carta sobre o alfabeto dos hieróglifos. Nosso alfabeto é bom: pode ser aplicado com igual sucesso, primeiro aos monumentos do tempo dos romanos e dos lágidas e depois às inscrições de todos os templos, palácios e túmulos das épocas faraônicas! E também afirma: leio com maior fluência ainda do que me atrevia a imaginar. Enquanto o francês anota detalhadamente o que vê, o italiano desenha, também detalhadamente. Tal foi o esmero aplicado que esse trabalho conjunto ainda é considerado como um dos melhores feitos até hoje: ele preservou, sem dúvida, incontáveis informações que, caso contrário, teriam sido perdidas.
Percebendo que 14 templos antigos haviam desaparecido por incúria das autoridades, Champollion tentou convencer o sheik Meemet Ali da necessidade de impedir o processo de destruição. Escreveu-lhe enfatizando: Já soou a hora de por termo a essas bárbaras devastações. Para tão louvável objetivo, Sua Alteza poderia ordenar que não se retire, sob pretexto algum, nenhuma pedra ou tijolo dos monumentos antigos ainda existentes.
A viagem ao Egito fora extenuante. Durante muito tempo Champollion ficara dentro de túmulos de atmosfera rarefeita e escassa iluminação, copiando textos em posições incômodas. O reumatismo o atacou. Ao voltar à França, em pleno inverno, Champollion foi obrigado a ficar um mês de quarentena em um navio sem aquecimento. Sua saúde, já precária, se ressentiu do sacrifício. Em 1830 é eleito membro da Académie des Inscriptions et Belles-Lettres e em 12 de março de 1831 é criada especialmente para ele uma cadeira de gramática egípcia no Collège de France. O decreto real que institui a cátedra diz: M. Champollion exporá os princípios da gramática copta-egípcia e explicará todo o sistema dos escritos sagrados, dando a conhecer todas as formas gramaticais utilizadas nos textos hieroglíficos e hieráticos. Iniciou as aulas em 10 de maio daquele ano. Entretanto, proferiu poucas aulas. No final de 1831 foi atacado de apoplexia e paralisia parcial. A caneta caia-lhe das mãos, mas ele mesmo assim conseguiu terminar o manuscrito do seu dicionário e de sua gramática egípcia. Entretanto, enquanto ainda preparava para publicação os resultados da expedição ao Egito, veio a falecer, de enfarte, aos 41 anos de idade, doente e esgotado por excesso de trabalho, em 4 de março de 1832.
Entre suas obras destacam-se: Panthéon égyptien (1823-1831), publicado em partes, sendo que a obra integral deveria formar dois volumes, mas não foi completada; Prècis du système hyéroglyfique des anciens Egyptiens (1824), obra na qual ele dá a interpretação não apenas de uma longa lista de nomes reais, como também de palavras e frases e até mesmo de sentenças completas; Deux lettres a M. Ie duc de Blacas d'Aulps, relatives au musée royal égyptien de Turin (1824-1826); Catalogue des monuments égyptiens du musée du Vatican (1826). Postumamente foram publicados: Monuments de l' Egypte et de la Nubie d'apres les dessins exécutés sur les lieux (1835-1845); Grammaire égyptienne (1836-1841); Dictionnaire égyptien en écriture hieroglyphique (1841-1844); Monuments de l' Egypte et de la Nubie, notices descriptives (1844-1874) e suas cartas, reunidas em livro em 1833.
Em 1986 sua cidade natal lhe rendeu homenagem criando um museu de egiptologia na casa onde ele nasceu. O museu apresenta coleções diferenciadas: de um lado, documentos evocando a vida e a obra do pesquisador; de outro, antiguidades egípcias referentes a dois dos assuntos que fascinavam particularmente a Champollion, ou seja, a história da escrita e os deuses e os ritos funerários do Egito antigo.
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