COLUNA LEITURA LIVRE
Por Battista Soarez
(Jornalista e escritor)
Nossa São Luís de ninguém
A capital maranhense, trilhada por todos e cuidada por ninguém, clama por revitalidade e investimento
ANDANDO PELO CENTRO HISTÓRICO de São Luís, capital do Maranhão, de repente vejo-me observando ruas e casarões que fazem parte do patrimônio histórico tombado pela Unesco em 1997, por aportar o testemunho de uma tradição cultural rica e diversificada, além de constituir um excepcional exemplo de cidade colonial portuguesa, com traçado preservado e conjunto arquitetônico representativo. Imagens passam pela minha cabeça e meu coração, triste, lamenta a falta de cuidado por parte dos seus habitantes que aqui se abrigam, trabalham e dela tiram o sustento para sua sobrevivência.
Quem passa por São Luís, logo percebe que o Centro Histórico não está nas condições dignas ideais, como deveria, dado o seu valor histórico e cultural de primeira grandeza. Descuidado e abandonado, o Centro Histórico é emblemático por seu charme composto por becos e vielas. Eu o considero inspiracionístico para artistas, escritores e poetas.
A gente vai até a Central de Informação Turística, localizada na Praça Dom Pedro II, no térreo do antigo Palácio do Comércio, e pode conhecer algumas explicações pouco detalhadas, ante a sua robusta riqueza histórico-cultural. O pessoal que fica ali, servindo de guia, embora bastante receptivo, pode explicar um pouco da história de São Luís, mas não com tanto domínio de conhecimento. Deveria haver mais leitura e capacitação desse pessoal para tão grande importância do cargo que ocupa. Mas isso já ajuda um pouco nas pesquisas.
No Centro de Informação Turística (CIT), a gente pode se deparar com personagens do folclore maranhense como, por exemplo, o Bumba-meu-boi (da festa de São João) e o Fofão (personagem do Carnaval). No Centro Histórico de São Luís também a gente pode conhecer, em frente à Praça Dom Pedro II, a Catedral da Sé , onde o padre Antônio Vieira pregou, aos fiéis, em 13 de junho de 1654, o seu famoso Sermão aos peixes. Podemos conhecer, ainda, o Museu de Arte Sacra. Essas duas peças formam o conjunto religioso mais imponente e importante do Centro.
O próprio Palácio dos Leões, com seus mobiliários franceses e portugueses dos séculos XVIII e XIX, faz parte dessa riqueza cultural. Ali, no século XVII, funcionava um forte construído pelos franceses. Com a tomada da cidade pelos portugueses, o forte deixou de existir e, em seu lugar, foi construído o palácio, feito de pau-a-pique. Ao longo dos séculos XVIII e XIX, após várias reformas, foi transformado no palácio que hoje vemos, com seus jardins projetados por Burle Max.
O famoso Beco da Catarina Mina que, segundo conta a lenda cultural, era uma escrava muito bonita, que se casou duas vezes, sendo a primeira delas com um senhor muito rico, que morreu deixando toda sua fortuna com a qual Catarina comprou sua alforria, alguns bens e a alforria de seus melhores amigos. O beco é uma escadaria e tem o nome em sua homenagem.
Bem próximo ao Beco está a Rua Portugal, onde fica o maior conjunto de sobradões de fachadas revestidas com azulejos portugueses de São Luís. É naquela rua que está o Museu de Artes Visuais e onde funcionam diversas lojas com produtos regionais.
Do outro lado da Rua Portugal está a antiga Casa das Tulhas, onde hoje funciona o Mercado das Tulhas. No local, a gente encontra artesanatos regionais, lembrancinhas e a famosa Tiquira (cachaça de mandioca). O Largo do Comércio é outra riqueza importante. As ruazinhas do Centro são cheias de detalhes, onde há construções abandonadas e outras curiosidades.
A casa de Aluísio Azevedo destruída? Que lástima!
O interior da casa onde o escritor Aluísio Azevedo morou, em São Luís, já foi destruído e está praticamente pronto para virar um estacionamento. O maranhense Aluísio Azevedo é considerado um dos maiores escritores brasileiros, autor de clássicos da literatura como 'O Mulato' e 'O Cortiço'. É o único escritor maranhense distribuído, ainda hoje, em mais de 180 países.
Casa de Aluísio Azevedo, em São Luís, onde o escritor escreveu a obra "O curtiço" | Foto: Divulgação |
A casa, localizada na Rua do Sol, na esquina com a Rua da Mangueira, no Centro Histórico de São Luís, fica em meio ao conjunto histórico e arquitetônico intitulado como Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade, tombado pela Unesco. O Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (IHGM) relembra isso para chamar a atenção das autoridades no que diz respeito à importância de cuidar do prédio como algo de grande significado para a cultura maranhense.
Existe um inquérito policial que investiga a demolição do local que já foi concluído, e uma cópia do documento foi encaminhada, em 2014, para consulta ao Ministério Público do Maranhão, segundo a Delegacia de Meio Ambiente.
De acordo com a delegacia, na época, para ser finalizado, o inquérito aguardava um laudo do Instituto de Criminalística (Icrim) sobre a deterioração do imóvel. A Superintendência do Patrimônio Cultural (SPC), órgão vinculado à Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (SECMA), confirmou que o interior da casa está parcialmente destruído.
Atualmente, a proprietária foi multada em R$ 10 mil resis ao dia e a dívida já acumula mais de R$ 500 mil reais. A justiça do Maranhão propõe que a proprietária entregue o prédio para o estado, como punição pela destruição do interior da casa do famoso escritor. E que o estado deve fazer do local um centro cultural na área da literatura ou alguma coisa nesse sentido.
A Superintendência afirmou que a aprovação do projeto para o imóvel era referente a um estabelecimento comercial e seriam feitos reparos como pintura, forro, piso e esquadrias.
De acordo com o MP, a proprietária do imóvel foi indiciada criminalmente por demolição do patrimônio público, mas, até agora, pelo que se sabe, nada foi feito por parte dela.
Em 2014, a SPC informou que a obra foi embargada pela equipe de fiscais da Superintendência, “pois constatamos divergências com o projeto aprovado, ou seja, a destruição parcial da parte interna da edificação. Diante disso, chamamos o proprietário que assinou um Termo de Compromisso com o objetivo de corrigir os erros, porém isto não foi feito. Logo, administrativamente, o Governo do Estado tomou todas as providências possíveis”, disse o órgão na época, explicando que foi encaminhado um processo para ser apurado o crime contra o patrimônio através da Delegacia Especial de Meio Ambiente. O delegado instaurou inquérito policial. A SPC também informou que o processo foi encaminhado para o Ministério Público Estadual, recebido, na época, pelo promotor Dr. Fernando Barreto. Ficou acertado que, após a conclusão do inquérito, seria feita uma ação cautelar para impedir o uso da casa como estacionamento privativo.
No final da década de 1990 e início do ano 2000, eu mesmo reclamei, junto aos órgãos competentes, sobre a situação da casa do escritor maranhense. Mobilizei alguns colegas da imprensa e várias reportagens foram feitas. Naquela época, a casa tinha sido comprada por um camelô que, depois, vendeu para uma senhora que iniciou uma casa de prostituição. Isso, ao que parece, não foi divulgado, mas eu mesmo, após visitar o local e constatar o fato, escrevi um artigo sobre o caso.
Depois foi feita uma denúncia de que a casa onde Aluísio Azevedo morou, em São Luís, poderia virar um estacionamento privativo. Isso foi no dia 11 de março de 2014, pelo Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, na página da instituição no Facebook. A postagem dizia o seguinte: "Veja o estado de deterioração em que se encontra a casa onde residiu o escritor Aluísio Azevedo, fundador do naturalismo no Brasil e autor de várias obras clássicas da nossa literatura. Nesse mirante ele escreveu 'O Mulato'. A casa está localizada à Rua do Sol, Centro, São Luís - Maranhão. Segundo informações colhidas no local, está sendo preparada para funcionar como um estacionamento de carros".
Esse texto foi mais ou menos o mesmo teor que eu escrevi, na época, na página do Facebook do IHGM.
Hoje, 27 de agosto de 2024, eu postei uma mensagem no grupo do WhatsApp da Academia Atheniense de Letras e Artes (ATHEART) sobre o problema e alguns confrades concordam comigo de que devemos unir artistas, escritores, poetas e demais ativistas da cultura maranhense para mobilizar a imprensa, os poderes públicos (justiça, governo do estado, prefeitura municipal) e a Academia Maranhense de Letras (AML) para revermos a situação, resgatar a casa e fazer, ali, uma casa de cultura, de pesquisa sobre a cultura, a arte e a literatura do Maranhão. As pessoas, inclusive estudantes, lamentavelmente, pouco conhecem sobre os escritores, a literatura e demais ramos da arte produzida no nosso estado. E essa iniciativa supriria essa necessidade. Espero, mais uma vez, estar contribuindo com a cultura maranhense.
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