Um pouco de Maquiavel para entender o Maranhão
DE SARNEY A FLÁVIO DINO, o Maranhão trilhou por caminhos áridos de uma cultura política determinada por inteligências maquiavelianas e pontuadas em componentes de tradições institucionais que, com o passar do tempo, se caracterizaram como cultura política nos ares de uma democracia estranha e traiçoeira.
A partir disso, o discurso político-eleitoreiro no estado passou a estabelecer uma pauta persuasiva de extremo efeito psicológico na cabeça do eleitor que, por sua vez, fica hipnotizado com promessas utópicas “picantes” (maliciosas) e intencionais que nunca são cumpridas. Somando-se a isso, a prática de liberar alguns trocados para compra de votos consuma uma cultura de vício político epidêmica que afeta a sociedade de maneira negativa e destrutivamente.
Virou mesmo cultura política. Uma cultura que alimenta a corrupção da mesma forma que o uso de drogas alimenta a cultura da violência e da criminalidade em todas as camadas sociais.
A história do Maranhão, nos períodos de Sarney a Flávio Dino, bem como as suas instituições, afetam diretamente a cultura política no estado. Aliás, o Maranhão, nesse espaço histórico, vem passando por momentos autoritários silenciosos, disfarçados de democracia, em que se torna difícil de construir uma cultura política democrática de verdade.
Nesse jogo de pseudodemocracia, a primeira coisa que os homens públicos aprendem é a cultura da traição política. Logo tendem a usar os amigos para chegarem ao topo e, assim, costumam a tomar o poder sem escrúpulo. Sarney e Dino leram e releram o grande ideólogo e intelectual da política Nicolau Maquiavel e, com isso, aprenderam a manipular pessoas para fins políticos pessoais. Aprenderam, então, a promover discursos cheios de crenças e ideologias disseminadas por representantes e partidos políticos que influenciam largamente a cultura política no Maranhão. Dino aprendeu com Sarney a utilizar a intelectualidade maquiaveliana para tomar o poder e se estabelecer no poder, sem importar como ou a linha partidária.
Nessa perspectiva, o contexto regional e os grupos que se encontram no poder — ou na oposição em determinado momento — podem motivar uma cultura mais democrática ou mais autoritária. Dino, por exemplo, tornou-se um político autoritário. Mas o seu autoritarismo não faz alarde. Trabalha em silêncio. Como fez Sarney, durante mais de cinco décadas, instruído pelo pensamento literário de Maquiavel.
Maquiavel descreveu como o governante deve agir e quais virtudes deve ter a fim de se manter no poder e aumentar suas conquistas. Com isso influenciou o pensamento político moderno. Autor da famosa obra “O príncipe”, Maquiavel ensina como instabilizar a política e a sociedade. Uma vez a sociedade estando instabilizada e conturbada, o político, então, investe nas disputas políticas em busca, sem escrúpulo, da tomada do poder para controle e manutenção dos domínios territoriais das cidades e do estado. Isto lembra alguma coisa? Como Dino estudou profundamente Maquiavel, fica difícil combatê-lo. A menos que o seu opositor também estude Maquiavel, haja vista que veneno só pode ser combatido com o próprio veneno.
A obra de Maquiavel, enfim, é uma espécie de manual político para governantes que almejam não apenas a se manter no poder, mas ampliar suas conquistas. Questionando o poder teocêntrico — protagonizado pela igreja da época, em nome de Deus — Maquiavel pontuava que a forma como a virtú (capacidade do príncipe para ser flexível às circunstâncias, mudando com elas para agarrar e dominar a fortuna) seria colocada em prática em nome do bom governante, que deve passar a largo dos valores cristãos, da moral social vigente, dada a incompatibilidade entre esses valores e a política. Para ele, não cabe na imagem do bom governante a ideia da virtude cristã que, por sua vez, prega uma bondade angelical alçada pela libertação das tentações terrenas, sempre à espera de recompensas no céu.
De modo contrário, o poder, a honra e a glória — típicas tentações mundanas — são bens perseguidos e valorizados. O homem de virtú pode consegui-los e por eles lutar. Para Maquiavel, há vícios que são virtudes, em que o governante que deseja se manter no poder não deve temer, nem esconder seus defeitos, se isso for necessário para salvar o Estado.
Logo, segundo ele, um governante não deve se importar por ser considerado cruel se isso for preciso para manter os seus aliados unidos e com fé. Maquiavel traz uma outra visão de exercício do poder outrora sacralizado por valores defendidos pela igreja. Dino e Sarney, então, aprenderam com Maquiavel a legitimar o poder, principalmente em se tratando de características do solo arenoso que é a política. Assim, não importam os meios. O importante são os fins. O importante é, sem escrúpulo, tomar o poder e nele se manter. E isso explica o Maranhão de hoje.