A igreja evangélica ainda é cristã?
Como entender a consciência ético-social de um segmento religioso que
deixou de viver os princípios do evangelho de Cristo
Pr. Battista
Soarez
(Escritor, jornalista, sociólogo, teólogo e professor universitário)
FOTO: Battista Soarez | Monte de Oração na praia na Litorânea em São Luís - MA. |
POR
QUE A MAIORIA das pessoas que vão ao
culto nas igrejas evangélicas não consegue mais sentir aquele fervor espiritual
prazeroso que, até certo tempo atrás, era real entre os crentes?
Relacionamentos medíocres. Falta de respeito entre os que se dizem irmãos na
fé. Orgulho espiritual. Prepotência. Presunção e bestialidades de toda
natureza. Essas coisas campeiam o ambiente “igreja evangélica”, abrem a
torneira das imprecações e esparramam um lamaçal de frieza espiritual sem tamanho. Sem contar o
desagradável “tempero” de ordem moral como ódio, provocações,
desrespeito, adultérios, fornicação, avareza e ganância.
A
explicitação do mar de irrelevância espiritual tem regado um arsenal de “teologias” medíocres
que, consequentemente, nutrem uma igreja cambaleante, fria, vazia do
evangelho genuíno e espiritualmente perdida, perturbada e enfraquecida, bem
como a vida dos seus líderes.
Vivemos,
lamentavelmente, uma religiosidade miscigenada que escolheu seguir caminhos
diversificados e divergentes, numa grave demonstração de aleatoriedade. Nesse
descompasso, a igreja evangélica parece ter virado as costas para o Cristo do
Evangelho da Cruz. Nesse sentido, há vários paradigmas do êxodo numa referência
de grande e extensa importância nos complexos labirintos da nossa história
recente.
Social
e politicamente perdida, a igreja evangélica se projeta numa dimensão referente
a uma força amoral que a puxa para trás inspirada num antagonismo adversante e
diabólico de um espírito de guerra que se espraia por todo o tecido igreja.
Essa
é uma “espinha” que se atravessa na “garganta” de situações
históricas diferentes em, praticamente, todos os contextos da igreja ocidental.
Por esse viés, há uma teologia putrefata que gera faísca e acende a fogueira do
inferno social no qual a igreja evangélica está enfurnada até o “pescoço”.
Do
ponto de vista subjetivo, em termos de cultura bíblico-teológica, algumas
referências evocam a tarefa que a teologia do êxodo garante na elaboração de
uma consciência ético-social nos contextos em que assume a função de paradigmas
ou paradigmática. A teologia do êxodo alavanca, por assim dizer, uma profunda
compreensão político-social. Vejamos que, do ponto de vista da cultura
bíblico-teológica, o êxodo nutre e planta o sonho de uma comunidade espiritual
governada por Deus no decorrer da história. Fato.
Por
conseguinte, essa teologia trabalha uma compreensão da sociedade humana como um
lugar de superação dos mecanismos (inclusive das intrigas e indiferenças) que
impedem a (con)vivência das pessoas nessa comunidade que deveria viver marcada
e selada pela harmonia, pela liberdade e pela garantia da dignidade humana.
Nos
últimos anos, as Assembleias de Deus no Brasil, por exemplo, vêm se
desintegrando no contexto do seu quadro social e, lamentavelmente, entrando num
enredo eclesiológico que, há tempos, deixou de ser culto racional para Deus (Rm
12.1).
Nesse
sentido, o povo crente vem peregrinando na contramão do evangelho verdadeiro e
se precipitando num abismo bem distante da determinante ação da fé cristã
sustentada pelo amor de Deus nutrido em relação aos fiéis.
Desse
modo, estranhamente, estamos longe do necessário comprometimento com a fé
genuinamente cristã que traduz o alto nível da dignidade humana nas condições
sociais de uma vida santa e perfeita em Deus. Nisto, a compreensão e o
relacionamento com o Deus Yaweh (o “Eu Sou o Grande Eu
Sou”) revelam-no solidário com o seu povo e tocam o núcleo fundamental dos
mecanismos definitórios dos rumos da igreja cristã nos caminhos da sociedade
atual.
Aqui,
em termos de igreja evangélica, devemos sustentar o ideal de uma
comunidade “corpo-de-Cristo” formada a partir de gentes (eu disse
gentes) livres, arrependidas, santas em Deus, convertidas em Cristo, fraternas,
quebrantadas e iguais. As brigas e os endiabrados devem ficar com o diabo,
longe da Igreja de Jesus Cristo.
Finalmente,
o tecido paradigmático do êxodo leva o povo a colocar-se em questão diante de
valores outros. Toca profundamente as dinâmicas que presidem suas escolhas,
relacionamentos e opções. O povo de Deus — verdadeiramente povo de
Deus — vive um profundo processo de transformação e crescimento
espiritual, num real comprometimento com a dinâmica de temor e obediência a
Deus.
Devemos
romper com o medo, com a negação da identidade para estarmos abertos para a
experiência da liberdade e da consciência profunda do seu destino.
E que
fique claro que a compreensão do sentido e o alcance da experiência espiritual
profunda operam uma radical resignificação de valores, determinando um novo
horizonte inspirador para a vida em Jesus Cristo, o Senhor. O relacionamento
com Deus tem força redentora e gera valores novos. Esse relacionamento, como
fonte de vida espiritual, é que pereniza o gérmen da
transcendência, entrelaçando o “pessoal” e o “social”, sem
dicotomias, pela força dos valores nascidos na referência e efervescência do evangelho da Cruz.
A
ubicação meramente histórico-sociológica não tem força para tal sustentação e
manutenção. Por isso, a dinâmica da aliança articula imanência e transcendência
na experiência espiritual dos relacionamentos em Cristo. Qualquer sombra a Ele
é o início de toda idolatria ou indiferentismo. Jesus Cristo, finalmente, é
referência absoluta e insubstituível. Enfim, a grande questão já não é
simplesmente o fato de aceitarmos a Cristo, e, sim, se Ele nos aceita com
nossas maldades, injustiças, birras, intrigas e indiferenças que mancham nosso
caráter perante o reino de Deus.
Que Deus nos livre do mal, como está escrito o pedido na Oração do Pai Nosso.