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sábado, 20 de novembro de 2021

ARTIGO: A IGREJA EVANGÉLICA AINDA É CRISTÃ? — Pr. Battista Soarez

A igreja evangélica ainda é cristã?
Como entender a consciência ético-social de um segmento religioso que deixou de viver os princípios do evangelho de Cristo


Pr. Battista Soarez
(Escritor, jornalista, sociólogo, teólogo e professor universitário)


FOTO: Battista Soarez | Monte de Oração na praia na Litorânea em São Luís - MA.


POR QUE A MAIORIA das pessoas que vão ao culto nas igrejas evangélicas não consegue mais sentir aquele fervor espiritual prazeroso que, até certo tempo atrás, era real entre os crentes? Relacionamentos medíocres. Falta de respeito entre os que se dizem irmãos na fé. Orgulho espiritual. Prepotência. Presunção e bestialidades de toda natureza. Essas coisas campeiam o ambiente “igreja evangélica”, abrem a torneira das imprecações e esparramam um lamaçal de frieza espiritual sem tamanho. Sem contar o desagradável “tempero” de ordem moral como ódio, provocações, desrespeito, adultérios, fornicação, avareza e ganância.

A explicitação do mar de irrelevância espiritual tem regado um arsenal de “teologias” medíocres que,  consequentemente, nutrem uma igreja cambaleante, fria, vazia do evangelho genuíno e espiritualmente perdida, perturbada e enfraquecida, bem como a vida dos seus líderes.

Vivemos, lamentavelmente, uma religiosidade miscigenada que escolheu seguir caminhos diversificados e divergentes, numa grave demonstração de aleatoriedade. Nesse descompasso, a igreja evangélica parece ter virado as costas para o Cristo do Evangelho da Cruz. Nesse sentido, há vários paradigmas do êxodo numa referência de grande e extensa importância nos complexos labirintos da nossa história recente.

Social e politicamente perdida, a igreja evangélica se projeta numa dimensão referente a uma força amoral que a puxa para trás inspirada num antagonismo adversante e diabólico de um espírito de guerra que se espraia por todo o tecido igreja.

Essa é uma “espinha” que se atravessa na “garganta” de situações históricas diferentes em, praticamente, todos os contextos da igreja ocidental. Por esse viés, há uma teologia putrefata que gera faísca e acende a fogueira do inferno social no qual a igreja evangélica está enfurnada até o “pescoço”.

Do ponto de vista subjetivo, em termos de cultura bíblico-teológica, algumas referências evocam a tarefa que a teologia do êxodo garante na elaboração de uma consciência ético-social nos contextos em que assume a função de paradigmas ou paradigmática. A teologia do êxodo alavanca, por assim dizer, uma profunda compreensão político-social. Vejamos que, do ponto de vista da cultura bíblico-teológica, o êxodo nutre e planta o sonho de uma comunidade espiritual governada por Deus no decorrer da história. Fato.

Por conseguinte, essa teologia trabalha uma compreensão da sociedade humana como um lugar de superação dos mecanismos (inclusive das intrigas e indiferenças) que impedem a (con)vivência das pessoas nessa comunidade que deveria viver marcada e selada pela harmonia, pela liberdade e pela garantia da dignidade humana.

Nos últimos anos, as Assembleias de Deus no Brasil, por exemplo, vêm se desintegrando no contexto do seu quadro social e, lamentavelmente, entrando num enredo eclesiológico que, há tempos, deixou de ser culto racional para Deus (Rm 12.1).

Nesse sentido, o povo crente vem peregrinando na contramão do evangelho verdadeiro e se precipitando num abismo bem distante da determinante ação da fé cristã sustentada pelo amor de Deus nutrido em relação aos fiéis.

Desse modo, estranhamente, estamos longe do necessário comprometimento com a fé genuinamente cristã que traduz o alto nível da dignidade humana nas condições sociais de uma vida santa e perfeita em Deus. Nisto, a compreensão e o relacionamento com o Deus Yaweh (o “Eu Sou o Grande Eu Sou”) revelam-no solidário com o seu povo e tocam o núcleo fundamental dos mecanismos definitórios dos rumos da igreja cristã nos caminhos da sociedade atual.

Aqui, em termos de igreja evangélica, devemos sustentar o ideal de uma comunidade “corpo-de-Cristo” formada a partir de gentes (eu disse gentes) livres, arrependidas, santas em Deus, convertidas em Cristo, fraternas, quebrantadas e iguais. As brigas e os endiabrados devem ficar com o diabo, longe da Igreja de Jesus Cristo.

Finalmente, o tecido paradigmático do êxodo leva o povo a colocar-se em questão diante de valores outros. Toca profundamente as dinâmicas que presidem suas escolhas, relacionamentos e opções. O povo de Deus — verdadeiramente povo de Deus — vive um profundo processo de transformação e crescimento espiritual, num real comprometimento com a dinâmica de temor e obediência a Deus.

Devemos romper com o medo, com a negação da identidade para estarmos abertos para a experiência da liberdade e da consciência profunda do seu destino.

E que fique claro que a compreensão do sentido e o alcance da experiência espiritual profunda operam uma radical resignificação de valores, determinando um novo horizonte inspirador para a vida em Jesus Cristo, o Senhor. O relacionamento com Deus tem força redentora e gera valores novos. Esse relacionamento, como fonte de vida espiritual, é que pereniza o gérmen da transcendência, entrelaçando o “pessoal” e o “social”, sem dicotomias, pela força dos valores nascidos na referência e efervescência do evangelho da Cruz.

A ubicação meramente histórico-sociológica não tem força para tal sustentação e manutenção. Por isso, a dinâmica da aliança articula imanência e transcendência na experiência espiritual dos relacionamentos em Cristo. Qualquer sombra a Ele é o início de toda idolatria ou indiferentismo. Jesus Cristo, finalmente, é referência absoluta e insubstituível. Enfim, a grande questão já não é simplesmente o fato de aceitarmos a Cristo, e, sim, se Ele nos aceita com nossas maldades, injustiças, birras, intrigas e indiferenças que mancham nosso caráter perante o reino de Deus.

Que Deus nos livre do mal, como está escrito o pedido na Oração do Pai Nosso.


Um comentário:

  1. Parabéns pelo rico e sincero texto. Você e ainda, um dos poucos crentes que observa e tem coragem de denunciar e mostrar o abismo em que igreja cristã tem se colocado. Existe um grande vazio hoje nas igrejas. Diria eu que não está morna. Está fervorosa em tudo que afasta do fevor do evangelho de amor.

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