COLUNA LEITURA LIVRE
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Por Battista Soarez
(Jornalista e escritor)
As eleições de 2024 e a justiça de Deus
O que está por trás das definições políticas? Por que determinados candidatos são eleitos mesmo sem expressão, sem voto e sem a vontade do povo?
O que está por trás das definições políticas? Por que determinados candidatos são eleitos mesmo sem expressão, sem voto e sem a vontade do povo?
AS ELEIÇÕES DE 2024, como as de 2022, nos causaram estranhezas. A primeira delas é o fato de candidatos sem voto e sem popularidade se elegerem. O povo reclama, esperneia, sofre… Mas o sistema não tem piedade, não tem ética e nem senso de justiça. Faz o que o seu intento manda para manter no poder aqueles que, com o próprio dinheiro público, operacionalizam a democracia da corrupção.
Aliás, toda vez que um candidato é eleito com 51 por cento de diferença, geralmente tem alguma coisa estranha por trás. No sistema eletrônico de apuração de votos parece haver uma certa programação já pronta para o sistema político dominante eleger a quem ele quer. E nós, jornalistas formados em ciências da comunicação, que, no dia da colação de grau, juramos combater as injustiças em defesa da sociedade — investigando, apurando, escrevendo e publicando a verdade — nos calamos ou, por vezes, nos vendemos para o sistema. Ou seja, ficamos com medo de aplicar os métodos comunicacionais que aprendemos na universidade. Há uma certa “democracia” ditatorial que nos tolhe e nos limita.
Mas, vale afirmar, a verdadeira justiça é o princípio ético crucial que define uma governabilidade justa e sapiente. A Bíblia nos ensina: “Amai a justiça, vós que governais a terra” (Sabedoria 1.1). A Palavra de Deus está cheia de conselhos sobre a justiça e sua aplicabilidade em todas as dimensões. Segundo os ensinamentos sagrados, um governante justo é sábio e Deus o ama e o abençoa. Em contraponto, um governante injusto é arrogante, imprudente, atraindo para si maldições e consequências arruinantes, uma vez que Deus não o abençoa.
A justiça divina trabalha em defesa do povo, principalmente dos menos favorecidos. Todo governante que trabalha com justiça é identificado por Deus como governante sábio. Portanto, justiça e sabedoria caminham juntas. São dois lados de uma só moeda. Essa dicotomia no método de governança mostra que teoria e ação estão de mãos dadas. E isso tem relação com a natureza divina. A Bíblia diz que “Justiça e Direito são os pilares do trono de Deus” (Salmos 89.15). Portanto, praticar a justiça é cumprir o direito e governar com sabedoria sob a luz do olhar do Criador e sob a admiração do coração de Deus.
O profeta Jeremias, por sua vez, mostra que ser justo é ser sábio. E ser justo e sábio é conhecer a Deus (Jeremias 22.16). Estudando a Bíblia, a gente compreende que “a justiça é imortal” (Sabedoria 1.15). O oposto disso é injustiça e a injustiça leva à morte, inclusive à morte espiritual. Todo político injusto é corrupto e, portanto, está morto espiritualmente. Se morrer sem confessar a Jesus como Senhor e Salvador (Romanos 10.8-10) não será salvo. Segundo a Bíblia, o inferno o espera. Pois “em alma perversa a sabedoria não entra” (Sabedoria 1.4) e, portanto, nela não há vida. Ou seja, todo governante tem as duas possibilidades de entrar para a história do seu povo: ou como governo sábio e justo, ou como governo estúpido e perverso.
Santo Tomás de Aquino, o filósofo-teólogo cristão que criou a teologia social da igreja, ensinava que cumprir a justiça é o primeiro dever do poder público. A justiça, desta maneira, é o princípio que fundamenta o Estado em sua função de distribuir com equidade os bens comuns que garantem a sobrevivência do cidadão. Isto significa trabalho digno, educação de qualidade, alimentação para todos, habitação com dignidade, qualidade de vida coletiva, transporte, segurança, saúde e assistência. Em resumo, a gente pode compreender com clareza que o Estado é a mais imprescindível de todas as instituições humanas no cumprimento da justiça. Seus administrados, portanto, precisam ser pessoas de valor, conservadores de bons princípios e protagonistas de uma governabilidade acima de tudo promotora do bem comum. Homens perversos, ao contrário, devem ficar longe dos palácios e o povo, com senso de percepção, deve escolher muito bem seus governantes.
Mas não é apenas o Estado que deve estar nesta dimensionalidade. O povo, por via dos princípios democráticos, tem de entender que precisa participar da vida pública. A igreja, como agente de Deus na terra, deve ser participativa, transformadora social, inserida socialmente, fazendo sua parte enquanto grupo social. E, neste ínterim, para que “o Direito jorre como água abundante e a justiça seja uma torrente inextinguível” (Amós 5.24), todo cidadão — e principalmente nós cristãos — precisa promover e testemunhar a justiça. Em Jesus Cristo, graciosamente, “somos livres para a justiça” (Romanos 6.20) em consonância com o amor de Deus. Na verdade, a justiça está sempre a serviço do grande amor do Senhor.
O cristão que diz que a igreja não deve se meter em política, é um sujeito inerte, sem consciência social e sem noção da justiça do evangelho. As Santas Escrituras afirmam que “bem aventurado aquele que tem fome e sede de justiça (Mt 5,6). Por causa da justiça somos perseguidos, mas é ela que nos leva a sermos donos do reino dos céus (Mateus 5.10). A justiça é um conceito em torno do qual se estrutura o Cristianismo. Cristo é a Sabedoria de Deus para nós. A justiça, a santidade e a redenção” (1 Coríntios 1-30) nos compreendem na identificação com todos os que sofrem injustiça no mundo (Mateus 25.31-46). Diante disto, praticar a injustiça é ofender a Cristo, a Sabedoria de Deus.
Nestes tempos de insensatez humana e absurda estupidez — marca da injustiça — o cristão é orientado a buscar, em primeiro lugar, o reino e a Justiça de Deus (Mateus 6.33). Isto quer dizer que devemos viver integralmente o Evangelho de Jesus e testemunhar a fé que se expressa no amor aos irmãos, principalmente aos últimos (Gálatas 5.6). Não há evangelização de verdade se não há proclamação da justiça. A luta pela justiça e a participação na transformação do mundo aparecem como uma dimensão constitutiva na tarefa da evangelização, que é a missão da Igreja para a redenção da humanidade e sua libertação de toda situação opressora.
A justiça é tão central no mundo que o contrário dela (a injustiça) invalida as orações, o culto e a caminhada na fé: “De que serve a multidão de vossos sacrifícios?, diz o Senhor. Ainda que multipliqueis as vossas orações, não as ouvirei, porque as vossas mãos estão cheias de sangue. Aprendei a fazer bem; procurai o que é justo” (Isaías 1.11,15-17).
Quanto mais eu estudo a Bíblia, mais entendo que a missão da Igreja não é criar uma nova geração de adoradores. Vigílias intermináveis, adorações e jejuns, mensagens bonitas, catedrais e templos faraônicos, eventos midiáticos... Nada disso tem grande significação diante da prática da justiça. As Escrituras Sagradas expressam que “quem não pratica a justiça não é de Deus” (1 João 3.10). Logo, os políticos injustos — que compram voto, desviam o dinheiro público, usando-o para enriquecimento ilícito — não são de Deus.
O cristianismo é uma religião essencialmente ética. Conhecer a Deus não significa praticar um pietismo privado ou saber comungar espiritualidade religiosa. O compromisso com a justiça é uma exigência que brota da fé. O Reino de Deus somente irrompe onde a justiça é restaurada aos pobres. O amor a Cristo se manifesta no compromisso com o faminto e o sedento, com o estrangeiro, com o maltrapilho, com os presos e com os doentes (Mt 25,31-46). Para encontrar-se com Cristo no culto, o cristão deve encontrá-lo também no pobre que sofre injustiça.
Os crentes, quando querem ver Jesus em pessoa e tocá-lo com a mão, sabem aonde dirigir-se: os pobres são o endereço de Jesus Cristo. Eles representam a pessoa do Senhor e apontam para Ele. Tudo o que conhecemos da sabedoria de Deus encontramos no homem Jesus Cristo. Deus se fez “carne” nEle (João 1.14) e toma a forma de todos os injustiçados pela estupidez e perversidade humana. Espiritualismos intimistas alienantes são superados somente com a volta ao espírito da sabedoria. Logo, “Praticar a justiça e o direito vale mais ao Senhor do que sacrifícios e ofertas’ (Provérbios 21.3).
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