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quinta-feira, 7 de agosto de 2025

COLUNA LEITURA LIVRE | por Battista Soarez

 COLUNA LEITURA LIVRE 

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Por Battista Soarez
(Jornalista, escritor, sociólogo, teólogo e professor universitário)

Igreja alienada é aborto de consciência e sua fé sobeja falsa santidade

É difícil ser agente de transformação e conquista com uma cristandade omissa em relação aos problemas sociais que afetam a humanidade.

Imagem meramente ilustrativa | Foto: Divulgação.

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NOS ÚLTIMOS TEMPOS tenho me empenhado na missão por instruir a igreja brasileira no âmbito de sua fé, evangelização e tarefa missionária. Isto faço por meio do jornalismo e da literatura. Meus livros, distribuídos por todo o Brasil, buscam formar mentes cristãs maduras, convertidas e sapientes. Eu que poucos gostam de ler. Todavia, os poucos que lêem fazem grande diferença na escala de valores que tornam a igreja cada vez mais eficaz. Mas tudo se torna muito difícil porque, no geral, temos uma igreja inerte, fria e embevecida na escassez de conhecimento e dinamismo estrutural para impactar o mundo com a ação do evangelho.

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É muito lamentável se ver uma igreja alienada, caminhando em um processo de aborto de consciência, enquanto a situação dos seres humanos se afunda nas injustiças sociais. A igreja evangélica atual está cheia de líderes fracos e vazios de competência para administrar o corpo de Cristo como grupo social que representa uma parte da sociedade significativa no mundo.

Na Grécia antiga, a relação entre os seres humanos e o Logos está posta em Heráclito como alienação. E a alienação está presente em Platão quando ele postula a Natureza como imagem imperfeita do mundo das ideias. A metafísica da igreja passa pela corrente das transformações sociais na construção da sociedade que precisa se converter a Deus.

Na tradição cristã, a ideia de alienação e desalienação encontra-se na doutrina do pecado original e da redenção, e está presente no conceito de idolatria do Velho Testamento. A igreja católica polarizou a fé das pessoas com suas devoções a ídolos, mas, por outro lado, leva vantagem em relação à igreja evangélica pela sua participação social. Isto é o que o Senhor Jesus Cristo espera da Igreja, isto é, que ela seja participativa e consiga construir uma consciência social fundamentada nos princípios da justiça divina. Mas ela coloca uma venda religiosa nos olhos e se mantém cega diante dos problemas do mundo.

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Os teóricos do Contrato Social recorreram ao conceito de alienação. Entre eles, Hugo Grotius usou o termo para designar a transferência para outra pessoa da soberania de uma pessoa sobre si mesma. A igreja atual sacralizou, sem saber, a teoria do contrato social e, com isso, prega um evangelho carregado de místicas sociais irrelevantes, como, por exemplo, sacralização do casamento civil.

A própria ideia de Contrato Social ---  tanto em Grotius como em Hobbe e Locke --- revela um progresso no sentido da desalienação (maior liberdade ou segurança) através de uma alienação parcial sob controle. A igreja que não lê nem sabe o que é isso. Mas coube a Jean-Jacques Rousseau ser o único pensador antes de Hegel a raciocinar amplamente em termos de alienação e desalienação. Ele faz isso ao postular a contradição entre “homem natural” e “homem social”. No mesmo sentido, a superação da contradição entre “vontade geral” e “vontade particular”, em Rousseau, é um projeto de desalienação.

No pensamento de Hegel, a alienação é o processo no qual a consciência se torna estranha a si mesma, afastada de sua real natureza, exterior à sua dimensão espiritual. A consciência coloca-se como uma "coisa", uma realidade material ou um objeto natural. O mesmo que reificação ou objetivação.

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Aqui mesmo no Maranhão têm pastores que andam criticando as pessoas que postam matérias políticas nos grupos evangélicos, como se suas vidas não fossem dirigidas pela política. Entretanto, enquanto esses pastores se mantêm ignorantes, a política dirige suas vidas no âmbito econômico, social, do direito, da saúde e, enfim, da vida social como um todo.

Indo mais a fundo, o conceito platônico da natureza, como imagem imperfeita do mundo das ideias, convida refletir sobre a problemática da concepção hegeliana da natureza como forma autoalienada do Espírito Absoluto. Deus criou o mundo e fez o homem para governá-lo. E criou a igreja para administrar a justiça divina entre os homens mas a igreja se nega, preferindo entregar a política nas mãos do diabo e ser governada por ele. Porque prefere viver de maneira alienada.

O conceito de alienação em Hegel, inicialmente denominado Positividade, a partir da “Fenomenologia do Espírito” (sobretudo da seção intitulada “O Espírito Alienado de Si Mesmo: Cultura”), assumiu finalmente os termos Alienação e Desalienação para expressar a ideia central e mais significativa de seu pensamento, conforme ficou resumido na sua “Enciclopédia das Ciências Filosóficas”.

O conceito hegeliano de autoalienação aplica-se ao Absoluto. A Ideia Absoluta (ou Espírito Absoluto) é a única realidade que Hegel reconhece. É um Eu dinâmico envolvido em um processo circular de alienação e desalienação. O Espírito Absoluto aliena-se de si mesmo na Natureza (que é a forma autoalienada da Ideia Absoluta) e retorna de sua autoalienação no Espírito Finito (o homem, que é o Absoluto em processo de desalienação). Desse modo, autoalienação e desalienação são formas do Ser Absoluto. Se a igreja entendesse isso, ela cumpriria melhor sua missão no mundo.

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Mas o homem é um ser natural e, portanto, alienado de si mesmo. Mas é também um ser histórico, capaz de alcançar um conhecimento adequado do Criador, o que implica um conhecimento da natureza e de si mesmo. Desse modo, o homem se desaliena, realizando o espírito finito e sua evolução em direção ao Deus Criador. Assim, ele articula estruturalmente a autoalienação e a desalienação.

Em suas obras “A Essência do Cristianismo” e “Princípios da Filosofia do Futuro”, Feurbach criticou a concepção hegeliana da Natureza como uma forma autoalienada do Espírito Absoluto e do homem como Espírito Absoluto em processo de desalienação.

Para Feurbach, o homem não é Deus alienado, mas Deus é que é o homem autoalienado. Nesse sentido, Deus é a essência abstraída do homem, absolutizada e afastada dele. A desalienação do homem se dá quando ele supera a imagem estranhada de si mesmo, ou seja, quando ele desconstrói o Deus que ele concebeu. Desse modo, Criador e criatura estão invertidos na alienação religiosa: o homem não é criado à imagem e semelhança de Deus, mas é Deus que é criado à imagem e semelhança do homem. Os papéis, na sociedade moderna, se inverteram. E onde está a igreja para mudar esse quadro da consciência moderna?

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Vejamos: a alienação é o processo no qual o ser humano se afasta de sua verdadeira natureza e torna-se estranho a si mesmo. Isso ocorre na medida em que ele já não controla sua atividade essencial, o trabalho, pois, no capitalismo, os objetos que produz, as mercadorias, adquirem existência independente de seu poder e antagônica a seus interesses.

A alienação é sempre alienação de si mesmo pela sua própria atividade, ou autoalienação. A igreja moderna patina nessa realidade e marcha para o fim dos tempos sem conhecimento e sem nenhuma estratégia de magnitude espiritual para ganhar o mundo para Cristo. Aliás, quer ganhar o mundo para Cristo com violência verbal, o que acaba aumentando o ódio do mundo contra o evangelho e contra tudo o que é de Deus ou que fala em nome dEle. O conceito marxista de alienação implica num apelo à desalienação pela transformação revolucionária da totalidade das relações sociais.

Nos “Manuscritos Econômicos e Filosóficos”, Marx concorda com Hegels no que tange à “autocriação do homem como um processo, a objetificação como a perda do objeto, como alienação e transcendência dessa alienação” (Terceiro Manuscrito). Mas abre dissidência com ele por ter identificado a objetificação com a alienação, ter considerado o homem como autoconsciência e a alienação do homem como alienação de sua consciência. A igreja caminha nessa tangente e acaba contrariando a vontade de Deus em matéria de evangelização e missões.

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A filosofia socialista concorda com a crítica de Feurbach à alienação religiosa, mas considera que ela é apenas uma forma de alienação dentre outras coisas. A alienação humana manifesta-se também nas formas de atividade espiritual como a filosofia, o senso comum, a arte, a moral. Nas formas de sua atividade econômica como a mercadoria, o dinheiro, o capital. Nas formas de sua atividade social como o Estado, o direito, as instituições sociais etc. São inúmeras as formas de alienação. Em todas elas, o homem aliena de si mesmo os produtos de sua atividade e elabora com eles um mundo subjetivo de coisas separadas, independentes e poderosas com as quais se relaciona como um escravo, impotente e dependente.

O livro de  Lukács “História e Consciência de Classe”,  de 1923, teve um impacto significativo no pensamento marxista. Lukács argumenta que a reificação (a transfiguração de relações sociais em coisas) é central na sociedade capitalista. Ele também enfatiza a importância da consciência de classe para a superação da subjugação dos trabalhadores. A obra contribuiu para debates sobre alienação, ideologia e ação revolucionária, influenciando gerações subsequentes de teóricos marxistas. Lukács estudou a alienação também em outros textos tanto sobre o jovem Hegel como sobre o jovem Marx.

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A expressão "igreja alienada", enfim, é uma crítica social à forma como algumas igrejas, especialmente as evangélicas, podem conduzir seus membros a uma postura de alienação social e política, em que a fé é usada para justificar a passividade diante de problemas sociais e a falta de engajamento cívico. Essa alienação pode se manifestar através da desvalorização da importância da ação social, do individualismo exacerbado e da falta de senso crítico em relação às estruturas de poder. 

Mas, enfim, o que significa "alienação" nesse contexto? No contexto da crítica à igreja, alienação refere-se a um estado de distanciamento ou falta de consciência da realidade social e política, em que o indivíduo é incapaz de reconhecer ou questionar as estruturas de poder e as relações de desigualdade que o cercam. Em outras palavras, a pessoa alienada é aquela que, por influência da igreja, se torna passiva diante de problemas sociais, justificando sua falta de ação com base em crenças religiosas.

Como a alienação se manifesta em algumas igrejas? Primeiro, com ê enfase no individualismo. Algumas igrejas podem promover uma visão individualista da fé, na qual a salvação é vista como algo exclusivamente pessoal, desvalorizando a importância da ação coletiva e do engajamento social.

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Segundo, com a desvalorização da ação social. A crença em um "mundo vindouro" pode levar algumas igrejas a desvalorizar a importância de lutar por transformações sociais no presente, incentivando a passividade diante de problemas como injustiça, desigualdade e pobreza. E isso é péssimo.

Terceiro, com a falta de senso crítico. Em alguns casos, a igreja pode se tornar um espaço onde o pensamento crítico é desencorajado, e os fiéis são incentivados a aceitar cegamente as doutrinas e os discursos religiosos, sem questioná-los.

Quarto, com o mau uso da fé para justificar a passividade. A fé pode ser utilizada como justificativa para a falta de engajamento cívico, onde os fiéis são encorajados a aceitar a realidade como ela é, sem buscar transformações sociais. 

A crítica à "igreja alienada" não é uma crítica à fé em si, mas sim um alerta sobre os riscos da alienação religiosa e da falta de engajamento social que pode ocorrer em algumas comunidades religiosas.

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É importante ressaltar que nem todas as igrejas promovem a alienação, e muitas delas desempenham um papel importante na construção de comunidades e no enfrentamento de problemas sociais.

Em quinto lugar, existem diferentes interpretações sobre o conceito de "igreja alienada". Algumas pessoas podem usar o termo para se referir a igrejas que pregam doutrinas consideradas extremistas ou que promovem o isolamento social dos seus membros. Outras podem usar o termo para criticar igrejas que se afastam da realidade social e política, negligenciando seu papel na transformação da sociedade. 

O debate sobre a alienação religiosa e o engajamento social, finalmente, é complexo e multifacetado, e a análise do termo "igreja alienada" requer uma compreensão cuidadosa do contexto em que ele é usado. Tenho conversado com pastores e líderes sobre a questão, mas eles alegam que têm dificuldade de se unirem para um debate público e coletivo. Isto quer dizer que a igreja não tem força de unidade e comunhão para cumprir o chamado do Senhor para a transformação do mundo (Romanos 12.2). De nada adianta ter convenção, se esta não consegue ter força de unidade e comunhão para conquistar e transformar o mundo para o Reino de Deus. Lamentavelmente triste.

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