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terça-feira, 21 de janeiro de 2025

COLUNA LEITURA LIVRE | por Battista Soarez

COLUNA LEITURA LIVRE

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Por Battista Soarez 
(Jornalista, escritor, psicanalista, teólogo e professor universitário)


A posse de Trump, a acessão de Bolsonaro na história e o futuro do Brasil
Qual o verdadeiro papel dos ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino diante do cenário geopolítico?

A posse Trump tem grandes significados para o Brasil e para o mundo | Foto: Divulgação

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A POSSE DE DONALD TRUMP nesta segunda-feira (20), como presidente dos Estados Unidos, pela segunda vez, tem um significado profundo para o Brasil, bem como para o mundo. Disso todos nós sabemos. Isso promete acentuar o discurso e as ações de direita. Trump, logo de início (neste primeiro dia), cuidou de editar mais de cem decretos que podem iniciar uma deportação em massa de migrantes ilegais, acentuar a negação das mudanças climáticas, iniciar uma guerra comercial com outros países, desestimular desinformação e fake news, atacar a diversidade sexual e a comunidade LGBTQIA+.

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Mesmo antes da posse, Trump já sinalizava um discurso norte-americano do início do século 20, falando em anexar o Canadá e tomar a Groenlândia. Todas esses ações afetarão a relação dos EUA com os demais países, dentre eles o Brasil que tem um presidente de esquerda. Minha análise, neste artigo, segue nesta linha de previsibilidade.

Antes, quero deixar claro que sou um simples jornalista. Um simples jornalista que tem o direito de pensar e o dever de defender a justiça em todas as dimensões: política, social, econômica, judiciária, educacional, cultural, religiosa etc. Foi para isso que, no dia da minha formatura em comunicação social (jornalismo), fiz juramento diante das autoridades acadêmicas.

Portanto, estou do lado da sociedade que vive a mercê da política escassa e injusta. Tenho acompanhado o sistema político e, no caso do Brasil, não vejo perspectiva de mudança, nem projeto que possa dar ao povo qualquer esperança.

Agora, a gente observa um protagonismo político de maldade que, cada vez mais, empurra o país para baixo, colocando-o numa situação de descompasso em que o povo deita eternamente no berço esplêndido do sofrimento.

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Para início de conversa, essa novela envolvendo Bolsonaro, Lula, Alexandre de Moraes e muitas outras questões que não conseguem sair do ambiente da política de inimizade, é um caso que não é de agora. Nunca, na história do Brasil, tivemos um governo sem conflito. A gente vota nos políticos para vê-los governar com equidade, justiça social e pacificidade, mas o que ocorre é que eles passam 4 anos de mandato brigando, desviando o dinheiro público e oprimindo o povo. Imitam cães e gatos.

A posse de Deonald Trump, como presidente dos EUA, traz, para o Brasil, perspectivas de aumento de conflitos haja vista que o governo Lula vem se comportando muito mal perante o cenário internacional. Amparado por dois ogros do judiciário, Lula está instalando, aos poucos, uma ditadura socialista que não se pode prevê aonde isso vai parar.

Escolhidos como homens de confiança do PT no STF, Alexandre de Moraes e Flávio Dino estão posicionados para proteger o Lula em qualquer coisa que ele queira fazer. Trata-se de um governo autocrático com decisões monocráticas em todos os sentidos. Enquanto Bolsonaro jogava dentro das quatro linhas da Constituição, Lula joga na contramão dela, atropelando todos os princípios constitucionais. O jogo da esquerda é oculto e está a serviço da sociedade secreta. Há uma intencionalidade voltada para uma agenda globalista secreta. E esse é o sistema, isto é, uma ponte geopolítica entre o presente e o futuro. 

Um ogro do STF tem o poder da arrogância e a má intencionalidade. O outro tem o poder da intelectualidade socialista maléfica altamente fundamentado em ideologia maquiavélica. Dino, o segundo ogro, lê Nicolau Maquiavel ao pé da letra. E lê, também, outros pensamentos do comunismo doentio. Chega a ser algo patológico. Por conseguinte, a direita não tem a mesma expertise e, por isso, corremos o risco de virar uma ditadura comunista em pouco tempo.

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Com isso, muitos que lutaram em 2022 para eleger o Lula, são os mesmos que, agora, querem tirá-lo do poder. Mas não é tão simples assim. Vai ter que haver um grande embate político. Dino tem, de có e salteado, as estratégias para manter a esquerda no poder. Os principais meios de comunicação estão sendo pagos para defender o governo Lula. E Dino é um intelectual de esquerda que entende do mundo jurídico e sabe jogar no campo da ideologia comunista. Um dos fenômenos do mal que Dino lê e admira é Vladimir Lênin (Vladimir Lich Ulyanov), fundador do Partido Comunista Russo. Lênin foi inspirador e líder da revolução bolchevique de 1917, e foi o primeiro líder do estado soviético, de 1917 a 1924. A Encyclopaedia Britannica diz que Lênin é considerado um dos líderes mais importantes do século 20. No entanto, fez muitas atrocidades contra pessoas humanas. Mas foi um teórico que inspirou o sistema comunista na Rússia.

Esse sistema fazia com que os russos ficassem limitados a viver na classe social em que nasceram, mantendo muitos cidadãos na pobreza. É a mesma ideologia defendida por Flávio Dino. A revolução francesa exerceu uma importante influência no pensamento de Lênin e outros revolucionários da Rússia. Dino está no STF para orientar Lula exatamente nessa direção. Só um milagre para que o Brasil não vire uma ditadura comunista. O que mais Flávio Dino admira é o fato de que os revolucionários russos foram uma geração de universitários e professores escolares inovadores, levando o sistema educacional formal da Rússia a formar diversos cidadãos contrários ao Império. Dino, até aos 13 anos de idade, já tinha lido cerca de 1200 livros. Isso, somado a Maquiavel, Karl Marx e outros da mesma linha de pensamento, formou um Flávio Dino estrategista da política comunista. Não por acaso, tão logo entrou na política, ele escolheu exatamente um partido comunista (o PCdoB).

Lênin defendia a revolução armada. Para ele, a revolução pacífica era inviável. Ele defendia que os trabalhadores utilizassem armas e guerreassem contra os burgueses. Parece que a orientação de Dino para Lula é no sentido de que, no caso do Brasil, deve-se desarmar a população e fragilizar o poder de arma das polícias, enquanto as facções criminosas se fortalecem e devem se armar fortemente. No momento apropriado, a revolução brasileira acontecerá pelas facções. Elas serão usadas, caso necessário, pelo governo Lula na tomada total do poder.

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Entenda que a ideologia do proletariado defendida por Lula e seus companheiros (aliás, Lula não está mais usando este jargão; por que será?) é diferente da ideologia de todas as outras classes. Lênin dizia que a ideologia do proletariado precisa do poder estatal, a organização centralizada da força, a organização da violência, tanto para esmagar a resistência dos exploradores quanto para liderar a enorme massa da população. Esse pensamento, aliás, está escrito no livro de Lênin intitulado Estado e Revolução, um dos livros estudados por Flávio Dino. E parece que é exatamente o que Dino pensa, se considerarmos a forma como ele orientou o Lula no 8 de janeiro de 2023. Ele também ameaçou convocar forças armadas estrangeiras caso as forças armadas brasileiras resistissem contra a posse da esquerda, independentemente da forma como aconteceram as eleições.

Não resta dúvida de que o grande mentor intelectual do Lula é Flávio Dino, auxiliado pela corajosa estupidez de Alexandre de Moraes que, como ministro do STF, sequer consulta qualquer código jurídico na hora de tomar uma decisão. O diálogo entre Dino, Moraes e Lula é a “lei” do país. Eles fazem o que querem e pronto. Para eles, no caso do Brasil, uma revolução pode partir da população pobre, mas não necessariamente dos pobres. Para isso, repito, as facções criminosas estão se alastrando no país inteiro, com apoio silencioso do governo de esquerda.

O Blog Leitura Livre, desde 2009, vem pesquisando o tema e entende que uma das estratégias de tomada de poder para a esquerda instalar uma ditadura comunista no Brasil é tornar o PT um partido único para o sucesso de uma possível revolução. Aliás, Dino e Moraes estão no STF para isso. Primeiro eles assumiram o poder pelo método da democracia distorcida. Agora, o STF vai começar legislar em favor de uma revolução. Caso haja resistência, eles partirão para o método da violência.

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Dino aprendeu, lendo os livros de Lênin, que uma revolução deve ser violenta. Caso contrário, o comunismo não será aplicado e a burguesia continuará no poder. Dino entende, como Lênin, que a prática é mais importante do que as teorias. Ele acredita, interpretando seus discursos, que a tomada de poder (revolução) pode ser feita pelos proletários sem uma revolução socialista intermediária. A ideologia da esquerda, portanto, é completamente diferente da ideologia da direita. Isso é verdade incontestável. É impossível compreender, por exemplo, a ideologia como algo elementar. Na noção de ideologia entra a moral, a arte (por isso a importância, para a esquerda brasileira, da Lei Rouanet) e a ciência.

Ninguém vai negar que a moral da direita e a da esquerda diferem de forma radical. A direita, por exemplo, nunca vai apoiar a igualdade de gênero. A esquerda, por sua vez, sempre vai ser a favor do aborto, da igualdade de gênero e de outras coisas. Ela sempre vai ser contra Deus e a igreja cristã. A esquerda está fundamentada em princípios das sociedades secretas (“o Estado é laico”). A direita está fundamentada em princípios cristãos (“Deus, pátria e família"). Também é fácil de provar que a arte carrega um claro caráter de classe: as imagens, seu conteúdo e a combinação delas são bastante diferentes no representante da direita e das artes e no representante da arte da esquerda. Diferentes emoções e sentimentos, em um e no outro, criam diferentes abordagens para a arte.

Relativamente à ciência, a questão é muito mais complexa. Mas sobre isto trataremos num próximo artigo aqui na Coluna Leitura Livre.

Por outro lado, pelo menos por enquanto, a posse de Donald Trump nos EUA traz para o Brasil uma série de impactos tanto econômicos quanto em relação a outras áreas, inclusive na política. Muitos analistas da geopolítica já notavam, antes da posse, quais seriam esses impactos. Acerca do câmbio, a percepção do mercado é de que o dólar tende a se valorizar ante o real e outras moedas, impulsionado por expectativas de um crescimento mais rápido da economia americana e de um ambiente mais favorável a investimentos internos.

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No que concerne às relações comerciais com o Brasil, com Trump no poder, haverá uma afetação no país. O agronegócio brasileiro, que já tem uma forte presença nas exportações para os Estados Unidos, deve ter impacto das tarifas e barreiras comerciais. Como tudo começa com relações comerciais, em um cenário de uma eventual nova guerra comercial entre EUA e China, o Brasil pode levar vantagem. Se os EUA, por exemplo, impuserem tarifas sobre produtos chineses, a China pode buscar alternativas, como a soja brasileira. Isso poderia aumentar a demanda por produtos agrícolas brasileiros como soja, milho e carne. Na contramão, a postura protecionista de Trump pode prejudicar exportações brasileiras para os Estados Unidos. Caso Trump reforce tarifas sobre produtos importados, isso pode reduzir o acesso do Brasil ao mercado norte-americano, especialmente olhando para produtos como carne bovina, açúcar e etanol.

Mas o que isso tem a ver com outras políticas para o Brasil? A questão é que Trump é de direita. Não foi por acaso que ele convidou Bolsonaro para a sua posse. E Bolsonaro, caso tivesse ido, iria reunir com chefes de Estado. Certamente um dos assuntos seria as eleições de 2026 no Brasil. Isso é muito importante para os EUA. Sabe-se que Bolsonaro dificilmente será candidato a presidente do Brasil em 2026. Resta, agora, definir quem será o candidato da direita que o ex-presidente irá apoiar. Tem que ser alguém que possa ter o poder de governabilidade bolsonarista e que possa montar uma estrutura política orientada por Jair Messias Bolsonaro. Então, a estratégia é não revelar quem será o candidato de Bolsonaro. Por quê? Porque Dino e Moraes estão vigilantes. Se a direita definir agora esse nome, o STF dará um jeito de impedi-lo, tornando-o inelegível. É isso.

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quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

COLUNA LEITURA LIVRE | por Battista Soarez

COLUNA LEITURA LIVRE

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Por Battista Soarez 
(Jornalista, escritor, psicanalista, teólogo e professor universitário)


M E M Ó R I A S
Conto sobre mim mesmo (2)
Sonhos, buscas e lutas a partir da minha aurora

Imagem meramente ilustrativa | Foto: Divulgação.

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DOTINHO, meu filho, tu queres ir com o papai? Ou queres ficar com a mamãe? — perguntaram-me minha mãe e meu pai.

Dotinho é como sou conhecido na família. Familiares e amigos íntimos me chamam assim desde a minha infância por razões de escolha de nome. Mas esta é uma outra história que não vou contar aqui.

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Diante da pergunta que meus pais me fizeram, eu fiquei sem entender absolutamente nada. Afinal de contas, eu só tinha 4 anos de idade. Era criança demais para entender a complexidade de um assunto tão sério. Olhei para todo o interior da casa e senti uma sensação estranha no peito, na barriga e certamente na alma. Algo como se tivessem me levando à força (e de fato estavam) do convívio e aconchego da minha mãe. Um nó entalou na minha garganta. Olhava para minha irmã Concinha, de 7 anos, e para o meu irmão Ailton, de apenas 1 aninho.

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Ailton e Concinha olhavam para mim e para a mamãe com olhares compridos e tristes. Três crianças, três inocentes testemunhando o pior momento de decisão de uma família. E não podíamos fazer nada. Éramos apenas três crianças. Mas já dava para sentir a dor estranha do tamanho vazio existencial que uma separação causa. Por que tinha de me separar da minha mãe e dos meus irmãos? Era a pergunta silenciosa que a minha inocência fazia naquele momento para um vácuo do qual não saía nenhuma resposta.

Hein, filho? Responde para a mamãe — insistia ela. — Quer ficar com a mamãe ou quer ir com o papai?

Papai estava com o cavalo celado na porta de casa. Eu olhava para a mamãe e sentia uma saudade emocionalmente dolorosa antecipada. Sabia que ia ficar longe dela por muito tempo. Eu estava totalmente divido. Não queria ficar sem meu pai. Mas também não queria ficar sem a minha mãe. Olhava para o papai. Olhava para a mamãe. Não sabia o que responder. Não sabia o que decidir. Mas tinha de fazê-lo. Tinha que dizer alguma coisa. O tempo estava passando. E, na verdade, eu não queria que ele passasse. Baixei a cabeça e... Até que…

Fico com a mamãe… Não… Vou com o papai — disse eu, totalmente com coração e pensamento divididos.

A resposta de uma criança nunca corresponde à verdade num momento de separação por irresponsabilidade dos pais. Uma criança nunca quer perder nem um nem outro. Eu, na verdade, queria ficar com a mamãe, mas acabei dizendo que queria ir com o papai.

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Mamãe me abraçou, me dando a benção. Papai me pegou pelos dois antebraços e me jogou na garupa do cavalo. Mamãe, em pé, começou a pentear, com os dedos, os cabelos asvoaçados da minha irmã. Ailton abraçou as pernas de Concinha. Os três (mamãe, Concinha e Ailton), juntos à porta, observavam os detalhes daquela situação indesejada. Melancólica. Papai, então, montou no cavalo e a viagem começou.

Começamos a caminhar. De quando em quando, eu olhava para trás e via meus irmãos tristes. Concinha e Ailton. Mamãe começou a chorar. Papai manteve o coração endurecido. Eu olhava para trás e, a cada metro de distanciamento, nos passos rápidos daquele cavalo castanho, meu coração sentia uma dor e uma vontade de descer do animal e voltar correndo para os braços aconchegantes da minha mãe. Mas a decisão impiedosa dos dois era maior do que a minha vontade. Eu não estava entendendo nada. Eu tinha só 4 anos.

Atravessamos a campina e entramos numa estrada em meio ao matagal, com destino a São Francisco dos Campos, povoado que pertence ao município de Cururupu. No caminho, eu observava os detalhes das paisagens que se misturavam, na minha mente, com imagens e pensamentos da mamãe e de meus irmãos. O silêncio tedioso da viagem era interrompido apenas pelas pisadas do cavalo (ora sobre o chão firme, ora sobre a areia branca e macia) e pelo ciciar das cigarras que, com seu “canto” estridente, faziam barulhos no meio daquele matagal. Os passarinhos também cantavam. E o vento, vindo do grande lago São Francisco, sibilava nas folhas das árvores altas e frondosas.

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Pai, eu tô com sede — disse eu a certo ponto da viagem.

Meu filho tá com sede? — papai perguntou com voz de paciência e carinho.

É, eu tô com sede.

Espera mais um pouco. Logo chegaremos a um povoado onde tem gente. E aí eu peço água para meu filho beber.

Vi que ele tocava o cavalo para que apressasse os passos e logo chegássemos a uma casa para eu beber água. A sede aumentava, e eu torcia para chegar numa casa à beira da estrada. As cigarras continuavam ciciando. Os pássaros gorjeavam continuamente, inclusive o sabiá. As árvores balançavam com o soprar do vento e papai não dizia uma palavra. Nem perguntava como eu estava me sentindo. Eu pensava o tempo todo na mamãe. Depois de algum tempo, chegamos a um pequeno povoado, As casas, como na campina onde morávamos, eram distantes umas das outras. E papai encostou na primeira residência.

Êh de casa! — ele chamou à porta.

Uma senhora apareceu.

Olá, bom dia! — atendeu a mulher.

Moça, bom dia. Sem querer incomodar a senhora, me consiga um pouco de água para este filho que está com sede.

Pois não — disse a mulher cordialmente, indo para o interior da casa e voltou logo em seguida com um copo na mão.

Papai recebeu a água, entregando o copo na minha mão. Eu bebi o líquido todo. Papai também disse que queria e a mulher foi buscar mais um copo d’água. Papai bebeu com prazer, devolvendo o copo à moça.

Obrigado, senhora!

De nada — respondeu a mulher.

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Papai puxou a rédia do cavalo de volta ao caminho e continuamos a viagem. Caminhamos, caminhamos e, demorando mais algum tempo, chegamos num campo, logo após atravessarmos um igarapé. O revoar de pássaros do campo indicavam um paraíso de água, samambaia, mururu e abundante pasto, onde os animais se fartavam o dia inteiro. Toda espécie de pássaros tinha naquele lugar. Garça, marrecos, tetéus, jaçanãs, japerçocas, andorinhas, socós e muitas outras espécies.

Pai, que campo é este? — Perguntei, admirando toda a beleza daquela paisagem.

São Francisco dos Campos — respondeu ele.

A gente já está perto de chegar?

Ainda tá um pouco longe. Mas logo a gente chega — respondeu papai.

O pedaço de campo por onde, agora, estávamos passando era longo. Mas o frescor do vento que soprava meio forte tornava a viagem agradável. Fiz um monte de perguntas para papai e ele respondeu a todas pacientemente. Perguntei, inclusive, quando eu ia voltar para a mamãe. Ele respondeu dizendo que não sabia. Mas ele disse que quando eu quisesse era só eu dizer a ele. Atravessamos todo aquele campo e, então, chegamos ao povoado São Francisco dos Campos. As casas eram de alvenaria. Eram casas de gente rica. Casas de criadores de gado e comerciantes. A Terra dos Bandeiras, pertencente a meus bisavós e avós por parte de pai, ficava logo depois do povoado Pirapema, que faz divisa com São Francisco. Passamos os dois povoados e, então, chegamos ao Bandeira.

Papai parou numa casa de palha e taipa. Apeou do cavalo e me fez descer da garupa. Uma mulher jovem e bonita veio nos atender.

Boa tarde, comadre — saudou meu pai.

Boa tarde, meu compadre — correspondeu a mulher.

Os dois se abraçaram e papai, olhando para mim, disse:

Tome a bênção para essa mulher. Ela é minha irmã. Sua tia. E é sua madrinha.

Tomei a bênção. Ela me abençoou e indicou onde iríamos dormir. Depois fomos convidados para sentar a uma mesa para o almoço. A partir daquele momento, passei a morar na casa da minha tia-madrinha, irmã caçula do meu pai. Mas seria apenas por algum tempo.

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quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

COLUNA LEITURA LIVRE | por Battista Soarez

COLUNA LEITURA LIVRE

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Por Battista Soarez 
(Jornalista, escritor, psicanalista, teólogo e professor universitário)


E se a igreja tivesse ouvido a voz da ciência e da história?
A “ekklesia”, hoje, é governada por homens despreparados, gananciosos e frios

Deus criou a ciência para instruir a igreja no conhecimento, e criou a igreja para educar a ciência na espiritualidade | Foto: Divulgação.

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PIERRE TEILHARD DE CHARDIN — que foi um padre jesuíta e, talvez, o maior teólogo católico do século XX — desenvolveu uma visão integradora da ciência e da fé cristã. Isso fez dele um cientista, filósofo e teólogo cristão de maior expressividade na sua geração. Quando estudei na Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), Campus Betânia, em Sobral, no Ceará, morei na casa do professor Petrus Johannes Van Ool, que foi aluno de Chardin, Carl Jung e Jean-Paul Sartre.

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Tradutor de 11 idiomas para a Editora Vozes, professor Petrus falava comigo sobre a intelectualidade desses homens da história do pensamento universal e informava-me sobre a contribuição deles para com a transformação do mundo. A maior contribuição de Chardin, por exemplo, foi essa visão integradora de ciência empírica e fé cristã, em que  lembrava professor Petrus  ele foi profundamente influenciado pelas ideias do apóstolo São Paulo sobre a atuação do Cristo no universo. Ele, Chardin, viu na evolução a obra do Cristo aperfeiçoando a natureza que criou. Tudo, nesse caso, converge para o ponto Ômega, isto é, a plenitude de toda a criação no Cristo de Deus.

Para Paul Schweitzer, Chardin via, na evolução, o dedo criador de Deus, enquanto alguns cristãos consideravam a teoria da evolução como incompatível com a fé cristã. Como sempre, por ignorância com roupagem de espiritualidade, a igreja tem o pérfido hábito de demonizar as oportunidades no transitar da história. O evolucionismo foi mais uma grande oportunidade, dentre tantas outras, desperdiçada pela igreja, no que concerne à obra da evangelização mundial. E Chardin enxergou isso. A igreja, no entanto, o ignorou, combatendo o seu pensamento. E eu, particularmente, sei bem o que é isso, no que diz respeito ao meu pensamento para a igreja atual e, também, com relação ao meu livro “A Igreja Cidadã”. Muitos fecham os olhos do entendimento intelectual para a evolução da igreja relativa à evolução do mundo e suas estruturas cosmossociais.

A teoria da evolução é perfeita (uma das mais bem elaboradas do mundo), exceto alguns equívocos que, mais tarde, foram corrigidos pelo próprio Charles Darwin, autor da teoria, embora isso tenha sido ignorado pelo mundo acadêmico. A igreja, inclusive, perdeu a oportunidade de evoluir a partir dessa teoria. Preferiu parar no tempo. A igreja, portanto, não evoluiu, estagnando na história.

Para Chardin, no entanto, a evolução foi uma estratégia de Deus, por Ele adotada, na correlação com o argumento teológico da criação do universo, isto é, o criacionismo. A teologia, como ciência de investigação da verdade teológica (absoluta), sabe dizer, no seu argumento, o “quê” e o “Quem”. Mas não sabe dizer o “quando” e o “como”. A ciência, por sua vez, sabe o “quando” e o “como”, mas não sabe nada sobre o “quê” e o “Quem” da criação. Logo, unindo o “quê” e o “Quem” da teologia com o “quando” e o “como” da ciência, está, assim, resolvido o problema entre a Igreja de Jesus e o mundo de Deus.

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Deus não permitiu o surgimento da ciência para confrontar com a igreja, nem instituiu a igreja para confrontar com a ciência. Deus criou a ciência para instruir a igreja. E criou a igreja para educar a ciência no caminho da espiritualidade. Ou seja, a igreja foi criada para construir na ciência a obra espiritual do Cristo Salvador do mundo. A igreja, sem o conhecimento da ciência, é um corpo espiritual imaturo e insciente. E a ciência, sem espiritualidade, é um movimento nefando, heterodoxo e ímpio.

Portanto, um cientista cheio de Deus é um instrumento do Criador na transformação, no aperfeiçoamento e na evolução do mundo. E um teólogo, homem de Deus, cheio de ciência, é um agente e mensageiro de Deus na educação espiritual e evangelização do mundo. Teilhard de Chardin, portanto, passou essa visão para o mundo. Ele foi um enviado de Deus para a igreja. Mas a igreja não entendeu isso e, assim, jogou mais uma oportunidade, pérola de Deus, no lixo.

Muitos homens de Deus, no contexto da cristandade, são pérolas jogadas aos porcos. E não se deve jogar pérolas aos porcos. Por isso, no meu livro “A Igreja Cidadã”, eu digo que o maior inimigo da igreja não é o diabo. O maior inimigo da igreja é ela mesma. Pela visão que ela tem e pela forma como ela se comporta e se autoadministra a si mesma perante o cosmos social. A igreja, então, tem duas naturezas: a divina-invisível (corpo espiritual em Cristo) e a temporal-visível (corpo-religioso sem o Espírito de Cristo e, portanto, vazia de Deus). A primeira natureza se constitui a igreja eleita. A segunda natureza se constitui a igreja mundana e profana, meramente religiosa.

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Por isso, Teilhard de Chardin dizia que a evolução tem um sentido tanto imanente — inerente à consciência individual e que permanece no âmbito da experiência possível, agindo na captação da realidade através dos sentidos — como transcendente — inspiracional, superior e sublime, transcendendo, portanto, a natureza física das coisas e que está na dimensão da metafísica. — Para ele, o homem é a última coroa da obra evolutiva, isto é, a realização suprema da tendência à complexificação da matéria. De modo que a evolução não é guiada pelo acaso, mas tem uma lógica interna e “direções” evolutivas. Por isso, para Chardin, a ciência e a religião são duas faces de um mesmo movimento de conhecimento da realidade.

Em tese, de acordo com Chardin, a vocação da humanidade é se unir para pensar nos problemas que tem que enfrentar. Enquanto isso, a evolução é a obra do Cristo aperfeiçoando a natureza que criou. Desta maneira, a lei de complexidade-consciência é uma lei de recorrência que se impõe à nossa observação. No geral, a presença do Cristo ressuscitado impregna todo o universo com uma força divina. E a conclusão de Teilhard de Chardin, enfim, é de que a perfeição espiritual e a síntese material são dois aspectos correlatos de um mesmo fenômeno.

Estudando a matéria, encontro o espírito”, dizia Chardin. Isso significa que a ciência e a fé cristã são decisivamente contributivas para as possibilidades de um diálogo — embora nos seus respectivos âmbitos — para além de ingênuos concordismos e recorrentes leituras opositivas.

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Quando a gente conversa com pessoas da igreja, percebe-se uma espiritualidade vazia de conhecimento divino no âmbito da sua falta de maturidade. Com a escola dominical vazia, as igrejas (e as neopentecostais sequer sabem o que é isso), de modo geral, denotam uma compreensão negativa de que a espiritualidade é uma síntese de incerteza e confiança. Ou seja, um sentimento de impotência combinado com determinação e responsabilidade. Cada metade destas sínteses  incerteza sem confiança ou sem incerteza, um sentimento de impotência sem determinação e responsabilidade ou de determinação e responsabilidade sem humilde sentimento de impotência  torna a espiritualidade impossível.

Com isso em mente, em nível de espiritualidade cristã, podemos ver o que está errado com a concepção comum de que confiança é um tipo de conhecimento do qual a igreja visível está vazia. “O meu povo está sendo destruído porque lhe falta o conhecimento. Porque tu, sacerdote, rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim” (Oséias 4.6). Esta é a palavra de Deus que ecoa mundo afora. Muitos pastores não gostam de estudar e, por conta disso, suas igrejas são mal instruídas. E o Senhor diz que rejeita o sacerdote que não busca o conhecimento. Um pastor vazio do conhecimento de Deus é, portanto, um instrumento fácil de satanás dentro da igreja.

Homens como Chardin, Jung, Sartre, Freud, Darvin e outras figuras do pensamento universal tinham a incerteza da certeza como método de investigação da verdade. Nenhum deles era inimigo do Evangelho de Jesus, mas canais de oportunidades para esclarecer ao mundo a verdade espiritual, que dá sentido ao encontro com a salvação e o crescimento em Jesus Cristo. E a igreja não enxergou isso.

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Robert C. Solomon — professor de filosofia na Universidade do Texas, em Austin — diz que a confiança, como o amor, é, em geral, mal interpretada como uma atitude que tomamos para com outra pessoa. Assim também são as relações. São mal interpretadas no mundo como atitude. Dentro da igreja, confiança e relacionamento são atitudes escassas, e essa condição enfraquece a espiritualidade da igreja. Isto porque, com a ausência delas, as pessoas não se respeitam. O tratamento no ambiente é frio e sem a devida honra entre os irmãos, que não se tratam como tais. Até mesmo entre pastores.

Por conseguinte, tem pastor, por exemplo, que não me chama de pastor. Não que eu queira ser chamado de pastor. Não. Não é isso. Mas essa atitude, para mim, é um choque. É um choque porque, na prática, ele está me dizendo que não me reconhece como pastor. E ao fazer isso, ele está se colocando acima de Deus, que confiou em mim, me chamou, me capacitou e me ungiu para ser pastor, inclusive com domínio de conhecimento. Por isso, mesmo o pastor não me tratando como pastor, eu o trato como pastor com a devida honra. E, assim, faço a minha parte no Corpo de Cristo. Isso está dentro do quesito “relacionamento” espiritual.

Seguindo por essa trilha, vale dizer que a confiança autêntica amadurece o Corpo de Cristo espiritualmente e é algo mais que “confiança básica”, que consiste na noção de segurança física e emocional que muitos de nós, rotineira e afortunadamente, consideramos natural.

Por não ter ouvido a voz de Deus na ciência e na história, portanto, a igreja vive um baixo nível de espiritualidade. Ela não considera, finalmente, que a confiança é função de uma relação elevada de espiritualidade, isto é, uma dimensão da interação interpessoal e social em Cristo, e não uma atitude individual e egótica.


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sábado, 4 de janeiro de 2025

COLUNA LEITURA LIVRE | por Battista Soarez

COLUNA LEITURA LIVRE

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Por Battista Soarez 
(Jornalista, escritor, psicanalista, teólogo e professor universitário)

M E M Ó R I A S

Conto sobre mim mesmo (1)
Sonhos, buscas e lutas a partir da minha aurora

Imagem meramente ilustrativa que retrata o lago de São Francisco dos Campos, entre os municípios de Cururupu e Santa Helena, no MA, onde vivi parte da minha infância | Foto: Reprodução.

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DEVIDO AO MEU ATUAL ESTADO de saúde, vim para a casa da minha irmã mais velha, em Santa Helena, cidade onde me criei até aos 16 anos de idade. Nessa idade, 16 anos, mudei para São Luís, capital do estado do Maranhão, onde busquei oportunidade de estudo e trabalho e, com muita dificuldade, consegui me formar em jornalismo, teologia, pedagogia, sociologia e serviço social. Também estudei Direito. Depois fiz algumas pós-graduações.

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Mas a minha paixão principal mesmo são o jornalismo e o hábito de ler que, honrosamente, me levaram ao ofício de escritor. Meu pai, Felinto Estevan Soares, tinha o sonho de me ver formado em contabilidade. Mas, apesar de eu ter estudado contábeis por um tempo, não me identifiquei com a área. O jornalismo e o ofício de escritor preenchem perfeitamente minhas aptidões. Mas foram uma grande luta e uma longa trajetória.

Aproveitando o tempo em que estou na casa da minha irmã, temos conversado muito sobre nossa família, nosso tempo de infância e, enfim, sobre outros temas como, por exemplo, saúde, espiritualidade e até sobre política. De maneira que, neste longo feriado entre Natal e Ano Novo, a gente tem falado bastante sobre coisas edificantes para nossas memórias e existencialidade.

Lembro-me de que, quando criança, nós moramos em vários lugares. Desde o pequeno lugarejo Venturosa, zona rural da cidade de Mirinzal, onde nasci, até o povoado Chapadinha, em Santa Helena, na baixada maranhense, onde vivi os anos da minha infância e pré-adolescência, minhas lembranças dão conta de acontecimentos que contribuíram para minha educação e formação de caráter junto a meus pais e meus irmãos.

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Nossa casa em Chapadinha ficava numa campina bem à beira do caminho onde as pessoas passavam para vários destinos. Pescadores, vaqueiros, trabalhadores rurais e demais transeuntes passavam o dia inteiro na nossa porta. Eu tinha 4 anos de idade e lembro-me de que ficava sentado no batente da porta da rua vendo as pessoas e os movimentos. Às vezes, carros puxados a bois passavam carregados de arroz, milho, mandioca, peixe, madeira e outras coisas. Eu observava os detalhes para, depois, reproduzi-los nos brinquedos.

Filho, tá na hora do lanche — dizia mamãe. — Vem, filho, lanchar.

Isso acontecia, também, na hora do almoço e do jantar. Papai pouco parava em casa. Ele sempre estava viajando. Negociava de lugar em lugar. Meu pai tinha animais de montaria e carga. E lembro dele com os animais carregados de peixe seco, camarão, farinha, açúcar, cachaça, mel, rapadura, carne-de-sol e outras mercadorias. Com a venda desses produtos ele sustentava a família. Minha mãe ficava em casa, cuidando dos filhos e de outros afazeres domésticos.

Normalmente, ao viajar, papai deixava um ou dois paneiros de farinha, arroz, carne e peixe salpreso, carne-de-sol e peixe seco. Ele, por vezes, passava até três meses em viagem. Quando a comida acabava, mamãe chamava as galinhas no quintal, pegava uma e fazia um delicioso cozido de galinha caipira.

Era uma vida muito privilegiada. Simples, saudável. As casas eram afastadas umas das outras. Sempre com quintais espaçosos e arborizados. As pessoas, moradoras do local, eram gente de bem. Cumprimentavam-se sempre gentilmente. Eram conversadoras e respeitosas. Os pequenos comércios, chamados de quitandas, eram os locais onde os moradores faziam suas compras. Farinha, açúcar, café, fósforo, querosene e outras coisas.

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Não tinha luz elétrica. Nas casas, a gente usava lamparina. Na rua, à noite, a gente utilizava lanterna para alumiar os caminhos geralmente estreitos. Em época de lua cheia, não precisava usar lanterna. A claridade da lua era o bastante para alumiar os caminhos de areia ladeados por capins baixos e castigados pelo sol durante o verão.

Nossa casa era simples. Tinha sala, um quarto e uma cozinha. Um jirau servia para a gente lavar as louças e cortar a comida. Um fogão a lenha e um fogareiro eram os únicos meios de cozinhar. Geralmente à tarde, mamãe saía pelo mato à procura de árvores ressecadas para delas fazer lenha. Quando queríamos comer um assado na brasa, mamãe queimava a lenha até virar um braseiro. Assim assávamos o peixe, a carne e o franco caipira. Minha mãe fazia um frango caipira assado de sabor incomparável.

Ela tratava a ave cuidadosamente, temperava com todos os ingredientes de cozinha e, depois de um tempo no tempero, ela botava no fogo para ferver até refugar bem. Só então ela colocava na brasa para assar. Até ficar ao ponto. O arroz, pego na roça e pilado no pilão feito pelo meu pai, era cozido com gordura de porco. Depois éramos servidos.

Crianças, o almoço está pronto — gritava mamãe.

Papai também era avisado de que o almoço estava na mesa. E assim, em família, fazíamos nossas refeições todos os dias, almoço e janta. Éramos felizes, e não sabíamos.

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Um dia, papai e mamãe se desentenderam e decidiram se separarem, jogando fora 25 anos de casamento. Cinco filhos tiveram que engolir uma triste realidade. No dia em que meu pai foi embora, levou-me com ele. Papai e eu fomos morar no povoado Bandeira, terra dos meus avós, descendentes de escravos, quilombolas. Meu bisavô, Felinto Bandeira, recebeu carta de alforria e lhe foi dada aquela terra para que ele pudesse trabalhar e seguir a sua vida como escravo livre. Hoje, Flávio Dino, quando governador, tomou nossas terras e vendeu. Somos 66 famílias herdeiras daquele patrimônio. Nossa história está toda naquele lugar: Terra dos Bandeiras. Minha avó por parte de pai, Firmina Bandeira, morreu na década de 1970 e, por ser analfabeta, não deixou as questões resolvidas.

Mamãe e papai, agora separados, nos contavam casos de nossa família, tanto do lado materno, quanto do paterno. Somos uma mistura, diziam meus pais, de espanhóis, portugueses, escravos e indígenas. As famílias Soares e Pestana são oriundas da nobreza espanhola e portuguesa. Papai me contava histórias do meu bisavô, Antônio Marcolino Soares, que foi o primeiro promotor de justiça da cidade de Pinheiro, no Maranhão.

Meu filho, meu avô era um homem honrado — contava papai. — Eu não o conheci, mas ouvi dizer que ele era muito justo e honesto em tudo o que fazia. Morreu picado por cobra nas Três Marias, povoado que fica entre Pinheiro e São Bento. Ele era dono das terras de Pacas.

Pacas, hoje, é uma cidade. E papai me dizia que meu bisavô gerou muitos filhos em Pinheiro e região.

Toda mulher grávida que dizia que o filho era dele, ele procurava pela criança e a registrava — papai me dizia. — De maneira que a família Soares se tornou numerosa em Pinheiro, pelo Maranhão todo e pelo Brasil. É uma família muito grande e também muito honrada.

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Lembro dos pés de árvores. Eram densos. Enormes. Eu brincava o dia inteiro ouvindo o cantarolar dos pássaros no matagal, ao fundo do nosso quintal, e era maravilhoso ver o vento sibilando nas folhagens das árvores. As galinhas, no quintal, ciscavam à procura de alimento para si e, também, para alimentar seus filhotes, Ao ouvirem o chamado das mães, os pintinhos saíam correndo para junto delas, recebendo o alimento do seu bico. Esse instinto de cuidar dos filhos está presente em todo o reino animal. Assim como nos seres humanos.

Mãe — dizia eu — as galinhas cuidam dos pintinhos igual a senhora cuida da gente.

Claro, filho! Mãe é mãe. Não importa se é gente ou animal.

Lembro das árvores altas que rodeavam quase todo o quintal e, nas noites de tempestades, aqueles gigantes metiam medo, balançando seus galhos enormes. No dia seguinte, porém, lá estavam: firmes, espalhando cheiro bom, gravetos e folhas que caíam e se espalhavam pelo chão ao redor. Minha mãe levantava às 5 horas da manhã para varrer aquelas folhas do quintal e queimá-las. Depois ela ia fazer o café e outros afazeres.

Crianças — dizia ela quase gritando — levantem para tomar café e estudar. Vocês precisam estudar para terem um futuro melhor.

E, é claro, a gente obedecia. Para mim, depois do café e da lição, tudo era brinquedo. Ladeando a beira da casa, que era ampla, e não tinha cerca, enfileiravam-se as plantações e o canteiros da mamãe. Havia erva-cidreira, capim-limão, murta, cajá, goiaba, pitanga e outras fruteiras. Um pouco afastado, havia pés de manga. Eu ficava ali o dia inteiro. Só saía para ir à escola, à igreja e para o passeio com a mamãe.

No dia da separação de meus pais, tudo isso ficou para trás. Novos capítulos da minha vida iriam protagonizar senas que mudaram os rumos da minha vida. Mas sobre isto falarei nos próximos contos.

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