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sexta-feira, 10 de junho de 2022

ENTREVISTA: PR. BATTISTA SOAREZ | UM AUTOR DE MUITAS IDEIAS | Por Marina Sousa

Um autor de muitas ideias (parte I)
O escritor, jornalista e pastor maranhense Battista Soarez tem escrito livros e artigos de impacto social. Sua obra A Igreja Cidadã já foi finalista em prêmio nacional de literatura, citada em dissertação de mestrado e até em pesquisas estrangeiras.

 

Por Marina Sousa
(Jornalista da Assembleia Legislativa do MA)

 

Pr. Battista Soarez, escritor e jornalista | Fonto: Roney Costa

AOS 54 ANOS DE IDADE, o escritor, jornalista, teólogo e pastor maranhense Battista Soarez tem contribuído com o desenvolvimento da igreja cristã brasileira através de suas ideias impressas em livros, artigos e ministrações de aulas universitárias e pregações na igreja evangélica, principalmente para pastores e líderes. Nascido em Mirinzal, município da baixada maranhense, o autor tem influenciado pessoas e igrejas na área de missões e evangelismo de impacto. Seu livro A Igreja Cidadã tem percorrido vitrines e prateleiras do Brasil e do mundo. Muitos projetos missionários, evangelísticos, sociais e trabalhos acadêmicos têm sido inspirados na obra de Battista Soarez. Nesta primeira entrevista, ele começa falando da sua carreira e da sua obra mais conhecida. E deixa patente que não escreve pensando em dinheiro. Mas na qualidade da escrita para alcançar pessoas e contribuir com a construção de “um mundo mais justo e melhor”. Vamos à entrevista.

LEITURA LIVRE Todo mundo tem uma ideia de si próprio. O senhor é escritor, jornalista, professor, pastor e dono de uma inteligência admirável. Como o senhor se autodefine?

BATTISTA SOAREZ — Olha, eu me acho um sujeito normal como qualquer outro. Apenas sou um indivíduo inquieto com o mundo e as pessoas que protagonizam os cenários dos caminhos por onde ando. Na igreja, nas empresas por onde trabalhei, entre grupos de amigos... enfim, sempre vejo alguém se comportando ou fazendo algo que me surpreende. Queria viver num mundo mais justo. Conviver com pessoas mais equilibradas e mais existencialmente normais. Mas, a cada dia, me surpreendo com atitudes e comportamentos de indivíduos que deveriam agir diferente e, assim, contribuir para se ter um mundo melhor. Sobre a inteligência, não vejo que sou dono de nada. Por trás de tudo, há um Deus Criador. Se Ele é o Criador, então Ele, sim, é o dono de tudo. Somos apenas veículos dos dons e da vontade dEle.

Livro A Igreja Cidadã, publicado pela AD Santos Editora

L. LIVRE Em 2009, fizemos uma entrevista publicada no Jornal Pequeno, de São Luís, quando da publicação do seu livro A Igreja Cidadã, publicado pela editora Arte Editorial, de São Paulo. Já faz bastante tempo. O que mudou de lá para cá?

B. SOAREZ — É! Faz tempo. Já se foram 13 anos. Mudou muita coisa nesse espaço de lá para cá. Hoje, principalmente com o advento da pandemia da COVD-19, a configuração do mundo mudou. Na política, na educação, na economia. E até na igreja.

L. LIVRE O senhor se dedicou ao jornalismo desde quando era ainda muito jovem. Eu me lembro disso, porque trabalhamos juntos no Jornal de Hoje. Quem nasceu primeiro? O escritor ou o jornalista?

B. SOAREZ — (Risos...). Os dois começaram numa idade muito tenra. Mas acho que o escritor foi mais precoce porque desde os meus 12, 13 anos de idade eu já procurava burilar bem as palavras no rabiscar das primeiras letras nos meus cadernos escolares. Inclusive, as cartas feitas às namoradinhas da época já eram verdadeiras peças literárias. Caprichava nas palavras. Procurava conquistá-las de alguma maneira, assim como hoje faço com meus leitores. Já no jornalismo eu comecei aos 17 anos. Só que jamais imaginava que nalgum dia iria tomar a dimensão que tomei como escritor e jornalista.

L. LIVRE Hoje, aos 54 anos de idade, o senhor se sente realizado como escritor e jornalista?

B. SOAREZ — É o que eu amo fazer. Foi a maneira pela qual Deus me escolheu para alcançar as pessoas que precisam de mudança de mente e transformação de vida. Portanto, se estou sendo útil para as pessoas, estou realizado.

L. LIVRE O senhor ganha muito dinheiro com o ofício de escritor?

B. SOAREZ — Essa é a pergunta que mais eu ouço das pessoas na rua, inclusive dos amigos. Mas, olha, não escrevo pensando em dinheiro. Quando estou escrevendo, me dedico a pensar nos meus personagens, quando a atividade do momento é um romance ou um conto. Concentro-me na realidade do tempo presente, passado e futuro quando, por exemplo, estou escrevendo um ensaio. Penso na combinação harmoniosa de frases e palavras, quando escrevo um poema. Portanto, o dinheiro, para mim, é uma consequência natural daquilo que faço com amor, por prazer, dedicação e com muita responsabilidade. Mas nunca ganhei dinheiro com livros. Se em algum dia tiver que ganhar dinheiro com livro, será consequência natural daquilo que faço por amor e qualidade.

L. LIVRE Além de escritor, jornalista e professor universitário, o senhor tem outras aptidões, profissões e formações acadêmicas como, por exemplo, assistente social, sociólogo, teólogo e pedagogo. Como é administrar essa versatilidade de conhecimento em uma pessoa só?

B. SOAREZ — Eu coloco tudo no mesmo bojo. No mesmo pacote, para ser bem claro. Como assistente social, procuro estudar, analisar, interpretar e entender as expressões multifacetadas da questão social para intervir na realidade social que, com suas mazelas, atormenta, oprime e destrói a vida dos indivíduos em situação de vulnerabilidade social. O serviço social me completa porque me leva a dialogar com outras áreas como sociologia, psicologia, história, economia, ciência política, antropologia, filosofia, direito, ética e estatística. Portanto, como assistente social, me sinto um cidadão sociopolítico capaz de criticar e intervir nas muitas retrações desse conjunto de desigualdades existente no antagonismo entre a socialização da produção e o poderio privado nesse injusto universo de capital e trabalho. E, para isso, a minha ferramenta é o instrumento científico multidisciplinar das ciências humanas e sociais. Para mim, tudo isso me realiza e me faz feliz intelectual e profissionalmente.

L. LIVRE E as outras profissões?

B. SOAREZ — Como disse, ponho tudo num bojo só. Como pedagogo, estudo a educação, o processo de ensino e a aprendizagem humana tanto individual como coletivamente. Como sociólogo, procuro compreender a sociedade, seus padrões de relações sociais, a interação social dos grupos e a cultura da vida cotidiana. E também a ordem social e sua evolução. Como psicoterapeuta (pois sou psicopedagogo e psicanalista), percorro os caminhos do processo dialético para ajudar os indivíduos no âmbito dos problemas de saúde mental. Como teólogo, mergulho na existência e na espiritualidade humanas para explicar os atributos de Deus e suas relações com os seres humanos, sempre levando em conta as implicações no âmbito das cinco inteligências humanas que são a inteligência biológica, a inteligência emocional, a inteligência psicológica, a inteligência cognitiva e a inteligência espiritual. E como jornalista, eu investigo os fatos, coleto e analiso as informações, levando em consideração a interação de eventos, fatos, ideias e pessoas que afetam a sociedade em seus mais diversos graus. Então, tudo isso se aplica à ocupação, aos métodos de coleta de dados e à organização de estilos literários a que me dedico. Já como escritor, eu pego tudo isso, nas palavras escritas com inspiração, técnicas e estilos para pensar e comunicar minhas ideias de acordo com a hermenêutica pedagógica, social e literária do tempo presente para contribuir com o desenvolvimento da cultura da sociedade que presenciamos no seu transcorrer cotidiano. Há uma história que acontece todos os dias e precisamos acompanhar e observar os fatos e, assim, registrá-los para as gerações futuras.

L. LIVRE E o senhor ainda cursou direito, não é isso?

B. SOAREZ — Sim. Estudei as ciências jurídicas e ainda estudo. Aliás, eu estudo todos os dias as áreas em que me formei e pratico minha atuação. E acho que ainda não atingi 0,1% da minha capacidade de aprender.

L. LIVRE Sério?

B. SOAREZ — Verdade! O mundo é muito complexo. Eu gostaria de ter nascido numa época em que as editoras, o governo ou alguma instituição me pagassem só para eu estudar, palestrar, ministrar aulas e escrever ideias de desenvolvimento e, assim, contribuir com as mudanças sociais, a justiça e as estruturas da sociedade. Mas vivo em um país de cultura mental medíocre em que a gente não depende só de inteligência e de ter competência para ser valorizado. É preciso sorte, saber se livrar dos falsos amigos, se proteger dos invejosos e ter estômago forte para suportar “puxar saco” de políticos e poderosos. Um dia desses alguém do alto escalão do governo Flávio Dino me perguntou o porquê da injustiça de eu, ao longo da minha carreira, não ter sido chamado por nenhum governo para compor a estrutura político-administrativa do estado, já que minhas ideias têm sido utilizadas. E eu, então, respondi que não depende de mim. Depende daqueles que me conhecem e sabem do que eu sou capaz. Eu não sei “puxar saco”, não sei bajular ninguém e muito menos sair por aí me oferecendo para trabalhar e ajudar o estado a se desenvolver.

L. LIVRE Inclusive, lembro que, em 2008, fiz uma entrevista com o senhor na Rádio Esperança FM e o senhor falou que os presídios, as penitenciárias, deveriam ser utilizados como espaço de reeducação e aprendizagem para, de fato, ressocialização dos detentos. A SECOM do estado estava gravando nossa entrevista. No dia seguinte, a superintendência do governo ligou para a rádio pedindo seu telefone para pegar mais informações sobre suas sugestões. Como foi isso?

B. SOAREZ — Sim. Ligou. E eu lembro perfeitamente. A superintendente da SECOM do estado me ligou dizendo que a minha entrevista tinha sido gravada e se eu concordaria em lhe repassar mais informações sobre as minhas ideias. Perguntou se eu cobrava para isso. Eu disse que não cobrava nada. Ela perguntou se eu, então, concordaria em participar do projeto, remunerado pelo estado. Eu disse que concordaria e que, para mim, seria uma honra. E aí ela perguntou, também, se eu poderia lhe adiantar algumas ideias. Passamos mais de duas horas no telefone. Eu dando ideias e ela anotando tudo. Na verdade, o estado já tinha algumas atividades nesse sentido, mas muito remotas. A partir daquele momento, foi que nasceu a ideia de fazer o Plano de Educação nas Prisões para todo o Estado, concluído em 2015. Como você disse, nossa entrevista e o telefonema do estado foram em 2008.

L. LIVRE E aí? O senhor foi chamado pelo governo do estado para participar do projeto?

B. SOAREZ – Em nenhum momento. Até hoje espero.

L. LIVRE O senhor nasceu na baixada maranhense? É isso?

B. SOAREZ — Sim. Nasci em Mirinzal, num lugarejo chamado Venturosa. Que, aliás, será tema de um romance meu no futuro. Mas me criei em Santa Helena. Porque, quando eu tinha dois anos de idade, meus pais se mudaram para Santa Helena. Na verdade, meu pai era de Pinheiro, terra do meu avô Francisco Soares, que era filho de um jurista português, Antônio Marcolino Soares. Formado em Direito, Antônio Marcolino, meu bisavô, veio de Portugal para ser operador do direito no Brasil colônia. Ele foi o primeiro promotor de justiça da cidade de Pinheiro e, neste município, teve muitos filhos com mulheres diferentes. Meu pai me contou que todos os filhos que ele tinha colocava o sobrenome “Soares”. E, assim, ele povoou a cidade e aquela região com a família Soares. Era um homem namorador, mas muito justo. (Risos...).

L. LIVRE Seu pai ainda é vivo?

B. SOAREZ — Não. Faleceu em 2002, em Santa Helena, devido a problemas de diabetes e AVC.

L. LIVRE Há vários nomes talentosos na literatura e no mundo jurídico que vêm da baixada. O senhor tem orgulho de ser um baixadeiro ilustre, que tem levado a imagem do Maranhão, por meio dos seus livros, ao Brasil e ao mundo?

B. SOAREZ — Particularmente, não gosto muito da palavra “orgulho”. Isto porque não tem muito a ver comigo. Mas tenho a maior satisfação e felicidade de ser originário da baixada maranhense. Minha região é linda. Verdejante. Tem flora e fauna de dar inveja. Tem muita fartura de água, terra boa para se plantar de tudo. Tem muito peixe, animais silvestres, pássaros e, portanto, uma biodiversidade incrível. Se eu pudesse, moraria lá o resto da vida, escrevendo meus livros com muita felicidade. As regiões campestres do Maranhão são inspiradoras. Penso que todo escritor e poeta por vocação gostariam de morar na baixada maranhense, navegando de canoa, barco, andando a cavalo, pescando de anzol e outros instrumentos em mares, lagos, lagoas, rios e igarapés. Isso não tem preço. Muito linda a minha região. Vale lembrar que o escritor e cineasta José Louzeiro, autor do romance Lúcio Flávio, o passageiro da agonia, era de Cururupu, cidade vizinha da minha Mirinzal.

L. LIVRE Seu livro mais conhecido é o A Igreja Cidadã? Foi até citado por empresas estrangeiras ligadas à ONU em pesquisas sobre organização de comunidades sustentáveis para produção de biocombustível. Aliás, em 2008, ele foi finalista no Premio Nacional de Literatura Areté, em São Paulo. Lembro que, à época, o senhor ganhou de vários autores de peso nacionais e estrangeiros como, por exemplo, do famoso escritor norte-americano Peter Wagner, autor de Estratégias para o crescimento da Igreja. Como nasceu a ideia de escrever um livro assim, associando o trabalho de evangelização às atividades de desenvolvimento social?

B. SOAREZ — Vamos por parte. Eu costumo dizer que a denominação cristã que não tem, pelo menos, uma rede de ensino (escolas de qualidade) e um hospital de referência em saúde, não é uma igreja missionária. A Igreja Cidadã (agora publicado pela AD Santos Editora, de Curitiba, Paraná) é um livro que escrevi praticamente de joelhos, orando e buscando sabedoria em Deus para gestar uma ideia que viesse dar serviço para a igreja evangélica brasileira que, do meu ponto de vista, estava e está muito inerte, fazendo muito pouco por vidas humanas. Na época eu estava no Ceará, cursando a faculdade na área de educação, na Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). Eu já era bacharel em Teologia e, agora, estava estudando pedagogia, a ciência da educação, justamente para entender melhor a sociedade do meu tempo. Tinha acabado de escrever um projeto publicado sob o título de “Momento de reflexão para uma igreja planificada” (que não tem nada a ver com a ideologia socialista), que foi a ideia que deu origem ao IPER (Instituto de Pesquisa Ensino e Ressociabilização), que criou o Projeto Nova Alcântara (PNA), liderado pelo pastor Edilson de Carvalho Lins. Lá no Ceará, na Universidade Estadual, morei na casa do professor Petrus Johannes Von Ool, um padre holandês, casado, que foi aluno de Jean-Paul Sartre e de Carl Jung.

L. LIVRE Sartre, o filósofo? E Jung, o pai da psicologia analítica?

B. SOAREZ — Sim. Isso mesmo. Morei na casa dele. E ele me dava aula das culturas universais, no jardim da casa dele, até às duas, três horas da manhã... Bem, ali falei para o professor Petrus que eu estava escrevendo um livro e, então, conversei com ele sobre o tema e as características da obra. Ele, rapidamente, disse-me: “vamos aqui”. Subiu comigo para o segundo piso do prédio e mostrou-me um quarto cuja janela ficava de frente para o nascer do sol. E aí ele me disse: “Fique à vontade. A partir de agora este ambiente é seu”. Ele falava 11 idiomas fluentemente, dentre os quais o grego e o hebraico. E era tradutor de livros para a Editora Vozes. Instalei, então, minha máquina de datilografia, meus livros de pesquisa e passei a escrever. Mas, antes, eu dobrei os meus joelhos e orei ao Senhor Deus perguntando a Ele qual o título que eu deveria dar àquela visão que estava sendo implantada em Alcântara. Foi quando eu senti uma sensação de alegria que ligava meu coração à minha mente e, como um sopro suave, senti sussurrar: “A igreja cidadã. Esta é a mensagem, a visão que eu quero que tu escrevas a respeito do que vocês vão desenvolver a partir daquele local. Cuidem das necessidades das pessoas”.

L. LIVRENossa! Incrível isso.

B. SOAREZ — Foi por isso que quando o pastor Edilson Lins, em 2002, perguntou-me como deveríamos começar, o Espírito Santo respondeu imediatamente através da minha boca para ele: “Reúna a comunidade e pergunte qual é a necessidade do povo. Vamos trabalhar a partir das necessidades do povo”. E o pastor Edilson é muito ágil e prático. Diferente de mim que passo mais tempo pensando, elaborando ideias que possam ser úteis à justiça e ao desenvolvimento. Imediatamente ele reuniu o povo e fez a pergunta que o Espírito Santo tinha me orientado e que eu havia passado para ele. Então, uma menina de 11 anos respondeu: “queremos uma escola”. Sem perda de tempo, o pastor Edilson Lins, juntamente com a comunidade local, passou a implantar a visão missionária local por meio da educação. Hoje, o Projeto Nova Alcântara é uma realidade, tem diversos parceiros e uma grande escola com várias atividades de desenvolvimento local sustentável. Com o lançamento do livro A Igreja Cidadã em nível nacional, no ano de 2007, muitas pessoas que o leram implantaram esta visão missionária nas suas comunidades. Empresas cujos proprietários são cristãos passaram a organizar atividades humanísticas, cuidando de pessoas e orientando-as nos princípios do evangelho.

O livro Construindo Redes de Amizade é o manual prático da Igreja Cidadã.

L. LIVRE O senhor ministra cursos sobre estratégias de evangelismo e missões?

B. SOAREZ Sim. Dou consultoria institucional também. Estudo e pesquiso muito sobre estas áreas.

L. LIVREAgora, são dois livros. Não é? A Igreja Cidadã, que fala dos princípios do evangelho da justiça e cidadania, e o Construindo Redes de Amizade, lançado recentemente, que orienta a prática desses princípios. É isso mesmo?

B. SOAREZ — Exatamente. Construindo Redes de Amizade trata efetivamente de como trabalhar a metodologia do evangelismo envolvente, que é a implementação, na prática, da visão exposada no livro A Igreja Cidadã. Na verdade, os dois, juntos, são um curso completo de missões e evangelismo com suas devidas estratégias de alcance para fora...

L. LIVREEspera aí... Então, vamos tratar disto numa próxima entrevista, porque o leitor e eu queremos saber detalhes. O senhor tem muita experiência que não cabe numa única entrevista. Inclusive, na nossa entrevista de segunda-feira, 06/06, na rádio Esperança FM, o senhor falou de vários pontos da sua carreira como jornalista, escritor e pastor que muito nos interessam. Certo?

B. SOAREZ — Tudo bem. Estou à sua disposição.

(Continua na próxima edição do Leitura Livre)

MEMÓRIAS: DISCURSO DE COLAÇÃO DE GRAU (1984) | Dr. Jomar Câmara

Memória jurídica
Do discurso de colação de grau da UFMA em 1984, o que mudou após 36 anos no mundo do Direito?

 

Por Jomar Câmara
(Subprocurador Geral do Estado do Maranhão)

 

Dr. Jomar Câmara, subprocurador geral do Maranhão | Foto: arquivo pessoal.

DISCURSO DE COLAÇÃO DE GRAU
Curso de Direito da UFMA. Ano 1984.
Teatro Arthur Azevedo. São Luís/MA.

ERA O MÊS DE JANEIRO DO ANO DE 1984. Como orador oficial da Turma Kléber José Moreira Filho, da UFMA, então concludente do curso de Direito, em cerimônia realizada no Teatro Arthur Azevedo, eu, hoje Subprocurador Geral do Estado do Maranhão, após saudar autoridades presentes, pais, familiares, alunos concludentes e, em especial, o Paraninfo Profº Nivaldo Guimarães Macieira, expressei inquietações com o mundo, caracterizado por uma multiplicidade de fatores, mas sem esquecer a sociedade brasileira.

Falando das carreiras jurídicas aos 33 (trinta e três) jovens, homens e mulheres, para os quais foi dito que teriam o instrumento prático da linguagem como moeda corrente a partir daquele instante, eis que o direito se inflacionaria e se desvalorizaria à medida em que perdêssemos o lastro da ideia. Pensava nos ensinamentos do maior orador e jurista da história, Cícero, que já na Antiguidade transcrevia “que maior e melhor presente podemos dar à República do que ensinar e educar a juventude a descobrir suas potencialidades?


Foi expressado que se a sociedade não pode igualar os que a natureza criou desiguais, cada um nos limites da sua energia moral, no entanto pode reagir sobre as desigualdades nativas, pela educação, atividade e perseverança, tal a missão do trabalho que laboraríamos daquela data em diante como membros do corpo jurídico brasileiro. Logo da análise da conjuntura social brasileira naquela época foi dito que devíamos pensar como Rui Barbosa, em sua obra “Oração aos Moços” no qual adverte: “ides consagrar à lei, num país onde a lei absolutamente não exprime o consentimento da maioria, onde são as minorias, as oligarquias mais acanhadas, mais impopulares e menos respeitáveis, as que põem, e dispõem, as que mandam e desmandam e tudo a saber; num país onde, verdadeiramente, não há lei, não há moral, política ou juridicamente falando”.

Então, falei nas dificuldades a serem enfrentadas. Pois, no Brasil, a lei se deslegitima, anula-se e se torna inexistente, não só pela bastardia da origem, senão ainda pelos horrores da aplicação. Neste contexto, o ordenamento jurídico brasileiro da ocasião era insuficiente para reordenar o Estado, reclamando assim convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, revogando-se a legislação autoritária como a Lei de Segurança Nacional, tendo o novo ordenamento jurídica concepção de uma “Ordem Jurídica” por uma Constituição outorgada, legítima em um Estado Democrático de Direito.

A questão fundiária, tratada com certa dificuldade, naquele momento era controvertida, ensejando Reforma Agrária adaptada às suas exigências sociais, diluindo o conflito direto entre posseiros, de um lado e grileiros e proprietários de outro, na luta pela posse e propriedade da terra, uma vez que a moderna concepção da propriedade como função social vinha sendo desrespeitada e ignorada em diversos episódios referentes à posse da terra.

Os problemas eram tantos em 1984 que a Crise na Economia mundial e consequente Recessão Econômica no Brasil, exigia, como de fato, ainda, exige modernamente, uma reforma tributária, estruturada nos moldes da real vida social no país, objetivando-se a oferecer a todos mais participação no produto da arrecadação da União. Não cabia naquela época, assim como nesta, simples instituição de tributos, tirando-se diretamente ou indiretamente do contribuinte aquilo que é peculiar à sua existência. Os Estados e Municípios precisam de sustentáculos e mais repasses da receita bruta nacional.  Esse argumento, trouxe ao contexto que o Apóstolo Paulo em suas pregações falava que boa é a lei onde se executa legitimamente” BONA EST LEX, SI QUIS EA LEGITIME UTATUR”- querendo transmitir que- Boa é a lei quando executada com retidão, ou seja, boa será, em havendo no executor a virtude, que no legislador não havia.

Então, era vital reforma do judiciário brasileiro inspirando-se nos reais interesses da justiça, trazendo proposta séria e efetiva independência, política, administrativa e financeira. Sempre falando que era inadmissível o controle do Poder Executivo no processo de escolha, promoção e remuneração de magistrados. De igual forma coloquei que a instituição do Ministério Público, guardião da lei, deve ser liberada de tal subordinação, a fim de bem cumprir sua função constitucional. Que exista a independência entre os poderes da União Federal, conforme estabelecia o artigo 6º da Constituição, vigente, naquele período, mas que essa harmonia não era para tirar autonomia, quer do Judiciário, quer do Legislativo, sobrepondo o Executivo como suporte mestre de ambos. Devíamos excluir do executivo a função de legislar, como fazia esse Poder através de Decretos-Leis, como as Medidas Provisórias de hoje, uma vez agredir o homem democrático, sendo necessário nessa esteira que era urgente um efetivo sistema de assistência judiciária, a descentralização dos tribunais, o controle pelo Judiciário e Ministério Público, dos atos praticados na apuração das infrações penais, vez que, como acontecia, prejudicava a Justiça.


A sociedade humana é o meio em que o direito surge e desenvolve-se. Direito é realidade da vida social e não da natureza física ou do psiquismo da vida dos seres humanos, conforme leciona o Profº Hermes de Lima, na obra Introdução à Ciência do Direito. Por isso, trouxe à baila que deveríamos pensar nos moldes do insigne Advogado Sobral Pinto, o qual assegurava que o profissional do direito deve estar sempre dialogando com a democracia em busca da Democracia e do Estado de Direito. Democracia que para o ex-Presidente Médici é a forma de convivência política, não constituindo categoria lógica, imutável no tempo e no espaço, porém conceito histórico, sujeito às revisões impostas pela conveniência social.

Foi, então, concluída a temática, falando que nossa direção profissional diversificava-se em alguns aspectos sobressalentes como;-A questão do ensino jurídico resultante de pretensa perspectiva democrática, e as limitações do mercado de trabalho, real perspectiva de desvalorização da advocacia, com o rebaixamento de seu padrão cultural e técnico-profissional;-A dependência do Poder Judiciário e a crise na administração da justiça, configurando-se pela morosidade, custo elevado e elitismo, reclamando um esforço conjunto das três profissões forenses; magistratura, ministério público e advocacia, dando-lhes autonomia, mas garantindo ao advogado sua condição de “elemento indispensável à administração da justiça”, como está na lei;-Pesquisar objetivamente as condições do mercado de trabalho das atuais alternativas da profissão e as perspectivas de cada um.

Destarte, não nos desvairíamos em nosso inexperiente entrar no mundo jurídico-profissional: cultivando as relações de poucos amigos, inescrupulosamente escolhidos entre homens que nos pareçam mais graves e estudiosos, buscando os nossos livros que são amigos insuspeitos, verdadeiros e úteis, eis que o futuro grandioso nos esperava, na certeza de que Deus iluminaria nossos espíritos para conhecermos o caminho que devíamos trilhar, nos movendo o coração sempre para o bem. Obrigado!

Passados 36 anos, fica uma pergunta: existem diferenças entre a sociedade jurídica do Brasil daquela época e a de hoje?