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quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

COLUNA LEITURA LIVRE | por Battista Soarez

COLUNA LEITURA LIVRE

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Por Battista Soarez 
(Jornalista, escritor, psicanalista, teólogo e professor universitário)


E se a igreja tivesse ouvido a voz da ciência e da história?
A “ekklesia”, hoje, é governada por homens despreparados, gananciosos e frios

Deus criou a ciência para instruir a igreja no conhecimento, e criou a igreja para educar a ciência na espiritualidade | Foto: Divulgação.

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PIERRE TEILHARD DE CHARDIN — que foi um padre jesuíta e, talvez, o maior teólogo católico do século XX — desenvolveu uma visão integradora da ciência e da fé cristã. Isso fez dele um cientista, filósofo e teólogo cristão de maior expressão na sua geração. Quando estudei na Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), Campus Betânia, em Sobral, no Ceará, morei na casa do professor Petrus Johannes Van Ool, que foi aluno de Chardin, Carl Jung e Jean-Paul Sartre.

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Tradutor de 11 idiomas para a Editora Vozes, professor Petrus falava comigo sobre a intelectualidade desses homens da história do pensamento universal e informava sobre a contribuição deles com a transformação do mundo. A maior contribuição de Chardin, por exemplo, foi essa visão integradora de ciência empírica e fé cristã, em que, lembrava professor Petrus, ele foi profundamente influenciado pelas ideias de São Paulo sobre a atuação do Cristo no universo. Ele, Chardin, viu na evolução a obra do Cristo aperfeiçoando a natureza que criou. Tudo, nesse caso, converge para o ponto Ômega, a plenitude de toda a criação no Cristo de Deus.

Para Paul Schweitzer, Chardin via, na evolução, o dedo criador de Deus, enquanto alguns cristãos consideravam a teoria da evolução como incompatível com a fé cristã. Como sempre, por ignorância com roupagem de espiritualidade, a igreja tem o pérfido hábito de demonizar as oportunidades no transitar da história. O evolucionismo foi mais uma grande oportunidade, dentre tantas outras, desperdiçada pela igreja, no que concerne a obra da evangelização mundial. E Chardin enxergou isso. A igreja, no entanto, o ignorou, combatendo o seu pensamento. E eu, particularmente, sei bem o que é isso, no que diz respeito ao meu pensamento para a igreja atual e, também, com relação ao meu livro “A Igreja Cidadã”.

A teoria da evolução é perfeita (uma das mais bem elaboradas do mundo), exceto alguns equívocos que, mais tarde, foram corrigidos pelo próprio Charles Darwin, autor da teoria, embora isso tenha sido ignorado pelo mundo acadêmico. A igreja, inclusive, perdeu a oportunidade de evoluir a partir dessa teoria. Preferiu parar no tempo. A igreja, portanto, não evoluiu, estagnando na história.

Para Chardin, a evolução foi uma estratégia de Deus, por Ele adotada, na correlação com o argumento teológico da criação do universo, isto é, o criacionismo. A teologia, como ciência de investigação da verdade teológica (absoluta), sabe dizer, no seu argumento, o “quê” e o “Quem”. Mas não sabe dizer o “quando” e o “como”. A ciência, por sua vez, sabe o “quando” e o “como”, mas não sabe nada sobre o “quê” e o “Quem” da criação. Logo, unindo o “quê” e o “Quem” da teologia com o “quando” e o “como” da ciência, está, assim, resolvido o problema entre a Igreja de Jesus e o mundo de Deus.

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Deus não permitiu o surgimento da ciência para confrontar com a igreja, nem instituiu a igreja para confrontar com a ciência. Deus criou a ciência para instruir a igreja. E criou a igreja para educar a ciência no caminho da espiritualidade. Ou seja, a igreja foi criada para construir na ciência a obra espiritual do Cristo Salvador do mundo.

Portanto, um cientista cheio de Deus é um instrumento do Criador na transformação, no aperfeiçoamento e na evolução do mundo. E um teólogo, homem de Deus, cheio de ciência, é um agente e mensageiro de Deus na educação espiritual e evangelização do mundo. Teilhard de Chardin, portanto, passou essa visão para o mundo. Ele foi um enviado de Deus para a igreja. Mas a igreja não entendeu isso e, assim, jogou mais uma oportunidade, pérola de Deus, no lixo.

Muitos homens de Deus, no contexto da cristandade, são pérolas jogadas aos porcos. E não se deve jogar pérolas aos porcos. Por isso, no meu livro “A Igreja Cidadã”, eu digo que o maior inimigo da igreja não é o diabo. O maior inimigo da igreja é ela mesma. Pela visão que ela tem e pela forma como ela se comporta e se autoadministra a si mesma perante o cosmos social. A igreja, então, tem duas naturezas: a divina-invisível (corpo espiritual em Cristo) e a temporal-visível (corpo-religioso sem o Espírito de Cristo e, portanto, vazia de Deus). A primeira natureza se constitui a igreja eleita. A segunda natureza se constitui a igreja mundana e profana, meramente religiosa.

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Por isso, Teilhard de Chardin dizia que a evolução tem um sentido tanto imanente — inerente à consciência individual e que permanece no âmbito da experiência possível, agindo na captação da realidade através dos sentidos — como transcendente — inspiracional, superior e sublime, transcendendo, portanto, a natureza física das coisas e que está na dimensão da metafísica. — Para ele, o homem é a última coroa da obra evolutiva, isto é, a realização suprema da tendência à complexificação da matéria. De modo que a evolução não é guiada pelo acaso, mas tem uma lógica interna e “direções” evolutivas. Por isso, para Chardin, a ciência e a religião são duas faces de um mesmo movimento de conhecimento da realidade.

Em tese, de acordo com Chardin, a vocação da humanidade é se unir para pensar nos problemas que tem que enfrentar. Enquanto isso, a evolução é a obra do Cristo aperfeiçoando a natureza que criou. Desta maneira, a lei de complexidade-consciência é uma lei de recorrência que se impõe à nossa observação. No geral, a presença do Cristo ressuscitado impregna todo o universo com uma força divina. E a conclusão de Teilhard de Chardin, enfim, é de que a perfeição espiritual e a síntese material são dois aspectos correlatos de um mesmo fenômeno.

Estudando a matéria, encontro o espírito”, dizia Chardin. Isso significa que a ciência e a fé cristã são decisivamente contributivas para as possibilidades de um diálogo — embora, nos seus respectivos âmbitos — para além de ingênuos concordismos e recorrentes leituras opositivas.

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Quando a gente conversa com pessoas da igreja, percebe-se uma espiritualidade vazia de conhecimento divino no âmbito da sua falta de maturidade. Com a escola dominical vazia, nas igrejas (e as neopentecostais sequer sabem o que é isso), de modo geral, denotam uma compreensão negativa de que a espiritualidade é uma síntese de incerteza e confiança, ou seja, um sentimento de impotência combinado com determinação e responsabilidade. Cada metade destas sínteses, incerteza sem confiança ou sem incerteza, um sentimento de impotência sem determinação e responsabilidade ou de determinação e responsabilidade sem humilde sentimento de impotência, torna a espiritualidade impossível.

Com isso em mente, em nível de espiritualidade cristã, podemos ver o que está errado com a concepção comum de que confiança é um tipo de conhecimento do qual a igreja visível está vazia. “O meu povo está sendo destruído porque lhe falta o conhecimento. Porque tu, sacerdote, rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdotes diante de mim” (Oséias 4.6). Esta é a palavra de Deus que ecoa mundo afora. Muitos pastores não gostam de estudar e, por conta disso, suas igrejas são mal instruídas. E o Senhor diz que rejeita o sacerdote que não busca o conhecimento. Um pastor vazio de Deus é, portanto, um instrumento fácil de satanás dentro da igreja.

Homens como Chardin, Jung, Sartre, Freud, Darvin e outras figuras do pensamento universal tinham a incerteza da certeza como método de investigação da verdade. Nenhum deles era inimigo do Evangelho de Jesus, mas canais de oportunidades para esclarecer ao mundo a verdade espiritual, que dá sentido ao encontro com a salvação e o crescimento em Jesus Cristo. E a igreja não enxergou isso.

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Robert C. Solomon — professor de filosofia na Universidade do Texas, em Austin — diz que a confiança, como o amor, é, em geral, mal interpretada como uma atitude que tomamos para com outra pessoa. Assim também são as relações. São mal interpretadas no mundo como atitude. Dentro da igreja, confiança e relacionamento são atitudes escassas, e essa condição enfraquece a espiritualidade da igreja. Isto porque, com a ausência delas, as pessoas não se respeitam. O tratamento no ambiente é frio e sem a devida honra entre os irmãos, que não se tratam como tais. Até mesmo entre pastores.

Por conseguinte, tem pastor, por exemplo, que não me chama de pastor. Não que eu queira ser chamado de pastor. Não. Não é isso. Mas essa atitude, para mim, é um choque. É um choque porque, na prática, ele está me dizendo que não me reconhece como pastor. E ao fazer isso, ele está se colocando acima de Deus, que confiou em mim, me chamou, me capacitou e me ungiu para ser pastor, inclusive com domínio de conhecimento. Por isso, mesmo o pastor não me tratando como pastor, eu o trato como pastor com a devida honra. E, assim, faço a minha parte no Corpo de Cristo. Isso está dentro do quesito “relacionamento” espiritual.

Seguindo por essa trilha, vale dizer que a confiança autêntica amadurece o Corpo de Cristo espiritualmente e é algo mais que “confiança básica”, que consiste na noção de segurança física e emocional que muitos de nós rotineira e afortunadamente consideramos natural.

Por não ter ouvido a voz de Deus na ciência e na história, portanto, a igreja vive um baixo nível de espiritualidade. Ela não considera, finalmente, que a confiança é função de uma relação elevada de espiritualidade, isto é, uma dimensão da interação interpessoal e social em Cristo, e não uma atitude individual e egótica.


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sábado, 4 de janeiro de 2025

COLUNA LEITURA LIVRE | por Battista Soarez

COLUNA LEITURA LIVRE

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Por Battista Soarez 
(Jornalista, escritor, psicanalista, teólogo e professor universitário)

C O N T O

Um conto sobre mim mesmo (1)
Sonhos, buscas e lutas a partir da minha aurora

Imagem meramente ilustrativa que retrata o lago de São Francisco dos Campos, entre os municípios de Cururupu e Santa Helena, no MA, onde vivi parte da minha infância | Foto: Reprodução.

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DEVIDO AO MEU ATUAL ESTADO de saúde, vim para a casa da minha irmã mais velha, em Santa Helena, cidade onde me criei até aos 16 anos de idade. Nessa idade, 16 anos, mudei para São Luís, capital do estado do Maranhão, onde busquei oportunidade de estudo e trabalho e, com muita dificuldade, consegui me formar em jornalismo, teologia, pedagogia, sociologia e serviço social. Também estudei Direito. Depois fiz algumas pós-graduações.

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Mas a minha paixão principal mesmo são o jornalismo e o hábito de ler que, honrosamente, me levaram ao ofício de escritor. Meu pai, Felinto Estevan Soares, tinha o sonho de me ver formado em contabilidade. Mas, apesar de eu ter estudado contábeis por um tempo, não me identifiquei com a área. O jornalismo e o ofício de escritor preenchem perfeitamente minhas aptidões. Mas foram uma grande luta e uma longa trajetória.

Aproveitando o tempo em que estou na casa da minha irmã, temos conversado muito sobre nossa família, nosso tempo de infância e, enfim, sobre outros temas como, por exemplo, saúde, espiritualidade e até sobre política. De maneira que, neste longo feriado entre Natal e Ano Novo, a gente tem falado bastante sobre coisas edificantes para nossas memórias e existencialidade.

Lembro-me de que, quando criança, nós moramos em vários lugares. Desde o pequeno lugarejo Venturosa, zona rural da cidade de Mirinzal, onde nasci, até o povoado Chapadinha, em Santa Helena, na baixada maranhense, onde vivi os anos da minha infância e pré-adolescência, minhas lembranças dão conta de acontecimentos que contribuíram para minha educação e formação de caráter junto a meus pais e meus irmãos.

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Nossa casa em Chapadinha ficava numa campina bem à beira do caminho onde as pessoas passavam para vários destinos. Pescadores, vaqueiros, trabalhadores rurais e demais transeuntes passavam o dia inteiro na nossa porta. Eu tinha 4 anos de idade e lembro-me de que ficava sentado no batente da porta da rua vendo as pessoas e os movimentos. Às vezes, carros puxados a bois passavam carregados de arroz, milho, mandioca, peixe, madeira e outras coisas. Eu observava os detalhes para, depois, reproduzi-los nos brinquedos.

Filho, tá na hora do lanche — dizia mamãe. — Vem, filho, lanchar.

Isso acontecia, também, na hora do almoço e do jantar. Papai pouco parava em casa. Ele sempre estava viajando. Negociava de lugar em lugar. Meu pai tinha animais de montaria e carga. E lembro dele com os animais carregados de peixe seco, camarão, farinha, açúcar, cachaça, mel, rapadura, carne-de-sol e outras mercadorias. Com a venda desses produtos ele sustentava a família. Minha mãe ficava em casa, cuidando dos filhos e de outros afazeres domésticos.

Normalmente, ao viajar, papai deixava um ou dois paneiros de farinha, arroz, carne e peixe salpreso, carne-de-sol e peixe seco. Ele, por vezes, passava até três meses em viagem. Quando a comida acabava, mamãe chamava as galinhas no quintal, pegava uma e fazia um delicioso cozido de galinha caipira.

Era uma vida muito privilegiada. Simples, saudável. As casas eram afastadas umas das outras. Sempre com quintais espaçosos e arborizados. As pessoas, moradoras do local, eram gente de bem. Cumprimentavam-se sempre gentilmente. Eram conversadoras e respeitosas. Os pequenos comércios, chamados de quitandas, eram os locais onde os moradores faziam suas compras. Farinha, açúcar, café, fósforo, querosene e outras coisas.

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Não tinha luz elétrica. Nas casas, a gente usava lamparina. Na rua, à noite, a gente utilizava lanterna para alumiar os caminhos geralmente estreitos. Em época de lua cheia, não precisava usar lanterna. A claridade da lua era o bastante para alumiar os caminhos de areia ladeados por capins baixos e castigados pelo sol durante o verão.

Nossa casa era simples. Tinha sala, um quarto e uma cozinha. Um jirau servia para a gente lavar as louças e cortar a comida. Um fogão a lenha e um fogareiro eram os únicos meios de cozinhar. Geralmente à tarde, mamãe saía pelo mato à procura de árvores ressecadas para delas fazer lenha. Quando queríamos comer um assado na brasa, mamãe queimava a lenha até virar um braseiro. Assim assávamos o peixe, a carne e o franco caipira. Minha mãe fazia um frango caipira assado de sabor incomparável.

Ela tratava a ave cuidadosamente, temperava com todos os ingredientes de cozinha e, depois de um tempo no tempero, ela botava no fogo para ferver até refugar bem. Só então ela colocava na brasa para assar. Até ficar ao ponto. O arroz, pego na roça e pilado no pilão feito pelo meu pai, era cozido com gordura de porco. Depois éramos servidos.

Crianças, o almoço está pronto — gritava mamãe.

Papai também era avisado de que o almoço estava na mesa. E assim, em família, fazíamos nossas refeições todos os dias, almoço e janta. Éramos felizes, e não sabíamos.

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Um dia, papai e mamãe se desentenderam e decidiram se separarem, jogando fora 25 anos de casamento. Cinco filhos tiveram que engolir uma triste realidade. No dia em que meu pai foi embora, levou-me com ele. Papai e eu fomos morar no povoado Bandeira, terra dos meus avós, descendentes de escravos, quilombolas. Meu bisavô, Felinto Bandeira, recebeu carta de alforria e lhe foi dada aquela terra para que ele pudesse trabalhar e seguir a sua vida como escravo livre. Hoje, Flávio Dino, quando governador, tomou nossas terras e vendeu. Somos 66 famílias herdeiras daquele patrimônio. Nossa história está toda naquele lugar: Terra dos Bandeiras. Minha avó por parte de pai, Firmina Bandeira, morreu na década de 1970 e, por ser analfabeta, não deixou as questões resolvidas.

Mamãe e papai, agora separados, nos contavam casos de nossa família, tanto do lado materno, quanto do paterno. Somos uma mistura, diziam meus pais, de espanhóis, portugueses, escravos e indígenas. As famílias Soares e Pestana são oriundas da nobreza espanhola e portuguesa. Papai me contava histórias do meu bisavô, Antônio Marcolino Soares, que foi o primeiro promotor de justiça da cidade de Pinheiro, no Maranhão.

Meu filho, meu avô era um homem honrado — contava papai. — Eu não o conheci, mas ouvi dizer que ele era muito justo e honesto em tudo o que fazia. Morreu picado por cobra nas Três Marias, povoado que fica entre Pinheiro e São Bento. Ele era dono das terras de Pacas.

Pacas, hoje, é uma cidade. E papai me dizia que meu bisavô gerou muitos filhos em Pinheiro e região.

Toda mulher grávida que dizia que o filho era dele, ele procurava pela criança e a registrava — papai me dizia. — De maneira que a família Soares se tornou numerosa em Pinheiro, pelo Maranhão todo e pelo Brasil. É uma família muito grande e também muito honrada.

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Lembro dos pés de árvores. Eram densos. Enormes. Eu brincava o dia inteiro ouvindo o cantarolar dos pássaros no matagal, ao fundo do nosso quintal, e era maravilhoso ver o vento sibilando nas folhagens das árvores. As galinhas, no quintal, ciscavam à procura de alimento para si e, também, para alimentar seus filhotes, Ao ouvirem o chamado das mães, os pintinhos saíam correndo para junto delas, recebendo o alimento do seu bico. Esse instinto de cuidar dos filhos está presente em todo o reino animal. Assim como nos seres humanos.

Mãe — dizia eu — as galinhas cuidam dos pintinhos igual a senhora cuida da gente.

Claro, filho! Mãe é mãe. Não importa se é gente ou animal.

Lembro das árvores altas que rodeavam quase todo o quintal e, nas noites de tempestades, aqueles gigantes metiam medo, balançando seus galhos enormes. No dia seguinte, porém, lá estavam: firmes, espalhando cheiro bom, gravetos e folhas que caíam e se espalhavam pelo chão ao redor. Minha mãe levantava às 5 horas da manhã para varrer aquelas folhas do quintal e queimá-las. Depois ela ia fazer o café e outros afazeres.

Crianças — dizia ela quase gritando — levantem para tomar café e estudar. Vocês precisam estudar para terem um futuro melhor.

E, é claro, a gente obedecia. Para mim, depois do café e da lição, tudo era brinquedo. Ladeando a beira da casa, que era ampla, e não tinha cerca, enfileiravam-se as plantações e o canteiros da mamãe. Havia erva-cidreira, capim-limão, murta, cajá, goiaba, pitanga e outras fruteiras. Um pouco afastado, havia pés de manga. Eu ficava ali o dia inteiro. Só saía para ir à escola, à igreja e para o passeio com a mamãe.

No dia da separação de meus pais, tudo isso ficou para trás. Novos capítulos da minha vida iriam protagonizar senas que mudaram os rumos da minha vida. Mas sobre isto falarei nos próximos contos.

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