COLUNA LEITURA LIVRE
Igreja alienada é aborto de consciência e sua fé sobeja falsa santidade
É difícil ser agente de transformação e conquista com uma cristandade omissa em relação aos problemas sociais que afetam a humanidade.
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Imagem meramente ilustrativa | Foto: Divulgação. |
NOS ÚLTIMO TEMPOS tenho me empenhado na missão por instruir a igreja brasileira no âmbito de sua fé, evangelização e tarefa missionária. Isto faço por meio do jornalismo e da literatura. Meus livros, distribuídos por todo o Brasil, buscam formar mentes cristãs maduras, convertidas e sapientes. Eu que poucos gostam de ler. Todavia, os poucos que lêem fazem grande diferença na escala de valores que tornam a igreja cada vez mais eficaz. Mas tudo se torna muito difícil porque, no geral, temos uma igreja inerte, fria e embevecida na escassez de conhecimento e dinamismo estrutural para impactar o mundo com a ação do evangelho.
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Na Grécia antiga, a relação entre os seres humanos e o Logos está posta em Heráclito como alienação. E a alienação está presente em Platão quando ele postula a Natureza como imagem imperfeita do mundo das ideias. A metafísica da igreja passa pela corrente das transformações sociais na construção da sociedade que precisa se converter a Deus.
Na tradição cristã, a ideia de alienação e desalienação encontra-se na doutrina do pecado original e da redenção, e está presente no conceito de idolatria do Velho Testamento. A igreja católica polarizou a fé das pessoas com suas devoções a ídolos, mas, por outro lado, leva vantagem em relação à igreja evangélica pela sua participação social. Isto é o que o Senhor Jesus Cristo espera da Igreja, isto é, que ela seja participativa e consiga construir uma consciência social fundamentada nos princípios da justiça divina. Mas ela coloca uma venda religiosa nos olhos e se mantém cega diante dos problemas do mundo.
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A própria ideia de Contrato Social --- tanto em Grotius como em Hobbe e Locke --- revela um progresso no sentido da desalienação (maior liberdade ou segurança) através de uma alienação parcial sob controle. A igreja que não lê nem sabe o que é isso. Mas coube a Jean-Jacques Rousseau ser o único pensador antes de Hegel a raciocinar amplamente em termos de alienação e desalienação. Ele faz isso ao postular a contradição entre “homem natural” e “homem social”. No mesmo sentido, a superação da contradição entre “vontade geral” e “vontade particular”, em Rousseau, é um projeto de desalienação.
No pensamento de Hegel, a alienação é o processo no qual a consciência se torna estranha a si mesma, afastada de sua real natureza, exterior à sua dimensão espiritual. A consciência coloca-se como uma "coisa", uma realidade material ou um objeto natural. O mesmo que reificação ou objetivação.
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Indo mais a fundo, o conceito platônico da natureza, como imagem imperfeita do mundo das ideias, convida refletir sobre a problemática da concepção hegeliana da natureza como forma autoalienada do Espírito Absoluto. Deus criou o mundo e fez o homem para governá-lo. E criou a igreja para administrar a justiça divina entre os homens mas a igreja se nega, preferindo entregar a política nas mãos do diabo e ser governada por ele. Porque prefere viver de maneira alienada.
O conceito de alienação em Hegel, inicialmente denominado Positividade, a partir da “Fenomenologia do Espírito” (sobretudo da seção intitulada “O Espírito Alienado de Si Mesmo: Cultura”), assumiu finalmente os termos Alienação e Desalienação para expressar a ideia central e mais significativa de seu pensamento, conforme ficou resumido na sua “Enciclopédia das Ciências Filosóficas”.
O conceito hegeliano de autoalienação aplica-se ao Absoluto. A Ideia Absoluta (ou Espírito Absoluto) é a única realidade que Hegel reconhece. É um Eu dinâmico envolvido em um processo circular de alienação e desalienação. O Espírito Absoluto aliena-se de si mesmo na Natureza (que é a forma autoalienada da Ideia Absoluta) e retorna de sua autoalienação no Espírito Finito (o homem, que é o Absoluto em processo de desalienação). Desse modo, autoalienação e desalienação são formas do Ser Absoluto. Se a igreja entendesse isso, ela cumpriria melhor sua missão no mundo.
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Em suas obras “A Essência do Cristianismo” e “Princípios da Filosofia do Futuro”, Feurbach criticou a concepção hegeliana da Natureza como uma forma autoalienada do Espírito Absoluto e do homem como Espírito Absoluto em processo de desalienação.
Para Feurbach, o homem não é Deus alienado, mas Deus é que é o homem autoalienado. Nesse sentido, Deus é a essência abstraída do homem, absolutizada e afastada dele. A desalienação do homem se dá quando ele supera a imagem estranhada de si mesmo, ou seja, quando ele desconstrói o Deus que ele concebeu. Desse modo, Criador e criatura estão invertidos na alienação religiosa: o homem não é criado à imagem e semelhança de Deus, mas é Deus que é criado à imagem e semelhança do homem. Os papéis, na sociedade moderna, se inverteram. E onde está a igreja para mudar esse quadro da consciência moderna?
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A alienação é sempre alienação de si mesmo pela sua própria atividade, ou autoalienação. A igreja moderna patina nessa realidade e marcha para o fim dos tempos sem conhecimento e sem nenhuma estratégia de magnitude espiritual para ganhar o mundo para Cristo. Aliás, quer ganhar o mundo para Cristo com violência verbal, o que acaba aumentando o ódio do mundo contra o evangelho e contra tudo o que é de Deus ou que fala em nome dEle. O conceito marxista de alienação implica num apelo à desalienação pela transformação revolucionária da totalidade das relações sociais.
Nos “Manuscritos Econômicos e Filosóficos”, Marx concorda com Hegels no que tange à “autocriação do homem como um processo, a objetificação como a perda do objeto, como alienação e transcendência dessa alienação” (Terceiro Manuscrito). Mas abre dissidência com ele por ter identificado a objetificação com a alienação, ter considerado o homem como autoconsciência e a alienação do homem como alienação de sua consciência. A igreja caminha nessa tangente e acaba contrariando a vontade de Deus em matéria de evangelização e missões.
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O livro de Lukács “História e Consciência de Classe”, de 1923, teve um impacto significativo no pensamento marxista. Lukács argumenta que a reificação (a transfiguração de relações sociais em coisas) é central na sociedade capitalista. Ele também enfatiza a importância da consciência de classe para a superação da subjugação dos trabalhadores. A obra contribuiu para debates sobre alienação, ideologia e ação revolucionária, influenciando gerações subsequentes de teóricos marxistas. Lukács estudou a alienação também em outros textos tanto sobre o jovem Hegel como sobre o jovem Marx.
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Mas, enfim, o que significa "alienação" nesse contexto? No contexto da crítica à igreja, alienação refere-se a um estado de distanciamento ou falta de consciência da realidade social e política, em que o indivíduo é incapaz de reconhecer ou questionar as estruturas de poder e as relações de desigualdade que o cercam. Em outras palavras, a pessoa alienada é aquela que, por influência da igreja, se torna passiva diante de problemas sociais, justificando sua falta de ação com base em crenças religiosas.
Como a alienação se manifesta em algumas igrejas? Primeiro, com ê enfase no individualismo. Algumas igrejas podem promover uma visão individualista da fé, na qual a salvação é vista como algo exclusivamente pessoal, desvalorizando a importância da ação coletiva e do engajamento social.
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Terceiro, com a falta de senso crítico. Em alguns casos, a igreja pode se tornar um espaço onde o pensamento crítico é desencorajado, e os fiéis são incentivados a aceitar cegamente as doutrinas e os discursos religiosos, sem questioná-los.
Quarto, com o mau uso da fé para justificar a passividade. A fé pode ser utilizada como justificativa para a falta de engajamento cívico, onde os fiéis são encorajados a aceitar a realidade como ela é, sem buscar transformações sociais.
A crítica à "igreja alienada" não é uma crítica à fé em si, mas sim um alerta sobre os riscos da alienação religiosa e da falta de engajamento social que pode ocorrer em algumas comunidades religiosas.
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Em quinto lugar, existem diferentes interpretações sobre o conceito de "igreja alienada". Algumas pessoas podem usar o termo para se referir a igrejas que pregam doutrinas consideradas extremistas ou que promovem o isolamento social dos seus membros. Outras podem usar o termo para criticar igrejas que se afastam da realidade social e política, negligenciando seu papel na transformação da sociedade.
O debate sobre a alienação religiosa e o engajamento social, finalmente, é complexo e multifacetado, e a análise do termo "igreja alienada" requer uma compreensão cuidadosa do contexto em que ele é usado. Tenho conversado com pastores e líderes sobre a questão, mas eles alegam que têm dificuldade de se unirem para um debate público e coletivo. Isto quer dizer que a igreja não tem força de unidade e comunhão para cumprir o chamado do Senhor para a transformação do mundo (Romanos 12.2). De nada adianta ter convenção, se esta não consegue ter força de unidade e comunhão para conquistar e transformar o mundo para o Reino de Deus. Lamentavelmente triste.
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