“Morrer
não dói. O que dói é a vida, porque viver nos isola do resto da vida e nos
deixa vulneráveis”, disse um sábio indiano a um certo homem judeu que acabara de
perder um filho que tanto amava, por
conta de uma doença grave.
O
indiano tentava convencer o judeu de que a morte de uma pessoa não é uma
tragédia. Mas uma oportunidade única de ser promovido a uma vida superior e
melhor. Segundo ele, a alma de uma pessoa que morre volta para a grande corrente
da Vida superior, como uma gota d’água volta ao oceano, que é a sua origem.
Particularmente,
fico perplexo ante às duas culturas de crenças diferentes. O indiano aprendeu a
suportar a dor encarando-a como uma normalidade porque o seu maior foco é a
Vida superior já que, para ele, morrer é uma oportunidade única na vida.
“Alguns só têm a oportunidade de morrer depois de uma vida inteira de
sofrimento. Outros têm a sorte de tê-la numa fase mais jovem da existência”,
disse ele. O judeu, por sua vez, tem uma cultura mais existencialista e ama um
filho de tal modo que perdê-lo lhe custa muita dor e intensa lamentação. Qual
das duas crenças tem mais razão? A verdade é que se somos espiritualistas
extremos, verticalizamos a fé e pouco da existência nos importa. Se somos
existencialistas, focamos nossa fé nos valores da vida e sofremos dores quando
passamos por perdas e decepções.
Algumas
horas depois de ter saído do cartório onde me casei com a moça a quem amava na
minha mocidade — uma jovem universitária
do curso de Serviço Social, à época, por quem me apaixonei acreditando piamente
ser a mulher com quem viveria o resto da minha vida — ouvi dela a seguinte
frase: “Pois é. Me casei. Se eu não gostar da ideia, eu me separo”. Perguntei-lhe
por que então se casou. Ela respondeu: “Porque para fazer sexo sem pecado, tem
de casar”. Juro que quase voltei ao cartório para anular o casamento. Até hoje
me arrependo de não tê-lo feito. Olhei para ela e disse-lhe: “Se você tivesse
dito isso ontem, não teríamos nos casado”. Depois de sete anos, me vi envolvido
numa série de dores emocionais, conflitos e situações desagradáveis ocasionadas
pelo pedido de separação por parte dela. Então nos separamos e as consequências
que vieram a partir dali impediram inúmeras conquistas e avanços na minha vida,
interrompendo sonhos e realizações inclusive no ministério cristão e na minha carreira literária.
Isso
ocorreu porque uma metade dela entrou no casamento e a outra metade ficou do
lado de fora dele. E quando isso acontece, quando se entra numa relação
conjugal com apenas uma metade, deixando a outra do lado de fora, você já tem aí
quase cem por cento de garantia de que o matrimônio terminará em separação e
divórcio. Dou uma olhada panorâmica à minha volta, e vejo centenas de jovens caindo
na armadilha do mesmo erro: casam-se não porque querem uma vida de
responsabilidade, harmonia e renúncia em favor do matrimônio. Mas porque querem
fazer sexo e, depois, não ter de ficar com a consciência cheia de culpa.
Casam-se apenas por causa da moral, da ética social e religiosas que a sociedade e
a igreja lhes impõem. Depois pedem divórcio e terão que conviver com inúmeras
dores causadas pela desconstrução do amor que um dia juraram
perante o juiz e as testemunhas que seria por toda a vida, “até que a morte os”
separassem. Quando se trata de cristãos, tem uma
dor a mais: a dor da consciência religiosa por terem quebrado a doutrina que a
maioria das igrejas prega, de que o divórcio é um pecado sem perdão. Ou, uma
vez divorciados, terão de conviver com a dor de ficar sozinhos para o resto da vida.
Porque, quem casar pela segunda vez, vai ter de conviver com a dor de estar em
pecado de adultério para sempre. Como disse, certa vez, um homem decepcionado
com tantas tentativas erradas: “Se eu nunca tivesse amado, não estaria chorando
agora”. Para ele, o amor só lhe rendeu dores e sofrimento.
Olho
para o que o Senhor Jesus disse em Lucas
14.26 e leio: “Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai, e mãe, e
mulher, e filhos, e irmãos e ainda a sua própria vida, não pode ser meu
discípulo”. Mesmo assim, apesar disto que Jesus afirmou, vejo os cristãos
construindo um arranjo de idolatria em torno do casamento e da família. Quando
eu trabalhava na Editora CPAD, no Rio de Janeiro, um funcionário do setor de
contabilidade, que também era crente, me disse: “Deus acima de tudo, família em
primeiro lugar e a obra de Deus em segundo plano”. Olhei-o com incredulidade e
o corrigi: “Penso um pouco diferente, meu irmão. Permita-me lhe dizer... Deus
acima de tudo. A busca pelo reino de Deus e pela sua justiça em primeiro lugar.
E uma vez estando o nosso compromisso com o reino de Deus no seu devido plumo,
aí sim todas as outras coisas estarão bem (Mateus 6.33): família, finanças e
tudo mais. Isto é o que a Bíblia nos ensina. Não acha?”.
Quase
dez anos depois recebi a fatídica informação de que aquele irmão sofreu uma
turbulência no seu casamento e teve de separar. Se eu tivesse contato com ele
outra vez teria lhe dado a razão do seu divórcio, dizendo-lhe: “Irmão, quando
pomos a fé na família para depois servir a Deus, ela estará fadada ao fracasso. Quando,
porém, firmamos a fé em Deus para suster a família, esta estará segura e apta a
continuar. Casamento em primeiro lugar e o reino de Deus em segundo plano
representa um perigo iminente de cairmos no
abismo da separação e do divórcio. Quando praticamos o princípio bíblico e colocamos Deus em
primeiro plano, acima do casamento, este estará solidificado”. Não é Deus que
depende do casamento e da família, mas o casamente e a família é que dependem de
Deus.
Mas
eu tive maturidade suficiente para entender que aquele pensamento religioso não
era do meu colega de trabalho e irmão na fé cristã. Isto é o que eu ouço de quase
todos os líderes cristãos que, como minha ex-mulher fez com o nosso casamento, entraram para o reino de
Deus apenas com uma de suas metades, contradizendo a palavra do Senhor que diz:
“Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de todas as tuas forças e de
todo o teu entendimento” (Lucas 10.27).
Certa
vez Jesus disse que no céu ninguém se casa, nem se dará em casamento. “Porém,
são todos como os anjos nos céus” (Marcos 12.25). Porque o casamente, disse
Jesus, é uma necessidade [um negócio jurídico] meramente terrena. Lá no céu ninguém vai precisar
disso. Pelo viés da história ocidental, podemos avaliar que Jesus quis dizer que
o casamento é apenas um negócio jurídico que envolve interesses patrimoniais e
financeiros, firmado por um papel cartorial no direito romano, chamado
“certidão de casamento”. É um “contrato social” que incendeia nos casais ameaças
tipo: “faça-me feliz, satisfaça o meu ego, senão vamos ter muita dor de cabeça nos
tribunais”. Mesmo assim, idolatramos o casamento e a família no plano
“A”, empurrando o reino de Deus para o plano “B”.
A
verdade é que temos um medo fustigante e intransigente de perder as paixões da
nossa zona de conforto e, então, justificamos este medo criando pensamentos e
argumentações carregados de religiosidade e desprovidos de vida em Deus.
Receamos assumir o discipulado de Jesus deixando para trás a cruz das paixões
da vida transitória. Então levamo-las conosco. Aí preferimos seguir o rumo das nossas
paixões efêmeras, fazer as coisas erradas e depois perseguir a razão para
justificar os erros cometidos. Nunca usamos a inteligência espiritual para fazer a escolha
correta, mas usamos a inteligência comum, carregada de espertices, para elaborar desculpas brilhantes e assim aliviar a dor de ter
errado.
Como
disse nosso amigo indiano, morrer não dói. O que dói é enfrentar um casamento
com uma mulher turbulenta com a mente carregada de fantasias da vida efêmera
que, quando não realizadas, se transformam em perseguição, intrigas e
infelicidade no lar. O que dói é ter que se divorciar dela e, depois, enfrentar
as consequências dolorosas de uma infeliz separação conjugal. O que dói é viver ao lado de um marido beberrão, rabugento, estúpido, violento e depois, toda partida de golpes emocionais, ser obrigada a fazer sexo com ele na cama sem uma gota de prazer.
Morrer
não dói. O que dói é viver num país de economia desajustada por causa da
cultura da corrupção imperando drasticamente sobre a vida de milhões de pessoas
inocentes e afetando desgraçadamente todas as políticas públicas da nação. O
que dói é ter que sobreviver em meio às injustiças da justiça dos homens que
furta o direito de quem tem para dar a quem é desonesto, malevolente e iníquo. Morrer
não dói. O que dói é ser obrigado a encarar as injustiças sociais ocasionadas
por maus gestores de uma sociedade que se acostumou a gestar infernos políticos
sobre a vida de uma população carente de justiça humanitária.
Morrer não dói. O
que dói é viver ao lado de filhos ingratos e desobedientes e ainda ter de pagar
caro para tirá-los da cadeia. O que dói é ter de chorar nos seus funerais
porque tiveram suas vidas ceifadas na prática do crime e da arrogância na
liberalidade traiçoeira de uma vida tola e libertina.
Morrer
não dói. O que dói é a consciência de ter votado em políticos avarentos,
desonestos e inúteis e, depois, sofrer no mar de políticas burocráticas,
privações econômico-sociais e dirigir em ruas esburacadas, quebradas, depois de
pagar um IPVA caro e, ainda, tendo que pagar mais caro ainda para consertar o carro todo quebrado.
Viver
dói... Dói porque as pessoas podem fazer tudo para viver em paz e harmonia, fazendo as coisas certas, mas
optam por acionar os mecanismos da tormenta e viver desgraçadamente. Viver dói
porque as pessoas preferem se perseguirem umas às outras e, assim, gerarem ódio
e vingança que resultam em tragédias, angústia, sofrimento e morte. "Morrer não dói. O que dói é viver enfurnado nesta vida de dor existencial, isolado de outra vida mais harmoniosa e melhor", disse o velho indiano.