A influência da literatura cristã no pensamento intelectual brasileiro
Com mais de 30 livros publicados, o escritor
e editor Magno Paganelli diz que o autor cristão precisa ler o seu tempo e ser
imaginativo a ponto de poder dizer a mesma mensagem adequada à cultura e à
linguagem do tempo presente.
Por
Battista Soarez
(Entrevista
solicitada originalmente ao jornal literário Tribuna do Escritor, em junho de 2014).
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Foto: Divulgação / Dr. Magno Paganelli, escritor, editor e jornalista |
Em obediência à vocação e ao talento, o paulista
Magno Paganelli, 47 anos (época da entrevista), é um escritor que sabe definir, na ponta da pena, por
que escolheu a missão de trilhar pelos caminhos das letras. Autor com mais de
30 livros publicados, Magno é criador e editor da Arte Editorial desde o ano de
2003. O autor nasceu em Araçatuba, interior de São Paulo, em 1967. Cresceu sob
influência de uma vida jovial libertina, experimentou a dura caminhada solta na
efemeridade das drogas e, aos 23 anos, se converteu à igreja evangélica. Num
lampejo metafísico, o autor diz acreditar que literatura é tudo aquilo que
julgamos “ser” ela mesma a partir de fatos corriqueiros. “Dentro do rótulo
‘literatura’, podemos colocar tudo o que as experiências humanas vislumbram em
forma de texto”, pondera ele. Em 1995, publicou seu primeiro livro E então virá o fim e, dez anos depois,
criou sua própria editora.
A partir daí,
Paganelli decidiu mergulhar, por definitivo, nos estudos cristãos, sua maior
fonte de inspiração literária. Graduou-se, inicialmente, em Teologia e
Pedagogia, e, logo em seguida, fez mestrado em Ciências da Religião pela Universidade Mackenzie de São Paulo. Profícuo
pesquisador e autodidata, o autor tornou-se membro do GT Oriente Médio e Mundo Muçulmano na USP (Universidade de São
Paulo), onde fez doutorado em História
Social. É professor de teologia, palestrante, jornalista e pesquisador
dedicado. Seus mais de 30 livros publicados incluem E então Virá o Fim (Prêmio ABEC), Islamismo e Apocalipse, Estive
Preso mas não Estive Só (romance que recebeu o Prêmio Areté), O Livro dos Diáconos, É Cristã a Igreja Evangélica?, Conflitos na Família, Qual a Sua Função no Corpo de Cristo, dentre
outros. Em 2003, criou a Arte Editorial, editora com perfil cristão cuja missão
é publicar obras que contribuam com a cultura e com o desenvolvimento de
valores cristãos, dando suporte e oportunidade à formação de novos autores
nacionais.
Em 2011, quando
esteve em São Luís, Maranhão, para uma palestra com escritores, concedeu
entrevista à rádio Universidade FM, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
A conversa com o autor focaliza a influência da literatura cristã no pensamento
intelectual brasileiro. O jornal Tribuna
do Escritor escolheu Magno Paganelli para esta entrevista exatamente por
sua versatilidade, no âmbito da literatura e do mundo acadêmico, como escritor, diagramador,
capista, editor, jornalista, educador, pedagogo e teólogo. Em matéria de
produção literária, o entrevistado é polivalente: edita, faz capa, diagrama e
distribui. De São Paulo, onde mora com a esposa Roseli e o pequeno Magninho,
filho do casal, Magno Paganelli concedeu a seguinte entrevista.
BATTISTA SOAREZ — Certa vez, o famoso sociólogo
norte-americano Marshall McLuhan, falando para um grupo de escritores, disse
que eles, escritores, eram nada mais que os últimos sobreviventes
de uma espécie em extinção, pois já não servem para nada escrever
e publicar livros. Isto se aplicaria, também, aos escritores cristãos?
MAGNO PAGANELLI — Sim, no sentido em que ele fez
referência. Escritores são escritores, independentemente do estilo que adotam
ou do tema com o qual trabalhem. O escritor cristão faz abordagens cristãs de
todos os temas que toquem a sua vida e a experiência humana. Mas discordo de que escritores não sirvam “para nada mais”. Além disso, as novas tecnologias têm melhorado o
produto “livro” e, portanto, a experiência de se ler um livro, além de produzir
novos suportes e mecanismo mais democráticos para a existência e manutenção do
livro. Escritores e livros, portanto, são uma necessidade eterna na historicidade do mundo e não há vida e evolução civilizatória sem autores e obras.
B. SOAREZ — Mas você não acha que, em termos do “pensar
literário”, a época em que se queimavam
as pestanas à luz de lamparina não era mais produtiva, já que essas novas
tecnologias parecem ter facilitado demais as coisas e, portanto, roubado um
pouco ou quase tudo dos esforços do pensar intelectual?
M. PAGANELLI — Penso que não. Ao menos em um
sentido. O escritor atento ao seu tempo saberá que não basta “ser mais um”.
Para ser lido e ouvido, será preciso trabalhar, refletir, queimar as pestanas a
fim de encontrar uma maneira de falar que “fale mais alto”. É a inovação que
destaca no meio da massificação. Quem quiser ser mais um, será. Quem trabalhar
mais, poderá se destacar.
B. SOAREZ — O que podemos considerar, de fato, literatura?
M. PAGANELLI — Penso que existem dezenas de
definições de literatura. Como escritor, eu preciso experimentar estilos
diferentes até encontrar o que mais se adeque ao que pretendo dizer ao público
que almejo alcançar. Como editor, preciso considerar todo texto que chega até
mim para ser avaliado, sem descartar inicialmente nenhum deles. Pois preciso
compreender que cada autor que envia seu texto encontrou, em tese, o seu melhor
estilo. Mas, acima de tudo, literatura é o meio pelo qual a experiência humana
mais íntima toma contato com as mais amplas possibilidades de universalizar uma
percepção da vida. Não importa se é poesia, romance, ensaio acadêmico, crônica,
enfim...
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Foto: Divulgação / Dr. Magno Paganelli |
B. SOAREZ — Você falou em estilo e me faz entender que, por
via da experiência humana, o escritor aguça sua percepção da vida a partir de
um processo em que ele evoca, inicialmente, um princípio de busca “eu-ser-mundo”.
E esta é a práxis no modus vivendi do
contexto em que ele, como autor, quer construir seu texto. Neste sentido, a
literatura depende de atitudes críticas para se fazer mais criativa? Ou ela
simplesmente tira proveito de uma diversidade criacional livre, como propuseram
os jovens escritores da semana de Arte Moderna, em 1922?
M. PAGANELLI — Não acredito que se consiga “uma
diversidade criacional livre” sem, antes, dominar uma experiência pessoal, de
vivência “eu-ser-mundo”. Só se consegue ser criativo dominando o seu campo,
salvo se você for um iluminado, a exceção. Mas quem é a exceção? Quantos Mark
Zuckenberg você conhece por aí? Quem de nós almoça ao lado do Pedro Bandeira
todo dia? Ele vende mais que o Paulo Coelho, pelo menos quatro vezes mais!
Penso que a literatura cresce à medida que nos dedicamos ao exercício de fazer
literatura. Ser escritor de verdade é uma experiência diária e ininterrupta.
B. SOAREZ —
Que diríamos, então? A literatura cristã é um jogo? Um passatempo? Um produto de
anacronismos? Ou, acima de tudo, uma atividade artística, de modulações
pluralistas, que tem exprimido alegria e angústia, certezas e dúvidas,
aprendizados e enigmas no homem moderno? Que você acha?
M. PAGANELLI — Acho que dentro do rótulo “literatura”
podemos colocar tudo isso e mais alguma coisa, porque, como disse, são
experiências humanas em forma de texto. Então podemos catalogar experiências
emocionais, intelectuais, científicas (mesmo cristãs ou com abordagem cristã),
poesia, romances, história, ficção até. Enfim, não há tantas limitações. E não
há anacronismos, pois estamos sempre lendo o passado, as experiências herdadas
da própria humanidade e da Bíblia, que é um livro milenar de muitas culturas
inspiradoras.
B. SOAREZ — Você
acredita que o escritor cristão brasileiro é um produtor de conhecimento ou
simplesmente um repassador de ideias e pensamentos já produzidos?
M. PAGANELLI — Não penso que somos simples
duplicadores, repetidores de discursos literários, de alguém que já disse
alguma coisa no passado. Com criatividade, o escritor cristão precisa ler o seu
tempo e ser imaginativo a ponto de poder dizer a mesma mensagem adequada à
cultura e à linguagem do tempo presente. Como o homem sempre está produzindo
conhecimento, o escritor cristão precisará acompanhar essa dinâmica fazendo
ajustes necessários de acordo com as novas demandas. Por exemplo, quando se
discute o aborto, que é uma discussão recente, o escritor cristão deverá
produzir reflexões a partir da sua abordagem cristã para a vida. Que
implicações terá o aborto? Que contribuição ou não trará para a humanidade? A
sua fé poderá dar contribuições a essa reflexão ou ela não deverá interferir
nas decisões legais e pessoais sobre o tema?
B. SOAREZ — Você está dizendo que o escritor é um
“construtor” a partir de verdades catalogadas da realidade social? Como ele
pode empreender isso e ainda “burilar” sua originalidade? De que maneira isso
ocorre, uma vez que a literatura exige uma intelectualidade que maneje bem as circunlocuções
em suas abordagens para obter o resultado que pretende, ao gosto do leitor a
quem pensa se dirigir?
M. PAGANELLI — Penso que aqui reside a questão do
estilo pessoal. A verdade, como você diz, é “catalogada”. Está posta. O leitor
precisa ser tocado pelo autor, mas o leitor também está buscando algo e
encontrará o que procura, o que busca, quando ouvir o eco da sua voz. Por que
alguns autores são tão queridos por determinados nichos? Porque ele dá eco ao
que aquele nicho precisava ouvir. Se for romancista, “fala ao coração”. Algo
assim. O autor precisa artificiar uma maneira atrativa de escrever ou narrar a
realidade social, unindo verdade e agradabilidade persuasiva para que ele toque
na alma do leitor e desperte nesse leitor um interesse incontrolável pela
leitura de sua obra. E isso requer trabalho e dedicação.
B. SOAREZ — Qual é a sua maior dificuldade como editor? Ao
escolher uma obra, você avalia exatamente o quê? O que você, como editor,
procura no espírito literário de um autor?
M. PAGANELLI — No meu caso específico, eu procuro
textos que tenham contribuições com a formação de uma reflexão e um pensamento
maduro para a Igreja. Primeiro para os líderes, os que atuam diretamente no trabalho
cristão em si, e têm isso como ofício. Tenho em mente o fato de que eles precisam de um preparo intelectual. Em consequência, isso deve refletir na formação dos membros. Assim,
a dificuldade é encontrar algo inovador, pois a maioria dos textos repete o que
já foi dito. Falta o hábito de ler, método e prática de pesquisa, uma cultura
mais rica de se ler, refletir e produzir literatura. E penso que isso não é
demérito do cristão brasileiro, mas em outro sentido é reflexo da cultura do
país.
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"O escritor pré-Internet precisava
de ânimo para ir a uma biblioteca
e hoje ele acessa a biblioteca
deitado em sua cama."
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B. SOAREZ — Seria incorreto dizer, então, que essa procura pela cultura mais “rica” passa pela índole fragmentária do escritor em que, de fato, ele pudesse organizar perífrases realistas em função de uma política de conteúdo? E que isso tivesse padrões mais rígidos de comportamento impostos por via de uma moral essencialmente mais literária?
M. PAGANELLI — Todo escritor amadurece e, com isso,
mudará ou aprofundará as compreensões anteriores. Assim, a busca pela cultura
mais “rica” permanece, tanto no escritor, quanto no editor. Todos queremos
avançar. Um autor não poderá atender as exigências de determinada editora ou
linha editorial porque não é o seu público ou porque não amadureceu a tal
ponto. Mas, num segundo ou terceiro momento, isso poderá ser possível.
B. SOAREZ — Você acha que a safra de escritores nos anos
que antecederam o advento da Internet era mais criativa? Sua intelectualidade
era bem mais densa do que a de hoje?
M. PAGANELLI — Eu penso que eram mais limitados. Hoje o
acesso à informação ampliou-se muito, mas isso não produziu, ainda, um grupo,
como você chamou, “mais criativo”. O acesso à Internet favoreceu o contato com
novas e mais informações, mas muita gente ainda não tem o critério jornalístico
que demanda pesquisa, apuração, cuidado com as fontes e com a verdade. O
escritor pré-Internet precisava de ânimo para ir a uma biblioteca e hoje ele
acessa a biblioteca deitado em sua cama. Mas ele não desenvolveu, ainda, um
pensamento criterioso, salvo aqueles escritores que possuem maior formação
acadêmica. Mas mesmo esses, em muitos casos, produzem enquanto estão nos
ambientes da produção científica. São poucos os que levam isso à frente.
B. SOAREZ — Mas será que, com as novas tecnologias da
informação, a mente das pessoas não ficou bem mais “preguiçosa” em relação ao exercício
criacional e produtivo, principalmente no que tange ao quesito originalidade?
M. PAGANELLI — A população mundial aumentou
consideravelmente. O Brasil quase dobrou a sua população em quarenta anos. Com
isso, certamente, a massificação ocorreu, mas sempre haverá um nerd querendo cortar caminho, abrir
caminho, inventar ou criar novos caminhos. Há 10 anos, o self publishing era um projeto promissor. Hoje, é uma realidade. E
alguns, naquela época, diziam que as editoras quebrariam com esse modelo. Hoje,
os editores procuram autores que se publicaram para lançá-los. Veja, por
exemplo, os 50 Tons de Cinza, que
“criou” um novo gênero. Vai durar? Enquanto tiver leitores, sim. Penso que
passará. Mas mobilizou parte da indústria do livro. No meio cristão, tivemos a
onda da batalha espiritual. Cadê os livros do Daniel Mastral? Hoje estão no
fundo da livraria. Depois, nem isso. Só serão achados nos sebos.
B. SOAREZ — Quase não se fala em escritores cristãos
brasileiros do passado. Os que existiram, produziram pouco. Há alguém que teve alguma
influência literária, além de alguns estrangeiros, é claro?
M. PAGANELLI — A produção literária brasileira é
relativamente recente. Tudo era muito caro. Até a década de 1980, por exemplo,
era preciso imprimir 20 mil, 30 mil exemplares de uma obra para poder vendê-la
a um preço justo. Quem poderia sustentar isso? Só poucos. Soma-se a isso o fato
de uma tradição igualmente recente. O pensamento teológico cristão, por
exemplo, era insipiente. Os missionários que controlavam os rumos da nossa
Igreja não apoiavam facilmente o pensamento autóctone. Preferiam trazer os seus
autores e traduzi-los. Só de uns anos para cá, os brasileiros passaram a
controlar os meios de comunicação. Mas também não tinham, à sua disposição,
bons nomes para publicar. O recurso era manter autores estrangeiros. Mas no
início dos anos 2000, simultaneamente, algumas editoras começaram a focalizar
autores nacionais, desenvolvendo obras com reflexão sobre o caso e os problemas
nossos, com a vivência local, para as demandas locais. Mas há mais um detalhe
que, penso eu, faz com que os primeiros autores, das décadas passadas, não
sejam tão lembrados como poderiam. A produção da informação recente demanda uma
linguagem para o homem de hoje. Autores do passado eram mais simples, mais
cultos, mais densos. O leitor de hoje não consegue acompanhar aquele
pensamento, porque são mais rasos culturalmente — embora tenham acesso a um
oceano de informação, são mais imediatistas, querem receitas prontas — ao passo
que o escritor do passado escrevia para formação, e não apenas para informação.
B. SOAREZ — Por que que o gênero romance é pouco explorado
pelos escritores cristãos?
M. PAGANELLI — Penso que por dois motivos, pelo
menos. Um, porque falta cultura de leitura, leitura de literatura geral, dos
clássicos. Outro, porque o púlpito das igrejas demanda o conhecimento de um conteúdo
que está organizado sistematicamente e, assim, as obras com cunho mais
“técnico” têm prevalência sobre a literatura do gênero romance, contos etc.
B. SOAREZ — Você escreveu um romance, o Estive preso, mas não estive só. Que,
inclusive, ganhou o Prêmio Areté de Literatura! Em sendo um autor de ensaios
cristãos, você teve dificuldade de organizar um romance? Na prática, qual foi o
maior óbice para você se manter fiel ao gênero?
M. PAGANELLI — Foi um romance baseado em fatos reais
onde o personagem central era eu mesmo. Uma autobiografia na qual todos os
nomes dos personagens, inclusive o meu, foram mudados, para preservar a
privacidade das pessoas. Isso facilitou sobremodo a composição do texto, porque
parte da dificuldade fora superada pelo fato de eu “ter” a história já
experimentada em mim. Mas havia a dificuldade da construção de um texto com
mais vozes. Como você disse, eu escrevo ensaios. Assim, li alguns autores
consagrados à procura de uma referência que pudesse funcionar com o que eu
queria. Encontrei, notei que era uma receita simples, mas muito poderosa e o
resultado agradou. Já encontrei dezenas de pessoas que disseram ter lido o
livro em dois dias, porque a história as prendeu ao livro. O livro foi premiado
por um júri experiente. Penso que acertei.
B. SOAREZ — Quem você aponta como um grande escritor
cristão brasileiro? Alguém que realmente exerceu influência na literatura
cristã nacional?
M. PAGANELLI — Há gente que publicou muitos livros e
deu uma importante contribuição com a disseminação do pensamento cristão, que
foi o Caio Fabio. Seus sermões eram vertidos para livros e isso espalhou-se como
fogo em mato seco. Mas não significa que ele seja um grande escritor. De fato
não o é. Há autores mais novos que também venderam muito, mas sua obra é
datada. Souberam explorar a curiosidade latente do seu tempo. Mas, passados dez
anos, ninguém mais se interessa pelo que escreveram. Então, não posso dizer que
sejam grandes escritores. Eu penso que ainda vamos precisar de uns anos para
poder dizer este ou aquele, de fato, foram homens à frente do seu tempo.
B. SOAREZ — O Caio
Fábio, inclusive, escreveu um romance, o Nephilim.
Apesar de a obra ser de boa qualidade, ele não voltou a escrever mais nada no
gênero. Você acha que o público cristão brasileiro não aprecia muito ler
romances? Ou está faltando uma política de incentivo à leitura mais acentuada?
M. PAGANELLI — Um
pouco de ambos. Mais da primeira opção. Uma política de incentivo pode gerar
bons resultados. Mas o público cristão demonstra maior interesse por livros de
práxis cristã, que sejam as receitas (faça isto, experimente aquilo). Que seja
um material mais teológico (não tão acadêmico, no sentido secularizado). Se um
autor der uma palestra e comentar sobre um livro de testemunhos, o livro será
procurado. Eventualmente, eu menciono a minha experiência no livro Estive Preso, mas Não Estive Só e as
pessoas procuram no final da palestra. É um romance. Se eu der uma aula e falar
do livro sobre tipologia bíblica, as pessoas irão querer o livro Onde Estava o Cristo. Elas precisam de
um tutor experiente que diga o que há nos livros. Então, irão atrás.
B. SOAREZ — Certos livros são muito conhecidos. Estão nas
vitrines de qualquer livraria e todo mundo [que tem o hábito de ler] sabe dizer
o nome de seus autores. Isso se deve a que, exatamente?
M. PAGANELLI — Um motivo é o que apontei: autores que
souberam explorar alguma demanda, alguma tendência ou moda. Então fizeram nome
rapidamente. Outros alcançam isso porque têm uma máquina por trás, seja a
denominação, seja a mídia como a televisão, que pode impulsionar um livro, sem
que necessariamente esse livro seja realmente imprescindível. E outros têm a
sorte de serem publicados por editoras fortes, ricas, influentes. Fora desse
eixo, não vejo como um autor ganhar as vitrines de lojas e livrarias, embora
possam ser bem aceitos pelo público que ouve suas palestras, aulas e estejam
mais próximos a eles.
B. SOAREZ — Neste caso, o que está faltando? Os movimentos
literários são tímidos, orgulhosos e melancólicos a ponto de não poderem se
organizar em função de uma política literária mais patente?
M. PAGANELLI — Eu não tenho respostas fáceis para
essa questão. Há uma máquina em andamento e essa máquina é movida a dinheiro.
Sem dinheiro não há muito o que fazer, salvo um evento sinérgico, que consiga
reunir interesse do público por alguma demanda ou por alguma resposta, um grupo
de promotores, editores, autores, facilitadores, e os meios que facilitem esse
encontro de ambos os lados, o texto e o seu leitor. Precisamos de uma Semana de
Arte Pós-moderna Cristã! (Risos).
B. SOAREZ — Numa ocasião, perguntaram ao escritor William
Faulkner sobre que técnica empregava para chegar ao seu padrão na redação de um
texto. Ele respondeu: “Que o escritor se dedique à cirurgia ou à profissão de
pedreiro, se se interessar pela técnica. Não existe meio mecânico algum para se
escrever. Nenhum atalho”. E em seguida explicou que o jovem escritor seria um
tolo se seguisse uma teoria [literária]. Como Faulkner, você acha que a gente
aprende pelos seus próprios erros? Que, como bom artista, possui a suprema
vaidade de aprender errando?
M. PAGANELLI — Hoje há cursos com especialistas em
literatura que ensinam a produzir bons textos. E há aquele “escritor espermatozoide”
que fura o bloqueio e se dá bem depois de passar por um curso desses. Mas não
são todos, evidentemente. Acredito que a pessoa que sente vontade de
destacar-se como autor deve começar a praticar e estudar os estilos possíveis
até encontrar o seu próprio estilo. A prática da escrita leva a um estilo
pessoal e isso vem de tentativas, erros e acertos. Penso que Faulkner quis
dizer algo nesse sentido: exercite-se até desenvolver a sua própria técnica,
até encontrar o seu estilo, ajustado ao seu mundo e aos seus propósitos. A
simples organização de um texto, com “começo-meio-e-fim”, já indica uma
técnica. Se o autor quiser fazer uma inversão dessa ordem, criará a sua própria
técnica.
B. SOAREZ — O que você diria a respeito do discurso
literário para o mundo de hoje? Que principais indagações ele faria e, ao mesmo
tempo, seria capaz de responder?
M. PAGANELLI — Sim, há o que dizer. Penso realmente que
há muito o que dizer. Mas hoje é preciso pensar mais antes de sair “dizendo” o
que se pensa. Cristãos, hoje, têm discurso para ser ouvido e lido em qualquer
campo do conhecimento humano. E com relevância. Mas é preciso abandonar o
simplismo — não a simplicidade. O reducionismo pode ser fatal, mas um discurso
consistente e bem elaborado terá ouvidos atentos, ainda que a esse ouvido
atento corresponda uma boca discordante. O “ouvido ouvirá” se o discurso for
bem articulado, com simplicidade, relevância e coerência persuasiva. Se tocar
em questões prementes e se colocar no seu devido lugar.
B. SOAREZ — Como manifestação artística, a literatura
procura recriar a realidade. E cada autor tem sua visão fundamentada em seus
próprios sentimentos reais, pontos de vista, seu estilo e sua maneira
particular de proceder nas narrativas. No seu modo de ver, o que difere a
literatura de outras manifestações artísticas?
M. PAGANELLI — A literatura difere no suporte,
apenas. Uma pessoa não pode, simplesmente, colorir uma tela para obter uma obra
de arte. Ela precisa conhecer sobre composição de cores, luz e sombra,
perspectiva, gênero e estilo pessoal. O escritor também precisa ter noções
mínimas, ter vocabulário, saber manipular argumentos, construir raciocínios
consistentes, contextualizar e, finalmente, persuadir. Todas as manifestações
artísticas dependem de ferramentas próprias. E a literatura tem as suas.
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Foto: Divulgação / Dr. Magno Paganelli |
B. SOAREZ — Como se faria isso? Você está falando de um
retorno à biopsicoética, para sermos mais específicos em matéria de literatura?
M. PAGANELLI — Não, não. Não precisamos voltar, mas
avançar. Não dá para resgatar movimentos passados. Mas podemos usar um ou outro
elemento que possa ser adequado ao movimento presente. Se as ferramentas e os
suportes são novos, usemos as ferramentas e os suportes novos. Mas é preciso
que se tenham atitudes críticas, criativas e harmônicas para que possamos,
enquanto escritores, apreender, vivenciar e repassar o melhor da vida para aqueles
que nos leem.
B. SOAREZ — Isso parece algo, digamos, mais genérico. Essa
mesma regra e diferença se aplicam, também, à literatura cristã?
M. PAGANELLI — Aplica-se enquanto é literatura. Mas o
restringente “cristã” faz com que um ingrediente a mais esteja presente, que é
a régua da Bíblia e até da tradição teológica do autor. O seu olhar passará, em
algum momento, pelas lentes dadas pela sua abordagem “cristã” do assunto com o
qual ele lida.
B. SOAREZ — O que diferiria, então, um texto “literário” de
outro texto que não possui essa mesma característica?
M. PAGANELLI — Penso que texto literário é texto
literário. Costumo dizer que há gente para ler de tudo o que alguém possa
escrever. Basta ter uma bela capa e um bom vendedor. Mas a boa literatura é
aquela que permanece na lembrança das pessoas, independente se ela cai ou não
no gosto da crítica. Ou se ela segue ou não as regrinhas do jogo. A literatura
precisa falar à alma dos seus leitores, sejam eles emotivos ou racionais,
cultos ou simples [de senso comum]. Se conseguirmos escrever um texto que
acelere o coração do leitor, que ilumine os seus pensamentos, que seja ele instrutivo
nalgum ponto de sua vida. Teremos conseguido, então, um bom texto literário.
B. SOAREZ — Que parecer você daria para os jovens
escritores e intelectuais que estão surgindo agora? Sobretudo para aqueles que
estão nas universidades, como os estudantes do curso de letras, por exemplo?
M. PAGANELLI — Que procurem dominar a técnica, mas
não extingam o espírito, nunca. Num mundo técnico e tecnológico, você não terá
lugar ao lado de ninguém se não dominar a técnica. Mas se quiser sobressair-se,
se quiser ir à frente — e não somente ficar ao lado — mantenha aceso o
espírito. É ele que fará de você um pensador criativo. E no encontro da técnica
com a criatividade está a receita que todos procuram para se tornarem bons
autores.
– Fim –