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sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

LITERATURA: DISCURSO DO ESCRITOR BATTISTA SOAREZ NA CÂMARA DE VEREADORES DE SÃO LUÍS EM 21/12/2020

Discurso do escritor e jornalista Battista Soarez por ocasião do recebimento do “Título de Cidadão Ludovicense” em 21/12/2020

 

Momento em que o escritor e jornalista Battista Soarez discursou na Câmara de Vereadores de São Luís | Foto: SECOM/SL.

Excelentíssimo Senhor Vereador Osmar Filho, que preside esta Casa Legislativa. Excelentíssimo Senhor Vereador Genival Alves, que teve a iniciativa de, por meio de Decreto Legislativo, conceder-me esta honraria. Excelentíssimo Senhor Vereador Pavão Filho, que muito me alegra por ser da mesma cidade onde eu cresci, Santa Helena, Maranhão, e por ser um homem que representa muito bem nossa região da Baixada Maranhense com sua vida exemplar e caráter. Excelentíssimo Senhor Vereador Marquinhos, a quem tive o privilégio de conhecer ainda muito jovem e ter acompanhado sua luta social e comunitária até chegar aonde chegou.

Em nome destes quatro vereadores ora mencionados, eu saúdo a todos os outros membros deste Parlamento Municipal.

Reverendíssimo Senhor Pastor André Santos Souza, presidente da Convenção de Ministros da Assembleia de Deus no Estado do Maranhão (COMADEMA), em nome de quem estendo o meu respeito e admiração ao Pastor Samuel Câmara, presidente da Convenção da Assembleia de Deus no Brasil (CADB), nossa Convenção Nacional, da qual faço parte. Reverendíssimo Senhor Pastor e Capelão Alex Martins, presidente da UNICAJE (União de Capelães e Juízes de Paz). Minha esposa Maria, filhos João Miguel e Naira, aqui presentes. Meus amigos convidados, Imprensa e Galeria.

Senhoras e senhores,

Acima de tudo, agradeço a Deus em Cristo Jesus nosso Senhor, sem o qual nada somos e nada podemos fazer. A Ele toda Honra, toda Glória e Majestade: Rei dos reis e Senhor dos senhores.

Inicialmente, agradeço a presença de todas as autoridades já nominadas. Agradeço os que compõem a Mesa, e a todos vocês que me honram com a sua presença.

Quero fazer um agradecimento especial ao meu nobre amigo Vereador Genival Alves, responsável direto por este momento tão ímpar na minha vida, em que me honra com o título com que hoje estou sendo agraciado.

Genival Alves é um homem honrado, exemplar, um político sério, um cidadão de luta em prol da comunidade em geral, um parlamentar de muitos projetos e, portanto, um representante do povo que não mede esforços para promover o bem comum sem preconceito, sem exibicionismo e sem discriminação. Sua humildade e honestidade são uns dos principais brilhos da sua identidade de pessoa humana.

Meu muito obrigado, Vereador Genival Alves. Vossa Excelência sabe que quando nós nos conhecemos, logo fluiu uma relação de respeito e de pensamentos em comum em prol do bem humano.

Agradeço igualmente aos demais vereadores desta Casa de Leis, que votaram favoravelmente à aprovação desta honraria.

Quero agradecer profundamente a Felinto Estêvan Soares e Rozete Ribeiro Pestana Soares (in memoriam), meus pais que, com seus exemplos e conselhos, me educaram e fizeram de mim o que hoje sou.

Agradecimentos especiais também à minha querida esposa Maria, amiga e companheira de todos os momentos. Aos meus queridos filhos, aos meus irmãos e demais familiares. Agradeço à minha equipe da SEMADEMA (Secretaria de Missões do Estado do Maranhão), da qual estou secretário: Irmão Marcos, Márcio, Milson, Edson, Salenna, Sabrina, Davi que aqui estão presentes e aos demais que não puderam estar aqui.

Quero dizer a todos os senhores e senhoras que receber o título de “Cidadão de São Luís” é motivo de extrema alegria. Sinto-me imensamente honrado e bastante aprazido. Sou realmente um grande privilegiado.

Sem dúvida alguma, a razão de eu estar aqui, hoje, sendo honrado com este título honorífico deve-se à minha carreira de escritor e jornalista, à qual me dedico desde os meus 15 e 16 anos de idade, quando dei os primeiros passos como compositor e cronista, entrando para o jornalismo ainda muito jovem, apenas com 18 anos.

Nasci em Mirinzal, terra da minha mãe, fui registrado em Pinheiro, terra do meu pai, mas me criei em Santa Helena do Maranhão. Aos 16 anos de idade, mudei para São Luís, onde moro até hoje.

Tudo começou no ano de 1985, quando ingressei no Jornal de Hoje, do então Senador João Castelo, iniciando na função de Tituleiro. Tituleiro era o profissional que operava numa máquina industrializada (fabricação japonesa) de fazer títulos e manchetes de Jornal, revistas, livros e outras produções editoriais gráficas da época. Minha função, então, era fazer títulos e manchetes todos os dias. Naquela época, para muitos de vocês que nasceram depois da era mecanizada, a produção jornalística passava por uma grande jornada diária.

Primeiramente, com pautas nas mãos, os repórteres saiam para a rua, logo cedo, em busca de fatos e/ou acontecimentos que pudessem ser catalogados, redacionados e virar notícias. Enquanto isso, na Redação, chegavam notícias do Brasil e do Mundo por meio do antigo Telex.

Na época, não existia Internet, celular e nem computador. Tudo era manualmente produzido por meio de máquinas industrializadas.

As equipes de reportagem chegavam da rua e logo sentavam nas máquinas de datilografia eu ainda hoje tenho uma — e redigiam suas matérias. Depois, essas matérias passavam por uma revisão de luxo, chamada de Copidesque. No JH, esta função era desempenhada por uma colega chamada Clecina, que fazia o seu trabalho numa velocidade inacreditável.

Do Copidesque, as matérias eram encaminhadas para a Diagramação, que depois as reencaminhava para o setor de Composição, onde era feita a chamada “composição tipográfica” das matérias numa máquina IMB Selectric, conhecida como IBM de bola ou IBM a bochita, comumente chamada de esfera.

Da Composição, as matérias seguiam para o Setor de Revisão. Depois, voltavam para a Composição, para correção das matérias. Em seguida, voltavam para a Revisão, só para verificar se as correções foram feitas corretamente. Caso tivesse alguma coisa errada, era corrigida com estilete e fita durex.

Os títulos e manchetes, por sua vez, eram feitos no Setor de Titulação, onde eu trabalhava. Eram batidos na máquina Tituleira e revelados no Laboratório Fotográfico. Depois, eram levados para a Paginação.

Depois da Revisão, as matérias seguiam para a Paginação, feita com cola de papel conforme o projeto da Diagramação. Da Paginação, seguia para a Fotomecânica. Desta, seguia para a Impressão. Da Impressão, ia para a Encadernação. Daí, ia para o Setor de Distribuição. Depois, para as Bancas de Jornais e Revistas, espalhadas nos mais diversos lugares.

Ufa! Era uma longa e cansativa jornada. Aí as pessoas liam o jornal e jogavam fora no lixo sem saber o trabalho que dava para se produzir um veículo de informação como esse.

E neste particular não poderia deixar de mencionar figuras importantes na minha formação intelectual e jornalística, começando pelo Jornal de Hoje. Ali meu primeiro conto, intitulado Um Olhar Obscuro (de 1985) ambientado no Centro Histórico de São Luís foi publicado pela jornalista Sílvia Moscoso, que integrava a equipe de Redação do JH. Depois, passei a escrever regularmente e fui promovido ao Setor de Revisão. No Jornal de Hoje, tive como colegas de trabalho verdadeiros mestres do jornalismo maranhense, como os jornalistas Nonato Reis, Regis Marques (falecido recentemente), Ribamar Cardoso, Marinaldo Gonçalves, Jersan Araújo e outros.

Não deu noutra: me encantei pelo jornalismo e pela literatura. Passei a escrever artigos de Opinião e colaborar com os principais jornais de São Luís: O Estado do Maranhão, O Imparcial e Jornal Pequeno. Em O Imparcial, minha referência foi o jornalista José Gomes (o Gojoba), que publicava minhas crônicas jornalísticas com muita alegria e incentivo.

Passei a ler de tudo... E virei “rato” de livrarias. Todos os dias, nos intervalos de almoço, eu ia à livraria Literarte, na Rua Grande de São Luís, e também na livraria Baraquel, na rua do Sol, a fim de verificar as novidades do mercado editorial do país. Conheci livros de grandes autores, inclusive maranhenses. Tive a honra de conhecer e ser amigo da família do grande escritor Carlos Cunha. Da sua filha, jornalista e escritora Wanda Cristina da Cunha, tornei-me amigo pessoal, chegando a lecionar no Colégio Nina Rodrigues, empresa da família.

Conheci também autores cristãos internacionais como Josh McDowell, Charles Swindoll, Ted Engstrom e outros escritores que muito me inspiraram na definição da minha identidade intelectual, estilo e discurso literário.

Naquele momento, no início da minha vida jornalística, tive o inesquecível privilégio de conhecer e trabalhar ao lado do grande jornalista e escritor Bernardo Coelho de Almeida, autor do romance O Bequimão. Revisei seus textos com notável admiração e aprendizado. Além de crônicas jornalísticas, tive a honra de revisar seu livro de memórias Éramos Felizes e Não Sabíamos, último trabalho publicado antes da sua morte, salvo o engano.

Também, naquele momento, conheci o incrível escritor gaúcho Caio Fernando Abreu (falecido em 1996), autor de Morangos Mofados e Os Dragões não Conhecem o Paraíso. Um dia, numa reunião de escritores, Caio olhou fixo para mim e disse:

Cara, eu li teus textos. Você é incrível. Quantos anos você tem?

E eu respondi:

— Tenho 22 anos.

E então ele disse:

— Não pare nunca. Eu tinha a tua idade quando comecei a escrever. Hoje, a editora Companhia das Letras me paga 32 mil reais por mês só pra eu escrever. Continue escrevendo. Com o tempo, tu serás reconhecido.

Eu recebi aquela palavra como uma ordem vinda de Deus. Nunca me esqueci disso. E a partir daquele momento eu acreditei no meu potencial literário mais ainda.

Em 1992, saí do JH e fui trabalhar em O Debate, jornal pertencente ao jornalista Jacir Moraes. Em O Debate, apaixonado pelo jornalismo, entrava às 8 horas da manhã e saía, às vezes, meia-noite e, por vezes, até 1 e 2 horas da madrugada. Não que eu fosse obrigado a fazer aquilo. Mas porque eu via a necessidade do jornal e decidia colaborar para que o processo de produção não atrasasse. Eu sabia que dali eu iria prosseguir.

Em 1993, fui para Belém do Pará, onde trabalhei no Jornal Popular e não muito diferente da experiência daqui de São Luís, repetia a mesma abnegação ao trabalho jornalístico. Aprimorei-me em copidesque, revisão, redação, reportagem e jornalismo investigativo. Mas sempre escrevendo textos livrescos, romanescos, crônicas, ensaios e por vezes poesias.

Isso, mais tarde, me foi muito gratificante. Todo o conhecimento adquirido com esse esforço, me rendeu glória: em 1994, concorri com 330 profissionais de todo o país ao cargo de Revisor de Livros na Editora CPAD, no Rio de Janeiro. Só tinha uma vaga. Quem tirasse em primeiro lugar, iria para o Rio de Janeiro de “mala e cuia”. No final do concurso, quando menos esperava, recebi um telefonema do Rio dizendo que eu deveria mudar para a cidade maravilhosa. A única vaga que tinha, no momento, naquela Casa Editora, graças a Deus e à minha dedicação e aplicabilidade no ofício das letras, foi ocupada por mim.

No Rio de Janeiro, passei a não só copidescar e revisar livros, mas a escrever e publicar matérias em periódicos de circulação nacional e internacional. Meus textos passaram a ser traduzidos e distribuídos para 21 países, por meio da Editorial Patmus, em Miami, nos EUA.

Voltei para o Maranhão, mas continuei publicando matérias na imprensa nacional. Foi aí que os meus livros passaram a ser publicados e distribuídos no país inteiro e, depois, no exterior. Sempre levando o nome do Maranhão que, para mim, é o melhor lugar do mundo.

São 35 anos de carreira e uma paixão literária que me faz cada vez mais consciente de que se eu não fosse escritor e jornalista, seria escritor e jornalista. Ou seja, sem opção para fazer outra coisa na vida, a não ser escrever. Se voltasse ao tempo e se o tempo voltasse, faria tudo de novo. Com uma diferença: aproveitaria melhor as oportunidades. Seria menos tímido e mais ousado. Cometeria menos erros.

Neste momento oportuno, faço um pedido aos membros deste parlamento: pensem numa maneira de incentivar a cultura e a arte literária. Vejo, com tristeza, as pessoas lendo muito pouco ou quase nada, inclusive os jovens, que se debruçam horas a fio em “coisas” que não edificam as suas mentes.

É preciso que o poder público, em todas as instâncias em parcerias com as instituições sociais e a sociedade em geral — criem projetos, ações e políticas inteligentes para dar vida à literatura. Não deixemos a literatura morrer.

Por que que eu faço este apelo? Por uma razão muito simples:

Os escritores sempre pensam à sua frente. Quando um invento científico, um fato político, um contexto de desenvolvimento acontece na história, os escritores já tinham pensado isso cerca de trinta, quarenta ou cinquenta anos antes.

Além disso, a relação entre a literatura, a sociedade e a política pode ser percebida desde a literatura clássica, nas epopeias e nas tragédias gregas. As mais conhecidas são a “Ilíada” e a “Odisseia de Homero”. A “Ilíada” está carregada de ideias políticas, leis, códigos, tanto quanto de questões míticas e religiosas. Ou seja, Vereador Genival Alves, a literatura é a sabedoria da política e a política é aluna da literatura. As duas coisas têm que andar de mãos dadas. Em toda a história, é a literatura que inspira a política nas suas ações inteligentes e transformadoras.

Na verdade, a literatura inspira até mesmo a história no que concerne aos fatos sociais, inclusive a educação. Porque a política não funciona sem educação. E a educação não funciona sem a literatura. Pois é a literatura que sistematiza o pensamento social das instituições, suas estruturas e suas funcionalidades.

Sob vários aspectos, Vereador Osmar Filho, podemos pensar a literatura como “instrumento” da política. Um instrumento inteligente que utiliza os meios de comunicação para produzir resultados políticos e sociais.

Muitos escritores tiveram suas obras censuradas por terem sido usadas como instrumento de correção política. E, em épocas de proibição da liberdade de expressão, o artífice literário pôde ser usado para propagar certas mensagens e chamar os indivíduos à luta.

Se, contudo, a literatura é uma forma plausível de representação do real, esta se distingue da política pelo seu discurso e pela forma de abordagem e compreensão da realidade social e histórica.

Na literatura, Vereador Pavão Filho, a realidade é criada ou recriada. Inventada ou reinventada, imaginada e fantasiada, através de metáforas, alegorias e linguagem simbólica. Mas nem por isso a literatura, neste caso, deixa de contribuir para desvendar aspectos das relações sociais e de poder.

Por meio da literatura, senhoras e senhores, somos levados a nos relacionar imaginariamente com a realidade histórica.

Entretanto, enquanto a “política” ocupa-se do real, a “literatura” ocupa-se com o possível, com o imaginário, com a utopia e com o conteúdo palpável da ação política.

Por esta razão, como escritor, deixo aqui o meu apelo no sentido de que façamos leis de incentivo à literatura, à política do livro, à leitura e à formação de novos leitores e escritores.

Quero enfatizar que recebo esta homenagem com muita humildade, absolutamente consciente de que a conquista desta honraria não é apenas fruto dos meus esforços. É um conjunto de fatores, principalmente de relações sociais plausíveis.

Por isso é importe cultivarmos relações harmoniosas, inclusive no âmbito da política e da literatura, para que sempre haja uma dialética com sentido de se construir o que é de melhor para todos nós cidadãos e cidadãs de bem.

Muito obrigado a São Luís e a todos vocês.

Tenhamos todos um bom dia na paz de Deus em Cristo Jesus, nosso Senhor.

  

BATTISTA SOAREZ
Escritor e jornalista


Fotos da ocasião

O escritor Battista Soarez (ao centro) ladeado pelos vereadores Ivaldo Rodrigues e Bárbara Soeiro (à esq.), profª. Maria Elisa (homenageada) e o vereador Genival Alves (à dir.).

Vereador Genival Alves, autor da indicação.




domingo, 19 de dezembro de 2021

MARANHÃO: ASSEMBLEIA DE DEUS REALIZA 82ª AGO 2021 COM PARTICIPAÇÃO DO PRESIDENTE DA CGADB

Convenção da Assembleia de Deus no Maranhão realiza 82ª AGO
Na ocasião, lideranças aproveitam para discutir o projeto político da CEADEMA para as eleições de 2022

 

Por Battista Soarez
(De São Luís – MA)

 

FOTO: Battista Soarez | Reunião 84ª AGO da CEADEMA em São Luís - MA.


DE 13 A 17 (segunda, terça, quarta, quinta e sexta feiras) de dezembro de 2021, a Convenção Estadual da Assembleia de Deus no Maranhão (CEADEMA) realizou a 82ª AGO, na sede da Igreja Assembleia de Deus, campo do Tirirical, em São Luís, capital do Maranhão, liderada pelo pastor Osiel Gomes. Dirigido pelo pastor Francisco Raposo, presidente da CEADEMA, o evento contou com a participação de pastores e líderes da denominação de todo o estado, além da presença de autoridades políticas, civis, militares e religiosas. Também esteve presente o pastor José Wellington Bezerra da Costa Jr, presidente da CGADB (Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil).

FOTO: Reprodução/Internet | Pr. Francisco Raposo, presidente da CEADEMA.

— Estou à disposição da CEADEMA e da nova gestão desta Convenção, na pessoa do pastor Francisco Raposo, seu novo presidente. A CGADB está disponível para apoiar os projetos sociais, missionários e educacionais da nova gestão da CEADEMA. Estamos prontos para apoiar a Assembleia de Deus maranhense em todos os municípios — disse o pastor José Wellington Júnior que também foi um dos preletores do evento.

FOTO: Reprodução/Internet | Pr. José Wellington Jr, presidente da CGADB.

Durante os cinco dias do evento, ocorreram várias reuniões de trabalho, dentre elas apresentação de relatórios missionários, apresentação e ordenação de novos candidatos ao ministério pastoral, bem como evangelistas e missionários. Ainda na ocasião, a liderança da maior Convenção da Assembleia de Deus no Maranhão aproveitou para discutir sobre o projeto político da denominação para o estado em 2022.

Na sexta-feira (17/12), o vice-governador do estado, Carlos Brandão, esteve presente na reunião convencional e falou aos líderes eclesiásticos acerca do que o governo do estado vem fazendo junto à igreja evangélica.

— Nós, através do programa “Maranhão Solidário”, estamos investindo, todos os meses, 1,5 milhão de reais em entidades sociais que trabalham com igrejas. E agora lançamos o programa “Maranhão Musical” para despertar talentos através do louvor — disse Brandão, explicando que tal “relação vai melhorar ainda mais e nós vamos ampliá-la”, concluiu.

FOTO: Reprodução / Internet | Carlos Brandão, vice-governador do Maranhão

Ao lado do vice-governador, também esteve presente na AGO o pastor Enos Ferreira, secretário de Estado de Relações Institucionais. O nome de Enos, inclusive, foi aprovado como pré-candidato a deputado estadual apoiado pela CEADEMA, o que contrariou as decisões de uma reunião anterior da Comissão Política que havia definido o nome da deputada Mical Damasceno (PTB) ao legislativo estadual e o do Pastor Gil (PL-MA) à Câmara Federal, como candidatos únicos da Convenção.

FOTO: Reprodução / Internet | Enos Ferreira, pré-candidato a deputado estadual

A reportagem do Leitura Livre entrou em contato com a deputada Mical, para falar sobre o assunto. O blog quis saber a opinião da deputada sobre o lançamento de mais um nome para concorrer com o dela, uma vez que, em setembro de 2021, a CEADEMA anunciou que ela seria candidata única da Convenção. Mical explicou que segue aquilo que a Convenção decidir, e que respeita o trabalho da Comissão Política.

— A CEADEMA é uma instituição honrada em nosso estado e sua boa reputação se estende ao território brasileiro. Não obstante a isso, ela é perfeitamente idônea em suas decisões e nós, como membros, temos de seguir as suas orientações — disse Mical, destacando que agradece a Deus e à liderança por continuarem acreditando no seu mandato.

Elogiada pelas autoridades como parlamentar atuante, Mical pontua o fato de que ela se mantém à disposição da Convenção para continuar ajudando em todos os seus projetos e socorrer a quem for preciso.

 Estou pronta para acolher aqueles que nossa magna Convenção julgar importantes para somar em sua representatividade — conclui a parlamentar.

FOTO: Reprodução/Internet | Mical Damasceno, deputada estadual.

Sobre os dois nomes para deputados estaduais, Mical não foi específica na sua opinião. Mas, segundo o deputado federal Pastor Gil, o projeto da CEADEMA, desde 2017, é sempre lançar dois candidatos ao legislativo estadual e um federal. Nesse caso, segue o que a Comissão Política da Convenção determinar. E, por fim, todo esse cenário mostra que a deputada Mical, que é presidente do PTB no Maranhão, pode até não ter uma grande história de experiência política, mas tem demonstrado que sabe cavar espaço. Não é atoa que ela acabou de conquistar uma vaga no PTB nacional e, a cada avanço, vem dando sinais de que vai deixar muitos tarimbados para trás.

Na sexta-feira à tarde, último dia do evento, o pastor Pedro Aldi Damasceno, pai da deputada Mical e ex-presidente da CEADEMA, fez uso da palavra e disse que a Convenção da Assembleia de Deus no Maranhão tem mais de 270 mil eleitores e que, portanto, pode eleger mais de um deputado estadual.

— Mical faz o trabalho que ela vem fazendo e entendo que dois pré-candidatos oficializados não são nenhum problema. A CEADEMA tem, sim, condições suficientes de eleger dois deputados estaduais — disse Pedro Aldi.

FOTO: Reprodução/Internet | Pr. Pedro Aldi, presidente de honra da CEADEMA.

O problema é que parece que a opinião da liderança das Assembleias de Deus no Maranhão é toldada por diferenças e divisões estranhas. Uma parte está do lado do governador Flávio Dino — que é comunista e lulista de corpo, alma e espírito — inclusive ocupando cargos na estrutura do governo do Estado. A outra parte é conservadora do pensamento político de direita, bolsonarista e não quer nenhum acordo com a esquerda. Isso gera uma dissonância na convivência dos poderes eclesiásticos e políticos na denominação assembleiana e reverbera nas eleições, comprometendo literalmente os resultados.

Esse “filme” já foi visto no passado, quando um jogo ignóbil de ganância por poder e dinheiro levou a então deputada Telma Pinheiro a não obedecer às diretrizes da Convenção da igreja. A Comissão Política da CEADEMA tinha orientado que Telma fosse candidata a deputada estadual e Costa Ferreira a deputado federal, ambos membros da Assembleia de Deus. Devido à desobediência desvairada de Telma, os dois saíram para federal. E o resultado final foi que nenhum dos dois foi eleito. Costa Ferreira se aposentou e Telma Pinheiro, movida a ambição desmedida, suicidou-se politicamente.

Na atual conjuntura, tem algo semelhante ao passado. Há uma visão oportunista da política na igreja, orientada mais para a próxima eleição do que para a próxima geração. A falta de unidade e de concordância nas relações de pertinência entre os crentes tem levado a igreja evangélica a patinar na medianidade da sua participação política e social por ausência de flexibilidade. Por isso, muitos políticos experientes, inclusive Flávio Dino e o grupo Sarney, vê a igreja evangélica como uma agremiação importante, mas que se mostra palidamente capenga em matéria de articulação política. Exemplo disso é como Dino vem teleguiando a senadora Eliziane Gama, também da Assembleia de Deus, em cada passo do seu mandato. Dino parece ter encabrestado Eliziane. Cada palavra do discurso político da senadora no Congresso Nacional é pensada deliberadamente por Dino. Ela só diz e faz o que o governador dita. Com isso, a senadora decepcionou as expectativas da igreja evangélica que garante nunca mais apoiá-la politicamente. Mas Eliziane tem ainda cinco anos de mandato pela frente e muita coisa pode rolar. Basta considerar que tudo em política é flexível e, num repente, tudo pode mudar.

Mas essa ardorosa celeuma entre política e igreja evangélica, além de mexer peças importantes na engrenagem das relações institucionais de poder, atravanca os projetos de desenvolvimento das atividades sociais por parte da igreja que, na condição de importante grupo social, depende de relações políticas para poder atuar como corpo-social de Cristo na sua funcionalidade planetária para alcançar pessoas.

Alguns pastores mais esclarecidos entendem que, “sem relações com as estruturas sociais de poder, a igreja avança muito pouco na sua missão social. Ela é um corpo espiritual, mas depende também dessas relações para atuar institucionalmente”. É o que pensam os líderes da COMADEMA, presidida pelo pastor André Souza. A COMADEMA é outra convenção da Assembleia de Deus no Maranhão, que dialoga na mesma linha de pensamento de direita da CEADEMA e de outras convenções de igrejas evangélicas que defendem a reeleição de Bolsonaro à presidência da República.

Antes de ir à reunião da CEADEMA, na sexta-feira, o prefeito de São Pedro dos Crentes e pré-candidato a governador, Lahésio Bonfim, reuniu com o presidente da COMADEMA, pastor André Souza, juntamente com alguns pastores da diretoria da instituição. Depois da reunião, André disse que vai conversar com todos os pastores presidentes de ministérios ligados à sua Convenção e, depois, publicar as decisões tomadas.

FOTO: Battista Soarez | Dr. Lahésio Bonfim, pré-candidato a governador do MA.

— A tendência é a nossa Convenção apoiar o Dr. Lahésio Bonfim como candidato a governador. Para presidente da República, vamos apoiar Bolsonaro. Para deputado federal, ainda está em aberto. E para o legislativo estadual, vamos lançar nomes da nossa Convenção — disse pastor André.

FOTO: Reprodução/Internet | Pr. André Souza, presidente da COMADEMA.

No mesmo dia, na sexta-feira (17/12), pela manhã, a oportunidade dada ao vice-governador Carlos Brandão, no plenário da Convenção CEADEMA, não agradou o prefeito de São Pedro dos Crentes, Lahésio Bonfim, evangélico da Assembleia de Deus, que se retirou do local imediatamente, logo depois da fala de Brandão. À tarde, entretanto, após um telefonema de assessores do presidente da CEADEMA, Lahésio voltou ao plenário da Convenção e fez uso da palavra, ventilando com clareza a sua insatisfação com relação ao que ocorreu pela manhã.

— Eu me senti mal, vendo um comunista falando num ambiente que é meu. E eu ouvindo, sem poder dizer nada. Hoje sou prefeito mas, como evangélico, sei o que é igreja. Pertenço ao ministério há muitos anos. Já comecei congregação do zero e cresceu. Portanto, estou no meio do meu povo, do meu grupo social, da minha família evangélica. Sou médico, político, servo do Deus Altíssimo e, como pré-candidato ao governo do Estado, estou para servir o povo, inclusive a igreja do Senhor — disse Lahésio aos convencionais.

Isso levou a diretoria da CEADEMA a reconsiderar. O pastor Francisco Raposo, presidente da instituição, reconheceu que cometeu um equívoco ao conceder a palavra ao comunista Carlos Brandão e não fazer a mesma coisa com o prefeito evangélico. Raposo chamou, logo em seguida, o prefeito Lahésio e agendou uma reunião com a Comissão Política da Convenção para os próximos dias.

FOTO: Battista Soarez | Dr. Lahésio: "Estou num ambiente meu, da minha família evangélica".

O Leitura Livre conversou, por telefone, com Lahésio Bonfim. Ele reafirmou que, no primeiro momento, se sentiu mal por estar num ambiente dele — se referindo ao fato de ser evangélico, presbítero, da Assembleia de Deus — e, de repente, ver os pastores darem preferência para Brandão enquanto ele ficou sentado no banco.

— Deram a fala para um comunista e eu fiquei olhando ele falar, sem poder dizer nada. Mas aí eu fui me despedir do presidente e ele, então, sentiu que tinha feito algo errado e pediu pra eu voltar à tarde, que ele me daria a oportunidade. E assim eu fiz. Voltei à tarde e ele me deu a oportunidade. Falei algumas verdades e, depois, o presidente de honra [pastor Pedro Aldi] mandou me chamar de volta, horas depois, quando eu já tinha saído do templo, para uma reunião. E aí falamos sobre o projeto político deles e do meu. Ficou de marcarmos outra reunião para tratarmos dos dois projetos políticos: do deles e do meu — ressaltou Lahésio.

A avaliação de alguns pastores é de que não é fácil para quem está à frente de uma convenção do porte da CEADEMA. A convenção de igreja é uma instituição cristã que, por princípios bíblicos, não pode discriminar a ninguém (principalmente em se tratando de autoridade). E isso está no estatuto de qualquer instituição cristã, que segue os princípios ensinados por Jesus e os apóstolos em todo o Novo Testamento. E para ficarem em paz com sua consciência entre o que diz a Bíblia e o anseio pelo poder, os candidatos evangélicos precisam ter sapiência acolhedora e tirocínio espiritual na administração da sua participação política, sem rejeitar ou excluir a quem quer que seja.

No embalo da mesma “maré”, o Pastor Bel foi avaliado pela Comissão Política da CEADEMA e saiu oficializado como pré-candidato a Senador com apoio da Convenção. Bel é do grupo de Lahésio e tem andado pelo Maranhão falando do seu projeto político para 2022.

FOTO: Reprdodução/Internet | Pr. Bel, pré-candidato ao Senado Federal.

— Eu agradeço à Convenção pelo apoio e à Comissão Política pela decisão de aprovar o meu nome a pré-candidato ao Senado Federal. É um apoio muito importante porque, hoje, o povo de Deus no Maranhão representa uma parcela muito grande de eleitores. E é muito importante a igreja colocar os seus representantes no Congresso Nacional — disse Pastor Bel ao Leitura Livre.

Quem também marcou presença no evento foi o prefeito de São Luís, Eduardo Braide. Braide lembrou aos convencionais sobre o fato de ele ter ficado do lado das igrejas, sendo a favor de que os templos se mantivessem abertos na realização de seus cultos durante a pandemia por Covid-19. De acordo com o prefeito, as igrejas são importantes na assistência espiritual, psicológica e social das pessoas, sendo isso um papel contributivo para promoção da saúde da população.

FOTO: Reprodução/Internet | Eduardo Braide, prefeito de São Luís.

— As igrejas têm um papel fundamental na sociedade. Elas amparam as pessoas nas suas necessidades e, com isso, se colocam como parceiras do poder público. Entendo que as autoridades devem reconhecer o quanto as igrejas são importantes na sua função social e de orientação espiritual — destacou Braide.

Sobre o atual retrato da situação política da CEADEMA, o deputado federal Pastor Gil prefere manter silêncio para não causar desconforto a nenhum dos interesses individuais de cada pré-candidato.

— As decisões da Convenção sempre devem ser acatadas. Para isso temos uma Comissão Política cujo papel é avaliar cada caso e levá-lo perante a assembleia geral para que as decisões sejam tomadas de forma segura, depois de muito bem pensadas — explicou o deputado.

FOTO: Battista Soarez | Pastor Gil, deputado federal.

Gil asseverou que a Convenção ainda não bateu o martelo sobre candidato a governador. Segundo ele, a Comissão Política ainda vai estudar a questão e somente depois discutirá o assunto com a assembleia geral. Após tudo isso, o que for decidido será divulgado publicamente. O deputado Pastor Gil ainda elogiou o pastor Osiel Gomes, presidente da Assembleia de Deus no Campo do Tirirical, hospedeira da AGO 2021, sobre todos os aspectos.

— Tudo foi muito bem organizado, não deixando nada a desejar. O pastor Osiel está de parabéns — ressaltou o deputado.

FOTO: Reprodução/Internet | Pr. Osiel Gomes, presidente da AD, campo do Tirirical.

No fim de tudo, a 82ª AGO da CEADEMA, em 2021, deixou patente que, como a maior convenção de igreja evangélica no Estado do Maranhão, é uma instituição importante e fundamental nas relações sociais, quer seja em nível de governo, quer seja em nível da sociedade civil organizada e até da sociedade privada. Se bem administrada, será respeitada, procurada e ouvida por todos os setores e instâncias sociais. A atual diretoria da CEADEMA demonstrou que está preparada para fazer a diferença no âmbito das participações sociais.





quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

ARTIGO: VIVEMOS UM CRISTIANISMO SEM CRISTO? | Pr. Battista Soarez

Vivemos um cristianismo sem Cristo?


Pr. Battista Soarez
(Escritor, jornalista, sociólogo, teólogo e professor)


FOTO: Divulgação/Internet | Imagem ilustrativa


HÁ MAIS OU MENOS uns 20 anos, venho me fazendo esta pergunta: a igreja cristã deixou o Cristo do evangelho do reino de Deus do lado de fora do seu cristianismo?

Agora em 2021, fez 21 anos que publiquei o meu livro Crente, mas consciente: para viver o equilíbrio entre a plenitude da fé e a dignidade humana” (Editora Hosana, SP, 2000). Foi tão impactante, já naquela época, que um certo líder da Assembleia de Deus, bastante conhecido, achou que eu escrevi a obra como uma indireta contra ele. O que jamais procede, haja vista que, embora o tenha publicado no ano 2000, eu o escrevi entre os anos de 1992 e 1993. Mas, até hoje, esse pastor não fala direito comigo. Pois trata-me com desprezo. Outro pastor achou a mesma coisa em relação a si, todavia não deixou de ser meu amigo.

Foi uma experiência bem interessante porque tudo o que eu disse no conteúdo do livro naquela época aconteceu comigo nas instituições cristãs por onde passei posteriormente. Quando, por exemplo, trabalhei na Editora CPAD, no Rio de Janeiro. Quando estive, por sete anos, trabalhando na CEADEMA, no Maranhão. Quando vi o que ocorreu entre o pastor José Wellington Bezerra da Costa e o pastor Samuel Câmara. Quando tomei conhecimento das injustiças que fizeram com o pastor César Moisés Carvalho, na Editora CPAD, mais recentemente. E, enfim, dentre outras coisas, os comportamentos protagonizados entre líderes evangélicos em São Luís do Maranhão.

A propósito, como se tratam os pastores evangélicos? As falsidades, os ciúmes, os orgulhos, as traições, as disputas por cargos, a falta de consulta a Deus quando no ato de tomar decisões. Só para citar alguns exemplos do que ocorre no seio da igreja.

Mas essa inquietação não está só em mim. O teólogo Michael Horton, na sua obra Cristianismo sem Cristo (Editora Cultura Cristã, SP, 2019), denuncia um cristianismo que, na sua pregação, menciona Cristo, mas o deixa de lado, apresentando uma mensagem trivial, sentimental e irrelevante. Um evangelho moralista, de auto-ajuda e bem-estar pessoal. E, pior, um evangelho egoísta e sem relevância social no contexto daquilo que Jesus pregou e ensinou.

Além de Horton, outros teólogos da atualidade têm a mesma preocupação. Mas irei parar por aqui, para poder ir direto ao ponto aonde quero chegar.

Basicamente, seguirei a mesma abordagem de um recente artigo que publiquei, no Leitura Livre, sob o título A igreja evangélica ainda é cristã?”. A priori, percebo que o adormecimento da igreja evangélica prepara um grupo social meramente religioso para um doloroso choque de realidade. O grande desafio e a grande tarefa da igreja cristã será sempre o diálogo com o seu tempo.

A nossa tarefa principal — digo nossa porque estou incluído na ala evangélica, mesmo com uma forma de pensar que ressona como uma crítica que busca levar a igreja a viver, de fato, aquilo que o Senhor Jesus ensinou a partir do Sermão da Montanha — é ajudar na elucidação da verdade, tematizando as grandes questões da atualidade. E me parece que esse foi sempre o plano do evangelho de Jesus Cristo nas grandes épocas da história neotestamentária.

Sem diálogo aberto e conectivo com a sociedade em geral (aberta), o cristianismo é meramente uma seita religiosa. Porque no momento em que a igreja confunde dogma com palavra de Deus, ela deixa de ser agente do reino de Deus, passando a ser sinagoga de “estranhezas” espirituais.

Mas o que é o reino de Deus? O reino de Deus nada mais é senão a vivencialidade e o anúncio da verdade de Cristo. Como ensinaram e praticaram os apóstolos Paulo e João, o evangelho do reino é exatamente aberto para o mundo gentílico. E é no mundo gentílico que o cristianismo se salva de ser uma seita religiosa. É no contexto gentílico que a igreja cristã escapa de ser uma mera religião. Quando o cristianismo perde a capacidade de se comunicar com o mundo, ele simplesmente se torna uma seita.

Assim, o evangelho do reino, sem dogmática, está aberto e pronto para dialogar com todo e qualquer grupo social que precisa de Deus. Com dogmática, ele deixa de ser evangelho do reino. O evangelho do reino de Deus, liberto da religião, está pronto para dialogar com a genialidade e a habilidade de grandes homens e mulheres em qualquer ambiente secular. Porque o evangelho do reino tem o espírito de Cristo. Ao passo que o evangelho religioso não tem o espírito de Cristo.

O evangelho que tem Cristo todo mundo quer ouvir. Qualquer cultura compreende o sentido da sua mensagem. Já o evangelho da religião é chato. Difícil de assimilar. É poluído com tradições impertinentes e rabugices religiosas.

O evangelho do reino, cheio de Deus, consegue dialogar, sobre qualquer assunto, com a sabedoria do mundo cultural, filosófico e científico. Foi Jesus quem deu a ordem: “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura” (Marcos 16.15). Isto quer dizer que o evangelho do reino está aberto à universalidade, a todas as culturas. É o que diz o termo grego original “etnogênesis” (cuja raiz etimológica é éthos) que, traduzido literalmente, significa todas as culturas, civilizações, usos, costumes e hábitos, se referindo às culturas existentes, as de perto, as de longe e as que ainda não existem, mas que virão a existir. Portanto, em Cristo e por Cristo, todas as culturas são alcançadas, porque todas as barreiras de comunicação com as culturas do mundo foram derrubadas. Porque o evangelho não é religião. O evangelho é vida abundante para todo aquele que crê em Jesus Cristo.

A igreja-religião, vazia de Deus, não consegue dialogar com as culturas do mundo e muito menos com as filosofias da sabedoria secular. Por isso ela se tornou um sistema, em que pratica injustiça com seus próprios comunitários, que professam a mesma fé. Por isso a igreja-religião é cheia de pecados. Porque a religião é aprisionada em pecados e nela não há liberdade, como disse Jesus (Mt 23.4).

Todo sistema é uma espécie de religião (mesmo nas sociedades ateístas e políticas), e toda religião é um sistema. E esse é o “mundo” do qual Jesus nos falou sobre o fato de que o mundo nos odeia (Jo 15.18-19). O mundo é o sistema. E o sistema é o mundo. Cristo falou que o mundo nos odeia. E o mundo que nos odeia é o mundo institucionalizado. Inclusive o mundo religioso, institucionalizado pela religião. Veja, na Bíblia e na história, como os religiosos (fariseus, escribas e saduceus) tratavam Jesus e seus discípulos. Veja como a igreja medieval tratava os crentes que, de fato, criam em Deus corretamente. Veja, nos dias de hoje, como são tratados pelos religiosos os cristãos cheios de Deus, que pregam o evangelho sem dogmas. Portanto, o mundo que odeia quem está cheio de Deus é exatamente o mundo-sistema.

Nos dias de Jesus, esse sistema era representado por fariseus, escribas e saduceus. Os saduceus, além de religiosos, pertenciam ao alto escalão social e econômico da sociedade judaica nos dias de Jesus. O escritor Flávio Josefo, que viveu naqueles dias, fala deles. Logo, além de influência religiosa, política e social, os saduceus tinham poder econômico, o que dificultava ainda mais qualquer batalha em relação a eles. E o sistema é isso.

Em síntese, o evangelho da cruz se tornou universal exatamente quando ele, por meio de uma linguagem universal, se abriu em diálogo para o mundo totalmente livre da dogmática judaica. O discurso do apóstolo Paulo para o mundo gentílico — greco-romano — deu-se cada vez mais de maneira ampla, abrindo, portanto, diálogo para com a cultura universal do mundo. Depois o cristianismo esvaziou-se de Deus e levou a igreja medieval a pregar um evangelho sem Cristo, porque não tinha mais o caráter do Cristo do evangelho. Com isso, protagonizou ao mundo um discurso de ódio, uma religiosidade violenta e espiritualmente conturbada. Matou, aos milhares, seus próprios fiéis.

Clemente de Alexandria, na sua obra Stromata, trata da filosofia como uma importante contribuição à reflexão cristã. A igreja de Alexandria era composta por homens sábios e também por cristãos simples. Os cristãos simples recriminaram-lhe perder o seu tempo com a filosofia. Eles queriam somente a fé (despida de conhecimento), sem reflexão, sem discernimento. Obviamente, fé sem conhecimento não tem discernimento. Então, uma fé ignorante passa a conduzi-los e, finalmente, os crentes primitivos tornaram-se vítimas da sua própria fé sem conhecimento.

É o que está acontecendo hoje em dia. Somos uma igreja que não estuda, não quer saber de conhecimento e, portanto, não tem discernimento. É o caso da igreja evangélica de hoje, em nossos dias, na plenitude do século XXI. Os crentes — e até mesmo pastores e líderes que deveriam dar exemplo — vivem uma espiritualidade sem conhecimento, sem reflexão bíblico-teológica e, portanto, sem discernimento. Oram muito. Mas não têm conhecimento para discernir o mundo espiritual. E, assim, são facilmente enganados por espíritos malignos, que se aproveitam das mentes vazias de conhecimento, sem discernimento, para operacionalizar o mal, as injustiças.

Diante de tudo isso, a igreja não tem diálogo justo e honesto para com as culturas do mundo. Não há diálogo justo e honesto entre a verdade da fé e o momento histórico em que vivemos. Se o cristianismo encheu-se de religião e, por isso, se esvaziou de Deus, a igreja evangélica piorou ainda mais as coisas. Os crentes não têm diálogo nem consigo mesmos. Não se respeitam fraternalmente. Esganam-se entre si. Praticamos nossas injustiças entre nós mesmos, irmãos e irmãs no corpo de Cristo. E depois vamos ao templo celebrar nossa fé injusta e abjeta, sem confessar nossos pecados. A boca está cheia de palavras e “louvores”, mas o coração e a mente estão cheios de trevas e malignidades.

A única forma de a igreja manter-se cheia de Cristo é enchendo-se de conhecimento e mantendo uma espiritualidade de relacionamento e comunhão com Deus. Esse cristianismo que aí está, cheio de vício religioso e embriagado por dogmas, sem reflexão teológica, é um cristianismo sem Cristo. Sem relevância sapiencial e sem saúde espiritual.

No entanto, a igreja, no cumprimento de sua missão, precisa do que advém dessa relevância. E somente um profundo conhecimento sapiencial pode proporcionar um adequado encontro e intercâmbio entre o humanismo cristão e as culturas. A igreja só tem três maneiras de trazer Cristo de volta para dentro de si: (1) estudando profundamente a palavra; (2) mantendo uma vida de oração em fidelidade a Deus; (3) praticando atividades de evangelismo e missões. Nessa perspectiva, são importantes uma renovada concepção do método teológico e o sentido da vocação eclesial do teólogo.

O momento atual pede uma reflexão bíblico-teológica que seja um verdadeiro conhecimento de fé — scientia fidei — em Deus, com força educativa e evangelizadora. A teologia tem, agora, mais do que nunca, a grande tarefa de educar a fé dos crentes, contribuindo com lucidez ética a respeito de sua presença e atuação no mundo. Finalmente, para fugir do cristianismo sem Cristo é preciso encher-se do Cristo sem cristianismo.