Por Battista Soarez
(Jornalista e escritor)
C O N T O
Um Estranho Café da Manhã
Um conto para entender os bastidores da política
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Imagem meramente ilustrativa | Foto: Reprodução.
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QUEM DIRIA EU, um simples jornalista profissional (investigativo), espiando o interior das salas de reunião da prefeitura municipal de São Luís. Era uma manhã como qualquer outra. E o assunto era sobre uma região da cidade que era preservada desde os antigos tempos mas que, agora, tudo mudou.
P U B L I C I D A D E
Nos últimos anos, algumas áreas de preservação ambiental de São Luís vêm se tornando conjuntos residenciais. Um esquema milionário está por trás de tudo. E aquele era um local que estava “se valorizando” a cada dia. Os corretores de imóveis faziam reuniões festivas sobre como ganhar muito mais dinheiro com isso. Muitos especuladores, atrelados à política, ficam de olho nessas áreas para protagonizarem seus lucrativos esquemas. As propostas são irrecusáveis.
— Tereza, coloca mais café, chá e biscoito aqui na mesa — ordenou o prefeito de São Luís.
— Sim senhor..., chefe — respondeu a funcionária com nítida solicitude.
O secretário de administração, Antônio Mangabeira, já esperava por isso e era o que ele mais queria exatamente. Considerava-se o cérebro financeiro por trás dos esquemas que envolviam os repasses oriundos dos superfaturamentos relacionados aos projetos aprovados pela câmara de vereadores. Afinal de contas, cada vereador recebe um bom dinheiro para assinar favoravelmente às ações de interesse do poder executivo. Uma soma bastante vultosa de dinheiro entraria durante sua gestão. Os esquemas em Brasília são a garantia de que vale a pena colocar a mão no negócio.
Antônio Mangabeira já via tudo isso acontecendo.
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É claro que, quando a Câmara Municipal se reúne, sempre surge algum problema ou acontecimento para desviar a atenção. E Mangabeira fica impedido de se livrar daquele elefante branco e de investir nos projetos o dinheiro que é obtido através das vendas de terrenos, dentre eles os localizados em áreas de preservação ambiental. Tereza chega e põe na mesa da reunião o café juntamente com os ingredientes solicitados pelo prefeito.
— Obrigado, Tereza — agradece o chefe do executivo.
— De nada, prefeito. Mais alguma coisa?
— Não. Por enquanto não... Ah!, traz água e copos.
— Sim, senhor — responde Tereza, voltando rapidamente à cozinha.
Num período bem recente, a saúde pública rendera muito dinheiro para os administradores. Foi o lobby das doenças corriqueiras, no que, então, foi solicitado um setor exclusivo para seus doentes. Havia, também, um grupo de pneumatologistas que queria montar um centro permanente para o tratamento de doenças do tórax. Sem falar nos agitados cardiologistas que alegavam haver pesquisas indicando que os doentes podiam ser mantidos fora do hospital, o que liberaria vários leitos, desde que os pacientes tivessem acompanhamento. Os cardiologistas pareciam cães lutando por um osso que nenhum deles queria largar. O mesmo acontecia em outras áreas da saúde e das outras políticas públicas às quais é liberado muito dinheiro, inclusive das emendas parlamentares direcionadas por deputados federais. Estes, também, levam uma boa fatia em dinheiro.
Mangabeira suspirou fundo diante da perspectiva de enfrentar mais um longo dia em salas de reunião com vários gestores de departamentos da prefeitura e das secretarias municipais. Os vereadores dos esquemas estavam sentados em volta da mesa. O secretário Mangabeira olhou firme para cada um deles. Estava presente o habitual grupo de pessoas que integravam os esquemas, dentre elas assessores especiais dos gestores municipais. São pessoas que sabem guardar sigilo.
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Compareceram também altos funcionários da secretaria de saúde do município e importantes empresários de outras áreas que haviam provado seu valor em matéria de negócio (isto é, honraram com o compromisso de devolver aos gestores públicos parte do dinheiro liberado nos projetos, conforme combinado). Felix Silva, um simpático e influente filantropo de São Luís, também estava presente. Ele fundara um centro de saúde particular através do qual recebe dinheiro público, graças às suas relações políticas e empresariais. Também tem gente do judiciário envolvida, como, por exemplo, desembargadores e juízes. São eles que trabalham na condenação ou absolvição dos políticos.
Mangabeira já estava bem familiarizado com essas transações, por centenas de vezes. Sem conta. Naquele dia, uma vez mais, sentiu que a vitória lhe sorriria. Recebera proposta de uma grande construtora, que solicitava a posse imediata de um terreno numa área privilegiada da capital maranhense, em troca de gigantesca soma em dinheiro, valor que deixaria o prefeito Fernandão confortavelmente animado.
— Pessoal — bradou Mangabeira — precisamos discutir, agora, sobre como essa verba pode ser empregada. Certo? E, como vocês já sabem, tem de ser de uma forma que não envolva o nome do prefeito.
Os presentes entreolharam-se.
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— Uma parte, talvez, a gente deve empregar em novíssimos equipamentos de tomografias e outras coisas em que a gente possa mexer nos valores para se conseguir uma boa grana — continuou o secretário. — Ou, quem sabe, em reformas de alguns prédios. E também construção de casas, hospital. O certo é que precisamos de muita grana para gastar nas próximas eleições. Senão, nada de reeleição.
— Secretário, a gente só tem que ter cuidado com a imprensa. Tá cheio de blogueiros infiltrados por aí — disse Bramiro, secretário de comunicação.
— Fica tranquilo. A gente paga bons jornalistas para reproduzir os nossos discursos oficiais.
— Sei, mas o problema é que tem muitos blogueiros que não estão recebendo nada da gente. E o perigo está aí.
— Ok, mas eles acabam reproduzindo os discursos oficiais. Aqui e acolá aparece algum falando diferente, mas ninguém se importa. Acabam sendo uma voz solitária.
Foi apurado que havia necessidade de novos leitos na área cirúrgica feminina e de unidades para o isolamento de pacientes especiais. Mangabeira sabia exatamente como fazer para usar essa necessidade, mais uma vez, para captar mais recursos com os milionários superfaturamentos. O certo é que tinham de dar uma resposta às construtoras e a outros parceiros do esquema naquele mesmo dia. Afinal de contas, precisavam cuidar dos interesses particulares de cada grupo político do esquema, com vista a ampliar seus respectivos impérios.
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Todos se serviram bem de café, chá e biscoito. A agenda foi distribuída. Os assuntos tratados foram satisfatórios. Os integrantes da câmara municipal tinham sido totalmente influenciados por uma estatística que acabara de ser publicada, a qual mostrava que os maranhenses sofrem de problemas cardíacos em uma porcentagem acima da média. Fato possivelmente ligado ao estilo de vida e à dieta que praticam. Além disso, a alimentação, a bebida e o cigarro certamente têm sua parcela de culpa.
— Isso é razoável — explicou Mangabeira. — É razoável porque a gente pode colocar essas informações nos nossos estudos para alimentar o nosso banco de dados. E aí, meus amigos, isso quer dizer que o volume de grana só vai aumentar. Claro. Todos precisam de dinheiro, desde os empresários até os últimos parceiros. Inclusive o pessoal do judiciário. Senão os juízes e desembargadores não vão nos defender, quando for necessário. Quando acontecer alguma merda.
O secretário de saúde ventilou, ainda, o quanto os doentes são importantes para alimentar o banco de dados. Senão, o dinheiro não entra.
— Vamos entrar em campo — disse ele. — Precisamos aumentar o volume de recursos para o próximo ano. Talvez a gente tenha, inclusive, de forjar os dados para poder conseguir os nossos objetivos, que é dobrar os valores que atualmente são recebidos.
— Apoiado, meu amigo — disse Mangabeira. — E tem também a venda de terrenos da prefeitura que dá um bom volume de dinheiro. Cada um precisa levar uma boa fatia. Mas este assunto ficará para uma próxima reunião. Obrigado a todos.
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