O fenômeno da impostura
Por Battista
Soarez
Ultimamente
minha vida, aos 48 anos de idade, anda passando por mudanças que, por vezes, me
levam a ficar assustado perante o espelho da existência. Não que eu tenha medo
de encarar a realidade das crises que este mundo tenebroso apresenta. Não que
eu sinta qualquer sentimento de covardia perante as lutas que eu tenha de
enfrentar em razão de dificuldades a serem superadas para que eu obtenha a
justa garantia da conquista. O que me assusta é a incapacidade de compreensão das
pessoas que me cercam no que concerne ao meu favor por elas. O que eu temo é o
fato de que o que essas pessoas podem obter de mim, o meu melhor por elas, seja
barrado por causa da má interpretação da vaidade tola de seus corações
injustos. Escolhas efêmeras nos afastam do ideal no âmbito das relações e são
empecilhos às nossas verdadeiras conquistas.
Na fase
da juventude normalmente nós, humanos, buscamos coisas que exaltam a vaidade e
alimentam um tipo de contentamento que ousa enfrentar os desafios da vida com
um tino de superioridade que nos enche de egoísmo e autocontemplação. Quando
jovens, não temos medo de nada. Queremos remodelar o mundo ao nosso próprio modo
e bel prazer. Sensações de fugacidade não nos são mais motivo de alerta mas,
sim, preenchimento do orgulho que nos impulsiona para uma caminhada cada vez
mais transitória. Nessa fase da vida, o orgulho jovem não permite vermos nossos
próprios limites. Não nos permite entender que a vida é cheia de labirintos que
exigem de nós cuidados e atitudes que estejam sempre coerentes com o sentimento
de conquista que de fato precisamos para vencer os percalços de um mundo cada
vez mais em evolução.
Quando
ficamos adultos, tudo o que queremos é o bem da família, dos amigos e das
pessoas por quem nutrimos respeito e admiração. Pensamos numa vida financeira
confortável que nos dê estabilidade e segurança para os nossos filhos e netos, e
procuramos contribuir da melhor maneira possível com o futuro deles. Mas nem
sempre recebemos festejos ou aplausos de gratidão. É nessa fase que entendemos
ser importante respeitar a vida e os seus limites comuns e sociais. Normalmente
nos tornamos conselheiros dos mais jovens exatamente naquelas coisas moral e
eticamente incorretas que fazíamos quando tínhamos a mesma idade deles.
Na
velhice, enfim, cheios de experiências acumuladas e buscando amenizar as
intempéries da senilidade, pensamos numa vida espiritual mais efetiva e num
preparo ético mais próximo de Deus para enfrentarmos a vida após a passagem
para a eternidade. O dinheiro e a fama já não nos são tão prioridades como
antes. Agora nos contentamos com o dinheiro da aposentadoria que nos dá o
básico para uma sobrevivência cansada e cada vez mais definhante. É quando
aprendemos a valorizar as coisas de maneira mais acentuada, até mesmo o
fenômeno das tragédias pessoais que nos são inevitáveis durante o percurso da
existência. Então, pedimos perdão às pessoas com quem tivemos diferenças, nos
arrependemos de pecados comedidos quando gozávamos do vigor da juventude,
pedimos socorro a Deus pelas fragilidades e egoísmos tolos que nos levaram a ferir
a outrem e a cometer certos desatinos. E, enfim, nos acovardamos perante o fim
da existência porque não sabemos, ao certo, o que nos aguarda do outro lado da
vida, após a morte.
O
escritor Oscar Wilde disse, certa vez, que: “Neste mundo só há duas tragédias.
Uma é não se conseguir o que se quer. A outra é conseguir”. Isto quer dizer que
por mais que a gente se esforce para obter o sucesso este não nos trará tanta
satisfação o quanto imaginamos. Numa certa altura da vida é que vamos descobrir
que o sucesso não era bem o que queríamos. Queríamos algo mais próximo da
felicidade e cada vez mais longe das coisas fugazes. De fato, queríamos algo
que nos desse mais segurança e comodidade.
Há
alguns anos, em 1996, li o livro “Quando
tudo não é o bastante”, do rabino Harold Kushner. Foi um presente que
ganhei da minha namorada na época e um dos melhores livros que já li na minha vida.
Nele Kushner afirma: “As pessoas que têm dinheiro e poder sabem de uma coisa
que você e eu não sabemos. E, se nos dissessem, talvez não acreditássemos. O
dinheiro e o poder não satisfazem aquela fome sem nome que temos na alma. Até
mesmo os ricos e poderosos se descobrem desejando ardentemente alguma outra
coisa”. De fato, Kushner tem razão. Lemos a respeito de problemas familiares de
pessoas ricas e famosas. Vemos nas telas de cinema e televisão seus conflitos
em forma de ficção. E a verdade é que nunca entendemos suas mensagens. Às vezes
pensamos que, se tivéssemos a vida que esses personagens da mídia têm, seríamos
felizes. Mas a verdade é que não importa o esforço que fazemos para sermos
amados, populares e reconhecidos. Se o sentimento de nossa identidade depende
da opinião dos outros, então estaremos sempre sujeitos a outras pessoas e
dependentes delas. Se isso acontece, se somos sempre dependentes dos outros e
nunca construímos a nossa própria independência, a qualquer momento teremos
nosso tapete puxado por eles.
Buscar
independência e autonomia pessoais é o mesmo que trabalhar criativamente a
partir dos nossos sonhos. Mas é fato que devemos compreender que, muitas vezes,
gente aparentemente bem sucedida obteve sucesso imerecido. Mais adiante pessoas
assim, mesmo com sentimento de serem bem sucedidas, demonstram serem ocas.
Jamais podem desfrutar suas realizações em quaisquer circunstâncias. Aí sempre
precisam de uma autoafirmação após a outra. Vivem precisando de afirmações de
outrem. Ocorre que nem sempre as afirmações alheias a nosso respeito são
positivas a nosso favor. Nem sempre são construtivas. E quando somos atingidos
com afirmações não construtivas, mas destrutivas, definhamos existencialmente,
ao mesmo tempo em que os nossos sonhos se esvaem.
Esse
fenômeno é conhecido como o “fenômeno da impostura”. É quando há um
embustecimento de nossas latitudes quanto à liberdade de ação. Um tipo de
fingimento lastimoso. De vaidade tola e presunção extrema. A maioria das pessoas
ricas se lança nesse fenômeno quando se vestem de uma falsa superioridade. Sua
intrujice sempre permite que elas se infiltrem entre os outros para deles
tirarem proveito. Você já viu aquelas pessoas que quando você tem algo
importante ou dinheiro elas facilmente se aproximam de você, mas quando você está
desprovido de bens e dinheiro elas se afastam? Trata-se do fenômeno da
impostura, o qual é carregado de hipocrisia e fingimento. Este fenômeno
acontece na política, nas grandes empresas, em grupos sociais, em famílias
ricas e nas instituições em geral, inclusive na religião.
Alguém já disse que isso
ocorre quando estamos enfronhados numa fome de alma que não tem nome. Quando
somos afetados por uma atitude estranha de fazer “os outros” de inferno. Mas o
inferno não são os outros. O inferno é dedicar esforço para obter fama,
dinheiro, poder e sucesso corroendo relacionamentos com os outros. Inferno é enxergar
os outros apenas à medida do que eles podem fazer por nós.